É esse o número oficial dos habitantes do concelho de Moura. Não estou contado aqui, mas sim noutro concelho, o de Mértola, onde somos 7.289. Estes números espelham bem o país que somos e o país em que nos fomos transformando. Cada vez mais gente no litoral, cada vez maior concentração de habitantes em torno de Lisboa e do Porto. Todos temos essa tentação e a ela resistimos.
É fácil viver no interior? Não é. Cada vez o é menos. Sobretudo nas zonas com menos recursos e mais distantes dos grandes centros. A lógica é a da espiral. Somos, em todo o Alentejo (Beja, Évora e Portalegre) 439.092. Ou seja, 4,15% da população portuguesa. Menos gente implica menos investimento em tudo. Na saúde e na educação, designadamente. Em Mértola haverá, este ano, três turmas do 10º ano. Num horizonte temporal de cinco a dez anos deixará, provavelmente, de haver Secundário naquela localidade. Tal como, desde há muito, deixou de haver serviço de urgência entre as 20 h. e as 8 h. Menos gente leva a menos investimento o que torna o interior menos atrativo e leva a que haja menos habitantes. E assim sucessivamente. Municípios de maior dimensão, como Moura ou Serpa aguentam um pouco melhor o embate, mas as preocupações quanto ao futuro são mais que justificadas.
Viver no interior tornou-se, hoje, um ato de resistência, a meio caminho entre uma fé quase religiosa no futuro do Alentejo e a teimosia em, muitas vezes, querer provar que se pode fazer aqui o mesmo que em qualquer outro sítio. Posso, ao fim de 25 anos a tocar as terras de Espanha, dar disso testemunho. Às vezes fraqueja-se, hesita-se, para depois voltar atrás.
Quando se olha em volta e vemos o que foi o esforço das gerações que nos precederam não podemos deixar de pensar e de nos comover. O que nos rodeia é resultado do trabalho dos alentejanos que aqui viveram antes de nós. Igrejas e pontes, moinhos e açudes, castelos ou simples atalaias, caminhos e montados são o resultado de uma lenta construção da paisagem e do território. Numa ambiente que era, com frequência, hostil foi possível construir aldeias e vilas, limpar o mato e tornar a terra produtiva. É nessas alturas, mais nessas que noutras, que a ideia da partida se quebra e se pensa em ficar para sempre, porque não temos, pura e simplesmente, o direito de partir. É uma escolha que não temos, porque não temos o direito de a ter. Assim vejo, desde há muito, esta questão.
Noutras hesitações se vive por estes dias, não entre litoral e interior, mas agora entre Mértola e Moura. Dou comigo a pensar em Cecília Meireles e em como as suas palavras são belas, mas não me trazem respostas:
“Quem sobe nos ares não fica no chão, /quem fica no chão não sobe nos ares. / É uma grande pena que não se possa estar / ao mesmo tempo nos dois lugares!
Não sei se brinque, não sei se estudo, /se saio correndo ou fico tranquilo. / Mas não consegui entender ainda / qual é melhor: se é isto ou aquilo.”
Ou isto ou aquilo se verá. Deixemos, então, correr os dias, e viver as semanas sem demasiada pressa. As respostas virão, terão de vir, com a frescura e as primeiras chuvas dos dias do Outono. Com a certeza que o futuro será no Alentejo. Seja lá ele onde for.
(texto publicado em A Planície - ed. de agosto de 2011)
Castelo de Moura - fotografia de Zambrano Gomes (c. 1940)
Meu caro, a lógica de viver, das sucessivas (des)governações e do nosso mod de pensar o futuro foi ficando de costas voltadas para as verdadeiras realidades do país... A principal questão está nisto: tudo se encaminhou para um facilitismo, nascido de um aganância sem limites, que alinhou pelo imediatismo, sem pensar na sobrevivência consistente de um país... Matámos a vinha, o azeite, o trigo, a pesca e tornámo-nos em "vendedores de serviços" e de muita tecnologia, que de tecnologia apenas tem o nome... E hoje, quando se entrega os nossos principais recursos (EDP, CP, PT e GALP) às mãos de privados, que não são investidores mas apaenas interesseiors, o nosso futuro parece-nos ainda mais escuro.
ResponderEliminarTenho esperança que uma geração que agora começa a entrar na juventude (que viveu um certo desafogo e rapidamente irá sentir sérias dificuldades) se torna agente de mudança, de mudança não apenas de desejos... mas de paradigma de vida. Acredito que um dia have´ra Alentejo... e Tras-os-Montes, Beira Interior...
Abraço,
Mário
"Não digas onde acaba o dia.
ResponderEliminarOnde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde és Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa,completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar."
Cecília Meireles
Caro/a anónimo/a
ResponderEliminarPalavras sábias as suas (as de Cecília Meireles). As minhas não o foram, decerto. Embora não me reveja na imagem de vaidade.
Obrigado pela participação.
Gostei muito deste texto. É uma escolha que não se consegue fazer, a menos que não haja alternativa.
ResponderEliminarGostei muito da fotografia que escolheu para ilustrar o "post". A sensação de intemporalidade que transmite é espantosa (mesmo atendendo a que se trata de uma imagem obtida em 1940). Há alguns meses, durante uma visita a um alfarrabista do Porto, tropecei com três positivos antigos de Moura. A julgar pelo tipo de papel (Agfa-Bovira), a revelação devia datar dos anos 30 ou 40. A descoberta pareceu-me muito curiosa, uma vez que não é de todo habitual encontrar fotografias antigas de localidades do Sul em alfarrabistas portuenses (mesmo os postais fotográficos são relativamente raros). Uma amiga com raízes alentejanas pediu-me que lhas comprasse, mas infelizmente quando lá voltei a passar, cerca de uns quinze dias depois, convicto de que encontrar as três fotografias estariam direitinhas no mesmo sítio à minha espera, eis que constato que tinham sido vendidas. Azares...
ResponderEliminarR.V.