Eram exatamente 16 horas e 25 minutos quando assinei o termo de posse, no Cineteatro Caridade. Depois, li este texto:
Senhor
Presidente da Assembleia Municipal
Senhores Eleitos
dos Órgãos Municipais
Senhoras e Senhores Convidados
Caros Conterrâneos, Caros Amigos
Gostaria de
começar por desejar a todos os eleitos um bom mandato. Do sucesso do nosso
trabalho depende uma parte da vida do nosso concelho, pela que a
responsabilidade que recai sobre nós não é coisa pouca.
Dificilmente algum dos presentes saberá
dizer quem era o Presidente da Câmara de Moura no dia 20 de outubro de 1913.
Dificilmente, também, a cerimónia de hoje será recordada dentro de cem anos, ou
alguém se lembrará do nome do Presidente que agora toma posse. A passagem pela
vida, e isso inclui a vida política, não tem por fim ganhar algo semelhante à
eternidade na terra ou a perpetuar no tempo aquilo que fazemos. A missão é
breve e esta realidade transitória.
O que nos move é
a necessidade de transformar e de melhorar. De participarmos num permanente
processo de melhoramento e de transformação. Não é fácil fazê-lo num quadro de
grave crise social e de grandes restrições financeiras, que nos afetam a todos
e que tocam de muito perto os autarcas. Ouvi, há meses, um responsável regional
dizer uma frase que me irrita: “o Alentejo é uma região que tem qualidade de
vida”. Se interpretarmos como tal o ar puro, a ausência de engarrafamentos ao
fim do dia, a tranquilidade das nossas localidades e o som dos passarinhos é
verdade que temos qualidade de vida. Acontece que a qualidade de vida é bem
mais que isso. Envolve coisas só aparentemente banais como ter direito a
escolas decentes e com professores a trabalhar em condições, cuidados de saúde
a distâncias razoáveis do local onde vivemos, a possibilidade de termos nos
nossos concelhos as forças de segurança, tribunais, serviços de finanças, os
correios, infraestruturas desportivas, uma rede de transportes que cumpra os
mínimos. Não falamos de luxos nem de ostentação. As ludotecas, as bibliotecas,
os transportes, os centros de dia, os lares, as escolas, não são um luxo. São
algo a que temos direito porque trabalhamos para isso. E porque são
necessários. E porque sem esses equipamentos viveremos pior e com menos
qualidade. Se chegámos a este ponto de grande dificuldade não foi porque os que
trabalham causaram a situação ou porque autarquias como Moura fazem uma vida de
luxo, mas sim porque o sistema financeiro que é a base do sistema capitalista o
permite e incentiva. É também por isso que senti a obrigação moral de ser
candidato a Presidente da Câmara de Moura. Porque temos o direito e o dever do
combate político e temos a obrigação de lutar pelo sítio ao qual estamos
ligados. É por isso que graças aos habitantes do concelho sou hoje Presidente
da Câmara de Moura. Um cargo que muito me honra / e em relação ao qual tudo
farei para estar à altura deste grande concelho.
Rejeitamos a
imagem que nos querem colar. O Alentejo não é o exotismo ao virar da esquina,
com indígenas que cantam bem, que fazem bom artesanato, bom pão, bom vinho, bom
azeite e que, felizmente e em nome dos bons costumes, abandonaram as práticas
canibais há cerca de 2000 anos. Nós não queremos ser esse exótico baratinho. O
que nós queremos, e temos direito, é a uma vida decente e a um concelho melhor.
Não podemos aceitar que os cortes se somem deixando as autarquias sem
capacidade de intervenção. Não podemos aceitar o discurso dos que acham que as
Câmaras Municipais são uma almofada do Poder Central, destinadas a distribuir
umas quantas benesses e uns quantos apoios, deixando as grandes questões para
esferas que nos ultrapassam. Vejo gente preparada intelectualmente preocupada
com a viabilidade do interior a longo prazo. Discriminam as aldeias [que fique
claro que são eles quem o faz e não nós] apostando por isso na concentração de
recursos nas sedes de concelho. Há uma obsessão com o que vai acontecer no
longo prazo, como se nós pudéssemos determinar o futuro à medida dos nossos
desejos. Dá vontade de lhes recordar a frase do grande economista John Keynes,
que dizia “a longo prazo estamos todos mortos”.
A situação é
séria e isso torna maior o desafio. Temos pela frente dois problemas de grande envergadura:
a desertificação humana, agravada pelo envelhecimento da população, e o
desemprego. Problemas estruturais do interior do País, para os quais só o
esforço de uma Câmara Municipal não chega. Importa sublinhar, ainda assim, que
o mais significativo programa de criação de emprego, em torno das energias
renováveis, teve na Câmara Municipal uma mola propulsora fundamental. Mais de
150 postos de trabalho foram criados num processo de todos bem conhecido.
E que teve no
José Maria Pós-de-Mina uma peça decisiva. É também para mim uma honra muito
particular suceder no lugar de Presidente da Câmara a uma pessoa de tão
invulgares qualidades e capacidades como o José Maria. Muito poucas pessoas me
conseguiriam convencer a abraçar este desafio. Muito poucas, ficas a saber.
Foi, durante 15
anos, 9 meses e 18 dias o nosso alcaide. Trabalhou sem tréguas, durante esses
anos, para garantir um futuro melhor no nosso concelho. Houve progressos
fundamentais e decisivos, que temos agora de continuar. Alguns não o querem
reconhecer, mas o tempo, esse grande escultor, se encarregará de sublinhar a
verdade. Espero, esperamos, na nossa equipa, estar à altura do que foi feito e
do que tu impulsionaste.
