Numa cena do filme Lisboetas, de Serge Tréfaut, uma mulher oriunda do leste europeu (Rússia ou Ucrânia, se não estou em erro), fala ao telemóvel com alguém do seu país de origem. A mulher está sentada na praia e descreve Portugal com a calma de uma adquirida traquilidade. E que diz ela? Que o país é magnífico e que as pessoas são simpáticas. Que o clima é óptimo e que há segurança nas ruas. O monólogo vai por aí fora até a mulher referir o sistema de ensino. Que classifica como muito fraco, sem rigor nem níveis de exigência.
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Ontem à noite, apanhei, por acaso um excerto do programa "Prós e Contras". No meio daquela chatura sem dimensão achei graça a uma intervenção, meio enfurecida e genuína, do Prof. José Tribolet. Clamava que era necessário "trabalho, trabalho, trabalho" e "disciplina, disciplina, disciplina".
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Nem mais. Tanto a mulher de leste como o Prof. Tribolet tocam num ponto sensível: o da falta de exigência e da ausência de métodos de trabalho que rodeiam o nosso ensino. Os curricula do secundário estão cheios de inutilidades pomposas como Estudo Acompanhado, Formação Cívica e de carnavaladas inconsequentes como Área Projecto. Ao todo, uma série de horas atiradas à rua. O trabalho de memorização (que horror!) foi atirado para a Pré-História, a leitura dos clássicos passou a passatempo, o trabalho duro de aprendizagem tornou-se uma amável reinação.
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No "meu tempo" é que era bom? Não era. Havia um ensino mais elitista, havia menos possibilidades de intercâmbio, havia menos ferramentas e uma tecnologia incomparavelmente mais atrasada. Ora, justamente por termos todo esse leque de possibilidades é que deveríamos dar passos em frente. Não é isso que está a acontecer. Não há disciplina alguma, nem se incute nos jovens estudantes a ideia que um curso, uma carreira, um trabalho de investigação, implicam muitas horas de trabalho, frequentemente solitário, e de sofrimento. Resultado: se antes tinhamos um ensino pensado para o terciário urbano, hoje temos um ensino que criou nichos para a formação de super-elites. Justamente o contrário que a democratização preconizava...
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Bibliothéque Nationale de France, Paris
Divirto-me hoje a recordar que, na Associação de Estudantes da Faculdade de Letras, algumas colegas (sobretudo elas) me chamavam "monge" pelas horas gastas na biblioteca ou "alemão", por ser um partidário do trabalho persistente. Elas não tinham razão. Sempre achei, e hoje tenho a certeza, que trabalho intenso não é incompatível com diversão intensa. Muito pelo contrário.
Este post está fantástico...
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