Recebi,
hoje de manhã, uma comunicação do Presidente da Câmara de Moura informando que,
por razões de ordem financeira, não será possível concretizar, no antigo
matadouro municipal, a exposição De Totalica à Adiça: 5000 anos de mineração
(registado, para efeitos autorais, nos serviços competentes do Ministério
da Cultura). O valor estimado para a realização do projeto (com um teto máximo
de 25.000 euros) não cabe nas prioridades atuais da autarquia. Quem tem de
decidir, decide. E as opções são de quem tem o poder nas mãos.
Um dado importante, do ponto de vista pessoal: os 25.000 euros referem-se à montagem da exposição. O meu trabalho teria, e terá, custo zero.
Um dado importante, do ponto de vista pessoal: os 25.000 euros referem-se à montagem da exposição. O meu trabalho teria, e terá, custo zero.
Se a uma coisa me habituei, ao longo da minha carreira, foi a dificuldades, a projetos adiados ou concretizados muito depois da ideia inicial ter sido gizada. O recorde absoluto vai para a musealização da torre de menagem do Castelo de Moura, iniciada em 1989 e concluída em 2012... Tracei o projeto para um livro em 1990, para o publicar em 2001. Comecei a trabalhar no Museu Islâmico de Mértola em 1991, para ver a sua inauguração ter lugar em 2001. Etc.
Desta vez, não será preciso esperar tanto tempo. Retomarei o projeto, a concretizar em moldes de recurso, no Sobral da Adiça. A exposição tem de ser repensada, embora o guião original vá ser respeitado.
Que se
quer de uma coisa assim? Uma exposição com brilho. Literalmente.
Que se vai mostrar? Cópias das desaparecidas tábuas da Adiça. A palavra estará presente na exposição. Através da Teogonia, de Hesíodo (sécs. VIII-VII a.C.), onde se falava do Jardim das Hespérides e da árvores do pomos de ouro. Através da poesia. Ainda Robert Frost me virá dar uma ajuda. Através de textos do século XI que aludem à importância das minas da Adiça. O metais das atividades tradicionais cruzar-se-ão com peças modernas. A luz da Adiça entrará na exposição pelas fotografias de Jorge Campaniço.
Iremos mostrar toda a riqueza mineira do concelho de Moura e cruzá-la com a produção artística (nas suas vertentes eruditas e populares, que se iluminam mutuamente e se complementam) e com a vida quotidiana.
Reproduções
de pinturas de Alexandre Charles Guillemot, de François Boucher, de
Johann Georg Platzer, de Anthony van Dick, as fotografias de Uwe Niggemeier
entrarão em diálogo com o ambiente de uma forja. Os brinquedos
tradicionais farão outro apelo à memória de todos nós. O poder do deus Hefestos
estará sempre presente.
No
final, voltamos ao início e ao Génesis: "e
havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face
das águas. / E Deus disse: Haja luz; e houve luz".
Imagens
poesia, luz e ambiente. Tradição e modernidade, passado, presente e futuro, eis
a ideia central da exposição. É isso que iremos fazer. Com dificuldades, é
certo. E, também, com a ajuda de colegas qualificados (a quem já comecei a
contactar e que entrarão, com amizade, neste projeto).
A parte positiva nas viagens de longo
curso são coisas assim... O guião foi, em traços gerais, feito entre Paris e
Atlanta, em maio de 2016. Nove horas sobre o Atlântico, a ver filmes idiotas e
a jogar às cartas, é dose a mais. Puxei do caderno de apontamentos e comecei a
delinear o projeto. Só "falhei" uma vitrine. Ainda pensei em usar, em
ante-título, a expressão "há aí uma minera muito boa", tirada de A
crónica do mouro Rasis, um texto medieval. Depois desisti, porque a língua
portuguesa é mais que traiçoeira.
A luz que vem das pedras
A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra,
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são de mais em ti as coisas mais.
Melhor que tudo, o voo dos insectos,
o ritmo nocturno do girar dos bichos,
a chave do momento em que começa o canto
da ave ou da cigarra
— a mão que tal comanda no mesmo gesto fere
a corda do que em ti faz acordar
os olhos densos de cada dia um só.
Quem está salvando nesta respiração
boca a boca real com o universo?
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são de mais em ti as coisas mais.
Melhor que tudo, o voo dos insectos,
o ritmo nocturno do girar dos bichos,
a chave do momento em que começa o canto
da ave ou da cigarra
— a mão que tal comanda no mesmo gesto fere
a corda do que em ti faz acordar
os olhos densos de cada dia um só.
Quem está salvando nesta respiração
boca a boca real com o universo?
Pedro Tamen
Cá te espero! Bom trabalho!
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