sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A PENÚLTIMA VEZ QUE ESPERO FALAR NESTE ASSUNTO



DE NOVO A RIBEIRA DA PERNA SECA (SOBRAL DA ADIÇA)

Há coisas que convém que se saibam. E que sejam ditas. E tornadas públicas. De uma forma direta e sem rodeios.

É que a prática política tem aquele esquema das propostas, das moções e das votações. De muitas pequenas subtilezas dos textos que, na maior parte das vezes, estão à margem da vida dos cidadãos. Por entre aquele jogo de floreados dos debates escapa-se/escapa-se-nos, muitas vezes, informação importante. Frequentemente, desaparece, por artes mágicas, a parte mais importante da informação.

Vem isto a propósito do dossiê que envolveu e envolve as obras na Ribeira da Perna Seca, no Sobral da Adiça. E que volta a ganhar pertinência e atualidade depois das cheias da noite do passado 26 de outubro.

O caso é conhecido e tem várias décadas de história. Sublinho isso para tornar claro que os problemas detetados naquele local não datam de novembro de 1997, quando tiveram lugar as cheias mais importantes. Os erros – ocupação do leito do rio por construções e o encanamento do curso de água têm muitos anos. Apontar o dedo ao Governo ou às Câmaras (esta e todas as anteriores) é o caminho mais fácil. E o menos produtivo. Em tempos mais recentes (antes e depois de 1997), os problemas foram agravados pelo abandono dos campos, pela falta de limpeza das margens e pela insuficiente capacidade de escoamento do pontão da estrada nacional. O resultado foi o que se conhece: cheias e devastação, prejuízos sérios, a revolta da população e a difícil resolução de um problema.

Que se passou afinal?

Depois das cheias de 1997, o Governo socialista aprovou uma lei transferindo a responsabilidade de regularização das margens dos cursos de água para as Câmaras (dentro das áreas urbanas) e para os proprietários (fora delas). “Sacudir a água do capote” é isto. Por razões de ordem técnica, o projeto demorou do que seria de esperar. Em 2005, quando tomei posse como vereador, a conclusão do processo da Ribeira da Perna Seca tornou-se uma pequena obsessão. Em fevereiro de 2008 essa parte estava terminada.

A partir daí iniciou-se outra fase. A proposta feita pela Câmara de Moura era simples e qualquer pessoa com um mínimo de discernimento a subscreverá: era necessário que o Governo (sim, o Governo!) participasse diretamente na resolução do problema e era importante que a Câmara de Moura financiasse parte das obras. Ante a recusa de entidades dependentes do Poder Central em comparticiparem as obras (somámos recusas ao longo de anos) a Câmara Municipal de Moura tomou a seu cargo a responsabilidade de executar totalidade da obra.

Ao longo dos últimos anos o Partido Ecologista "Os Verdes" (que integra a CDU) apresentou na Assembleia da República propostas para o Governo inscrever no orçamento uma verba necessária à concretização das obras. O PSD, primeiro, e o PS, depois, votaram contra. Melhor dizendo, o PS votou a favor quando estava na oposição e depois votou contra quando já estava no poder. São coisas difíceis de entender fora dos esquemas de oportunismo político.

A nível local, aconteceram também coisas insólitas. João Dinis, presidente da Junta de Freguesia de Sobral da Adiça disse, ao jornal A Planície de 15.10.2009: "… eu considero que a Câmara, por si só, não tem capacidade financeira para realizar a obra, mas tem de interceder junto de outras entidades…". Esta ideia da intercessão e do façam lá o jeitinho está no lado oposto daquilo que são os direitos das populações. O presidente da junta do Sobral estava errado, conforme se provou.

No jornal A Planície de 1 de fevereiro de 2010 a secção de Moura do Partido Socialista declarava que esta obra não é da responsabilidade da Administração Central. Do ponto de vista da legislação não é. Mas há princípios de solidariedade nacional que deveriam ser respeitados. E que não o foram. A atitude do PS/Moura é a revelação do seguidismo em todo o seu oportunismo. Nada mais.

Uma proposta feita pelo deputado João Ramos (PCP), em fevereiro de 2010, no sentido da Administração Central comparticipar as obras através do PIDDAC foi chumbada com votos contra do PS (incluindo os deputados deste partido eleitos por Beja, Conceição Casanova e Pita Ameixa).

Há conclusões, pessoais e políticas, a tirar deste processo:

Senti, enquanto cidadão português, uma profunda vergonha. Tive vergonha da minha impotência em resolver o problema mais depressa – e fomos sempre à velocidade máxima permitida num país enredado em leis, em papéis, em prazos idiotas e em exigências disparatadas -, mas tinha, sobretudo, vergonha dos Governos que temos, dos seus boys, dos seus bajuladores e puxa-saquistas.

Tive vergonha de vários dos meus interlocutores, não pela recusa em colaborar ou em financiar, mas pelo distanciamento e pela indiferença.

Senti o sentido da palavra "abandono". Percebi, em muitas ocasiões, a quem estamos entregues e a forma como o interior é deixado à sua sorte por governos de gente indiferente e pouco capaz.

Quase 14 (catorze!) anos depois da tragédia de 5 de novembro de 1997 têm início as obras. No meio de um processo longo, complexo e cheio de entraves burocráticos, a Câmara Municipal de Moura ficou sozinha, com o projeto em mãos, e sem ter a possibilidade de recorrer a fundos comunitários. O Poder Central virou as costas ao problema. Os deputados do PS pelo distrito votaram contra a atribuição de verbas a esta obra. Peripécias e mais peripécias de algo que deveria ter tido um tratamento muito expedito. Assim não foi, porque as malhas da burocracia a todos apanham. As Câmaras Municipais a elas não escapam, bem entendido... O que se passou ao longo destes anos daria para um romance.

A Câmara Municipal decidiu, e bem, avançar sozinha para esta obra. Enquanto mourense e enquanto vereador responsável pelo desenvolvimento do processo da Ribeira da Perna Seca desde finais de 2005 sinto particular satisfação por ver este gravíssimo problema em vias de ser resolvido. Com maiores ou menores dificuldades e com a ultrapassagem das dificuldades, mesmo as mais inesperadas, lá chegaremos.


Texto publicado no jornal A Planície do passado dia 1. Porquê "a penúltima vez"? Porque a última será no dia em que esta intervenção estiver concluída.

Acompanha o texto uma imagem de Inondations a Port-Marly, um quadro de 1876, de Alfred Sisley (1839-1899). Sisley é um dos grandes impressionistas, um nome sempre um pouco obscurecido pela imensa popularidade de Monet. Como gosto muito de Sisley aqui fica o registo.

Port-Marly fica 10 kms a ocidente de Paris. O quadro tem duas versões: uma está no Musée d'Orsay (Paris), a outra no Musée des Beaux-Arts (Rouen).

3 comentários:

  1. Santiago deixo aqui uma perguntinha: só há boys nos governsos? E nas Autarquias como se chamam? Na na Moura não os há?

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  2. Esse Pita Ameixa de que falas não é o tal que anda agora preocupado com as obras paradas no Baixo Alentejo? É esse, não é??

    Ah! é verdade, agora está na oposição!

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  3. Sim, AMC, é o mesmo. Há quem, na vida, tenha convicções de geometria variável. Têm sempre mais suce$$so que os que têm convicções menos variáveis.

    Caro anónimo das 18.29: gente contratada para não fazer nada não temos. Nesse sentido, não temos boys...

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