terça-feira, 22 de outubro de 2013

20/10/2013 - 16:25


Eram exatamente 16 horas e 25 minutos quando assinei o termo de posse, no Cineteatro Caridade. Depois, li este texto:

Senhor Presidente da Assembleia Municipal
Senhores Eleitos dos Órgãos Municipais
Senhoras e Senhores Convidados
Caros Conterrâneos, Caros Amigos

Gostaria de começar por desejar a todos os eleitos um bom mandato. Do sucesso do nosso trabalho depende uma parte da vida do nosso concelho, pela que a responsabilidade que recai sobre nós não é coisa pouca.

Dificilmente algum dos presentes saberá dizer quem era o Presidente da Câmara de Moura no dia 20 de outubro de 1913. Dificilmente, também, a cerimónia de hoje será recordada dentro de cem anos, ou alguém se lembrará do nome do Presidente que agora toma posse. A passagem pela vida, e isso inclui a vida política, não tem por fim ganhar algo semelhante à eternidade na terra ou a perpetuar no tempo aquilo que fazemos. A missão é breve e esta realidade transitória.

O que nos move é a necessidade de transformar e de melhorar. De participarmos num permanente processo de melhoramento e de transformação. Não é fácil fazê-lo num quadro de grave crise social e de grandes restrições financeiras, que nos afetam a todos e que tocam de muito perto os autarcas. Ouvi, há meses, um responsável regional dizer uma frase que me irrita: “o Alentejo é uma região que tem qualidade de vida”. Se interpretarmos como tal o ar puro, a ausência de engarrafamentos ao fim do dia, a tranquilidade das nossas localidades e o som dos passarinhos é verdade que temos qualidade de vida. Acontece que a qualidade de vida é bem mais que isso. Envolve coisas só aparentemente banais como ter direito a escolas decentes e com professores a trabalhar em condições, cuidados de saúde a distâncias razoáveis do local onde vivemos, a possibilidade de termos nos nossos concelhos as forças de segurança, tribunais, serviços de finanças, os correios, infraestruturas desportivas, uma rede de transportes que cumpra os mínimos. Não falamos de luxos nem de ostentação. As ludotecas, as bibliotecas, os transportes, os centros de dia, os lares, as escolas, não são um luxo. São algo a que temos direito porque trabalhamos para isso. E porque são necessários. E porque sem esses equipamentos viveremos pior e com menos qualidade. Se chegámos a este ponto de grande dificuldade não foi porque os que trabalham causaram a situação ou porque autarquias como Moura fazem uma vida de luxo, mas sim porque o sistema financeiro que é a base do sistema capitalista o permite e incentiva. É também por isso que senti a obrigação moral de ser candidato a Presidente da Câmara de Moura. Porque temos o direito e o dever do combate político e temos a obrigação de lutar pelo sítio ao qual estamos ligados. É por isso que graças aos habitantes do concelho sou hoje Presidente da Câmara de Moura. Um cargo que muito me honra / e em relação ao qual tudo farei para estar à altura deste grande concelho.

Rejeitamos a imagem que nos querem colar. O Alentejo não é o exotismo ao virar da esquina, com indígenas que cantam bem, que fazem bom artesanato, bom pão, bom vinho, bom azeite e que, felizmente e em nome dos bons costumes, abandonaram as práticas canibais há cerca de 2000 anos. Nós não queremos ser esse exótico baratinho. O que nós queremos, e temos direito, é a uma vida decente e a um concelho melhor. Não podemos aceitar que os cortes se somem deixando as autarquias sem capacidade de intervenção. Não podemos aceitar o discurso dos que acham que as Câmaras Municipais são uma almofada do Poder Central, destinadas a distribuir umas quantas benesses e uns quantos apoios, deixando as grandes questões para esferas que nos ultrapassam. Vejo gente preparada intelectualmente preocupada com a viabilidade do interior a longo prazo. Discriminam as aldeias [que fique claro que são eles quem o faz e não nós] apostando por isso na concentração de recursos nas sedes de concelho. Há uma obsessão com o que vai acontecer no longo prazo, como se nós pudéssemos determinar o futuro à medida dos nossos desejos. Dá vontade de lhes recordar a frase do grande economista John Keynes, que dizia “a longo prazo estamos todos mortos”.

