Um colega do Arquivo Histórico de Moura, Octávio Patrício, identificou, há tempos, um documento onde se faz referência expressa a uma mesquita na Mouraria. Pretexto para um texto conjunto com a equipa de arqueologia, com uma explicação sobre o tema e com uma proposta de localização do espaço religioso. O artigo que se segue foi publicado na edição de ontem de "A Planície".
A
MESQUITA DA MOURARIA
Octávio
Patrício, Santiago Macias, Vanessa Gaspar e José Gonçalo Valente
Não é muito o que se conhece sobre a
história mais remota da Mouraria de Moura. O bairro existe, são três ruas, um
largo e uma travessa. O conjunto está classificado como “imóvel de interesse
público”. Do passado mais longínquo da Mouraria faltam informações. Sabemos em
concreto:
1. Que o
bairro da minoria muçulmana foi instalado, em parte, sobre os terrenos do
antigo cemitério islâmico da povoação, identificado, em tempos, por Artur
Goulart e por um de nós [SM];
2. Que a
Mouraria se estendia da Praça até às imediações da atual Rua de Santo António;
3. Que esse
bairro foi, em parte, destruído em meados do século XVII, quando a construção
do novo amuralhamento levou a que muitas habitações tivessem sido sacrificadas;
4. Que a
população do bairro era constituída, em grande parte, por agricultores e
artesãos.
A Mouraria
manteve-se um bairro popular, um espaço acolhedor e de grande equilíbrio
urbanístico. Trabalhos de reabilitação recentes sublinham essas
características.
A
permanência de muçulmanos em Moura, até finais do séc. XV, não merece qualquer
dúvida. Os documentos escritos atestam-no. Muitos deles eram pequenos
agricultores, que trabalhavam na várzea do Ardila. Outros teriam ocupações que
lhes permitiam rendimentos mais importantes. São disso reflexo as cerâmicas de
luxo importadas da região de Valência nos séculos XIV e XV e de a arqueologia
nos deu testemunho recente. Mais curioso é constatarmos que parte da população
ainda dominava a língua árabe em meados do séc. XIV, o que nos é provado pela
lápide funerária de Ismail b. Abi Abd Allah al-Ansari, um mourense da Idade Média, falecido em 7
de abril de 1368.
A vida
quotidiana do bairro permanecia numa obscuridade quase total. Como se vivia?
Que hábitos alimentares se tinham? Que práticas religiosas havia? Durante muito
tempo pensou-se que não haveria, sequer, uma mesquita de bairro.
Recentemente,
um documento identificado por um de nós [Octávio Patrício] veio esclarecer essa
questão, sobre a qual muito se especulou. Um texto do séc. XVI, pertencente aos
documentos avulsos da Santa Casa da Misericórdia, refere, de forma explícita, a
existência de uma mesquita na Mouraria. Num testamento, mandado fazer por Maria
Gomes da Mouraria, são deixadas à Misericórdia “casas que partem com o
çapateiro e com a mesquita”. O documento é totalmente omisso quanto a outras
confrontações ou no que se refere a nomes de ruas. A presença de pequenos
oratórios, ou mesmo de mesquitas, nos bairros habitados pela minoria muçulmana,
não é inédita. O caso mais conhecido, e o melhor estudado, é o de Lisboa, sobre
o qual os nossos colegas Mário Viana e Luís Filipe Oliveira se debruçaram. Que
Moura, uma pequena vila de província, pudesse ter uma mesquita parecia
improvável. Até há poucos dias, quando a feliz leitura de um documento nos veio
devolver essa parcela do passado da nossa cidade.
A
localização da mesquita é mais difícil de decidir. A leitura do parcelário
urbano – e se consideramos alguma estabilidade na forma de organização do
bairro – deixa em aberto duas ou três possibilidades. Atrevemo-nos a sugerir,
como hipótese de trabalho, a possível localização da mesquita na esquina do
Largo e da Travessa. Por ser diferente, em termos de planimetria, das restantes
parcelas do bairro, por ser um espaço central da mouraria e por apresentar uma
orientação – 150º a sudeste – coerente com a que têm os espaços de oração do
ocidente muçulmano.
Tivémos uma mesquita em Moura, disso não haja dúvida. Mais um dado para
a (re) construção do nosso passado.
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A mesquita pode ter-se localizado no espaço agora ocupado pelo edifício de primeiro andar, do lado direito.
avez vous la possibilité de faire une étude de pollens sur niveau archéologique de cette mosquée ?
ResponderEliminaravez vous la possibilité d'étudier les pollens sur le niveau archéologique de ce quartier arabe ?
ResponderEliminarParabéns pelo achado!! O que descobriram é fundamental. Olhando para o terreno, para as construções actuais, será possível defini-la? Haverá partes reutilizadas e ainda de pé?fbc
ResponderEliminarUma descoberta muito valiosa para um bairro que já tinha uma parte dos seus pergaminhos valorizados. Uma prospecção atenta, rigorosa, de toda a área urbanizada há-de trazer os seus frutos. Parabéns! LBorrela
ResponderEliminarMuitos parabens.Trata-se de uma descoberta notavel. E tambem uma chamada de atencao para lermos outras fontes com mais atencao.
ResponderEliminaramigo Santiago a mesquita era onde hoje é a TABERNA do LIBERATO tenho documentos que comprovam isso ... em caso de duvidas contacte-me que eu estou ao seu dispor ... O TABERNEIRO
ResponderEliminarUma nova mesquita quando a primeira foi tomada pela força e convertida a outros fins;esta segunda mesquita sem dúvida que não seria clandestina e dá-nos o testemunho de um tempo de uma certa tolerância entre religiões e, acima de tudo, entre pessoas que por aqui viveram noutro período histórico.
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