Durante os
últimos dois anos fomos fustigados, como sabes, pelo facto de, supostamente,
andarmos a gastar o dinheiro público em arqueologia e em museus. Na realidade,
o programa em curso, que abrange parte do centro histórico de Moura, tem a ver
com outra coisa bem diferente, a reabilitação urbana. Confundir museus com
reabilitação urbana é um tanto confrangedor. Mas posso garantir-te, e posso
garantir a todos, que não nos afastaremos dessa linha de atuação.
Vale a pena
citar o jornalista Nicolau Santos, num artigo no semanário “Expresso” de dia 12
de Junho de 2013:
Um país sem
economia é um sítio. Um país sem cultura não existe. Durante a II
Guerra Mundial, quando o esforço militar consumia todos os recursos das ilhas
britânicas, foi sugerido ao primeiro-ministro Winston Churchill que cortasse
nas verbas da cultura. O homem que conduziu a Inglaterra à vitória sobre a
Alemanha recusou perentoriamente. “Se cortamos na cultura, estamos a fazer esta
guerra para quê?”. (fim de citação)
É esse um dos
tópicos do nosso combate quotidiano. E se nos referimos à cultura, não é à sua
vertente literária e artística, apenas. Mas à necessidade de termos uma perspetiva
cultural do nosso concelho e do mundo à nossa volta. O convite ao Gonçalo
Lampreia para se juntar a nós, e para participar nesta cerimónia, inscreve-se
nessa lógica de valorizar a nossa juventude, o seu esforço de superação, de
darmos importância ao que de melhor temos.
É essa perspetiva
cultural que nos leva a reabilitar as nossas localidades. É por termos essa certeza
que cedemos o terreno e colaborámos no financiamento da Escola Básica Integrada
de Amareleja. É por termos essa convicção que interviémos nas escolas e as
melhorámos. Foi assim em Santo Amador e vai ser assim em Santo Aleixo. É esse enquadramento
cultural que nos leva a renovar redes de águas e fazer obras como a da Ribeira
da Perna Seca, no Sobral da Adiça. É uma lógica ligada à cultura que nos levou
a participar no processo de renovação urbana de Safara. A apoiar com entusiasmo,
logo nós, maioritariamente ateus e agnósticos, a recuperação de igrejas em
Santo Aleixo, na Estrela e, em breve, na Póvoa de S. Miguel. É a importância da
Cultura e do Homem no seu meio que nos levará, ainda antes do final do ano, a
assinar o contrato para o Pavilhão Multiusos das Cancelinhas, na Amareleja. É a
importância de uma perspetiva cultural que nos faz querer terminar o mais
depressa possível a obra da zona industrial em Moura. Sem gente não há futuro e
sem condições para aqui vivermos não há gente. A equação é simples. Tão simples
como simples e direta é a nossa determinação.
Daremos
cumprimento ao que foram os tópicos do programa que apresentámos à população do
concelho:
1. Continuaremos a
ter como preocupação o investimento e o emprego, sendo que a criação e o
melhoramento de infraesturuturas serão a nossa forma primordial de intervenção;
2. Teremos
particular preocupação com a área social, dentro daquilo que são as
competências e possibilidades do município; neste domínio incluímos a aposta na
educação, que não deixaremos cair;
3. Melhoraremos as
nossas localidades, tendo como motivação a divulgação do potencial turístico do
território [o potencial turístico não existe por si só, tem de ser estimulado e
tem sido essa a lógica da reabilitação dos espaços públicos e dos edifícios do
concelho];
4. Finalmente,
teremos particular preocupação com o Meio Ambiente e a Agricultura. Incluímos
neste setor tanto as energias renováveis, como a tradição agrícola do concelho.
Precisamos de regadio e precisamos que alguns entendam que o respeito pelo
Ambiente começa pela valorização do ser humano, sem o qual não há paisagem que
nos valha.
Gostaria de
deixar claro que não represento 42,9 % dos votantes do concelho, mas sim, como
Presidente da Câmara, a totalidade dos habitantes desta nossa terra. E que
saberei, saberemos, interpretar a vontade de todos e os anseios de todos. E que
estarei atento, estaremos atentos, a críticas, comentários e aos contributos
que nos quiserem dar ou fazer chegar.
Tenho o péssimo
hábito de nunca agradecer à família nestas alturas. Agradeço-lhes agora, a
eles, aos meus professores, aos amigos que fui
fazendo ao longo da vida e que tão condescendentes são para com as minhas
permanentes insuficiências. Gostava de lhes dedicar, bem como a todos os que
aqui estão, as palavras de alguém que sabia o valor das palavras. Fazem sentido
hoje, dia de celebração, mas também dia de muitas dúvidas. Para além da curva
da estrada, de Alberto Caeiro:
Para
além da curva da estrada
Talvez haja um
poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas
a continuação da estrada.
Não sei nem
pergunto.
Enquanto vou na
estrada antes da curva
Só olho para a
estrada antes da curva,
Porque não posso
ver senão a estrada antes da curva.
De nada me
serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo
que não vejo.
Importemo-nos
apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza
bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém
para além da curva da estrada,
Esses que se
preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a
estrada para eles.
Se nós tivermos
que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só
sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a
estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem
curva nenhuma.
Muito obrigado a
todos.