A situação é séria e isso torna maior o desafio. Temos pela frente dois problemas de grande envergadura: a desertificação humana, agravada pelo envelhecimento da população, e o desemprego. Problemas estruturais do interior do País, para os quais só o esforço de uma Câmara Municipal não chega. Importa sublinhar, ainda assim, que o mais significativo programa de criação de emprego, em torno das energias renováveis, teve na Câmara Municipal uma mola propulsora fundamental. Mais de 150 postos de trabalho foram criados num processo de todos bem conhecido.

E que teve no José Maria Pós-de-Mina uma peça decisiva. É também para mim uma honra muito particular suceder no lugar de Presidente da Câmara a uma pessoa de tão invulgares qualidades e capacidades como o José Maria. Muito poucas pessoas me conseguiriam convencer a abraçar este desafio. Muito poucas, ficas a saber.

Foi, durante 15 anos, 9 meses e 18 dias o nosso alcaide. Trabalhou sem tréguas, durante esses anos, para garantir um futuro melhor no nosso concelho. Houve progressos fundamentais e decisivos, que temos agora de continuar. Alguns não o querem reconhecer, mas o tempo, esse grande escultor, se encarregará de sublinhar a verdade. Espero, esperamos, na nossa equipa, estar à altura do que foi feito e do que tu impulsionaste.

Durante os últimos dois anos fomos fustigados, como sabes, pelo facto de, supostamente, andarmos a gastar o dinheiro público em arqueologia e em museus. Na realidade, o programa em curso, que abrange parte do centro histórico de Moura, tem a ver com outra coisa bem diferente, a reabilitação urbana. Confundir museus com reabilitação urbana é um tanto confrangedor. Mas posso garantir-te, e posso garantir a todos, que não nos afastaremos dessa linha de atuação.

Vale a pena citar o jornalista Nicolau Santos, num artigo no semanário “Expresso” de dia 12 de Junho de 2013:

Um país sem economia é um sítio. Um país sem cultura não existe. Durante a II Guerra Mundial, quando o esforço militar consumia todos os recursos das ilhas britânicas, foi sugerido ao primeiro-ministro Winston Churchill que cortasse nas verbas da cultura. O homem que conduziu a Inglaterra à vitória sobre a Alemanha recusou perentoriamente. “Se cortamos na cultura, estamos a fazer esta guerra para quê?”. (fim de citação)

É esse um dos tópicos do nosso combate quotidiano. E se nos referimos à cultura, não é à sua vertente literária e artística, apenas. Mas à necessidade de termos uma perspetiva cultural do nosso concelho e do mundo à nossa volta. O convite ao Gonçalo Lampreia para se juntar a nós, e para participar nesta cerimónia, inscreve-se nessa lógica de valorizar a nossa juventude, o seu esforço de superação, de darmos importância ao que de melhor temos.

É essa perspetiva cultural que nos leva a reabilitar as nossas localidades. É por termos essa certeza que cedemos o terreno e colaborámos no financiamento da Escola Básica Integrada de Amareleja. É por termos essa convicção que interviémos nas escolas e as melhorámos. Foi assim em Santo Amador e vai ser assim em Santo Aleixo. É esse enquadramento cultural que nos leva a renovar redes de águas e fazer obras como a da Ribeira da Perna Seca, no Sobral da Adiça. É uma lógica ligada à cultura que nos levou a participar no processo de renovação urbana de Safara. A apoiar com entusiasmo, logo nós, maioritariamente ateus e agnósticos, a recuperação de igrejas em Santo Aleixo, na Estrela e, em breve, na Póvoa de S. Miguel. É a importância da Cultura e do Homem no seu meio que nos levará, ainda antes do final do ano, a assinar o contrato para o Pavilhão Multiusos das Cancelinhas, na Amareleja. É a importância de uma perspetiva cultural que nos faz querer terminar o mais depressa possível a obra da zona industrial em Moura. Sem gente não há futuro e sem condições para aqui vivermos não há gente. A equação é simples. Tão simples como simples e direta é a nossa determinação.

Daremos cumprimento ao que foram os tópicos do programa que apresentámos à população do concelho:

1. Continuaremos a ter como preocupação o investimento e o emprego, sendo que a criação e o melhoramento de infraesturuturas serão a nossa forma primordial de intervenção;

2. Teremos particular preocupação com a área social, dentro daquilo que são as competências e possibilidades do município; neste domínio incluímos a aposta na educação, que não deixaremos cair;

3. Melhoraremos as nossas localidades, tendo como motivação a divulgação do potencial turístico do território [o potencial turístico não existe por si só, tem de ser estimulado e tem sido essa a lógica da reabilitação dos espaços públicos e dos edifícios do concelho];

4. Finalmente, teremos particular preocupação com o Meio Ambiente e a Agricultura. Incluímos neste setor tanto as energias renováveis, como a tradição agrícola do concelho. Precisamos de regadio e precisamos que alguns entendam que o respeito pelo Ambiente começa pela valorização do ser humano, sem o qual não há paisagem que nos valha.

Gostaria de deixar claro que não represento 42,9 % dos votantes do concelho, mas sim, como Presidente da Câmara, a totalidade dos habitantes desta nossa terra. E que saberei, saberemos, interpretar a vontade de todos e os anseios de todos. E que estarei atento, estaremos atentos, a críticas, comentários e aos contributos que nos quiserem dar ou fazer chegar.

Tenho o péssimo hábito de nunca agradecer à família nestas alturas. Agradeço-lhes agora, a eles, aos meus professores, aos amigos que fui fazendo ao longo da vida e que tão condescendentes são para com as minhas permanentes insuficiências. Gostava de lhes dedicar, bem como a todos os que aqui estão, as palavras de alguém que sabia o valor das palavras. Fazem sentido hoje, dia de celebração, mas também dia de muitas dúvidas. Para além da curva da estrada, de Alberto Caeiro:

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Muito obrigado a todos.

9 comentários:

  1. Santiago, Amigo! Bem hajas por publicar este texto que é fantástico e me comoveu. O enorme apaluso no cine teatro Caridade demonstrou que não estive só, nesta forma emocionada de reagir... Grande abraço e muito bom trabalho!

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  2. Caro amigo PSIS

    Não tive ocasião de o parabenizar no dia das eleições, porque me encontrava na Roménia (não, a minha presença lá não tinha nada a ver com actividades ilícitas seu preconceituoso); aproveito portanto a tomada de posse para o fazer, com uma valente palmada nas costas.

    Abraço

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  3. "Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer."
    Obrigada Santiago por teres querido ser o Presidente da Câmara Municipal de Moura!
    Eugénia

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  4. boa noite

    mesmo que tenha aparecido ossos humanos de 2000 anos atrás, com algumas estrias que pode indiciar a pratica de canibalismo( em certas zonas da grã-Bretanha e em países eslavos a prática do canibalismo é conhecida ainda em finais do século XIX) não vejo relevância alguma em citar tal facto. nem o local, quanto a mim,nem o propósito do texto justificava tal abordagem. não havia necessidade! à parte isso o texto está muito bem estruturado e é uma boa peça para ser recordada no ano de 2073 nas comemorações do primeiro centenário do nascimento do edil agora empossado, depois de se ter inaugurado o busto do dito e descerrado a lápide respectiva.bom ventos e boas estrelas que o guie. Francisco Perfeito Caetano

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  5. Na certeza do teu empenho e na esperança de bom trabalho da equipa, um grande abraço,
    Manuel J.C.Branco

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  6. Muito obrigada por esta deliciosa leitura e parabéns pela honra em estar à frente de um concelho que já provou ter capacidade para ir além da curva da estrada e de todas as curvas das estradas que pretender percorrer.
    Desejo-lhe a si e a toda a sua equipa uns excelentes 4 anos de trabalho.
    Um abraço,
    Manuela

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  7. Caro Santiago, antes de mais os meus parabéns ela tua proeza. Conhecendo como conheço as tuas virtudes e capacidades de trabalho árduo e empenhado, não tenho dúvidas que a tua contribuição será de qualidade e perene. Boa sorte, pois, meu velho amigo. Leopoldo Amado

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  8. Um grande discurso de quem vai ser um grande presidente.
    Um grande abraço.

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  9. SM, não te sabia tão novo.

    P.S.: Parabéns pela camisa... discreta!

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