sábado, 1 de setembro de 2018

A MURALHA DESCONHECIDA DE MOURA


A restauração da independência, em 1640, causou alterações importantes em Moura. A cidade não tinha muralhas que abrangessem a maior parte do aglomerado urbano. Ao contrário do que acontecia na maior parte dos sítios do sul, apenas o castelo estava protegido. Era necessário defender os habitantes e os seus pertences. Um primeiro, e radical, projeto foi assinado por Nicolau de Langres, em 1657. A construção da muralha nova, que implicava a destruição de boa parte da cidade antiga, acabou por não ser concretizada da forma prevista. O desenho foi adaptado ao terreno. Muitas casas tiveram de ser demolidas, mas não tantas como Nicolau de Langres preconizava. A fortificação foi sendo construída, ao longo da segunda metade do século XVII.

Grande parte dessa estrutura foi destruída ao longo do século XIX. Os novos tempos, a abertura de ruas, a inutilidade das muralhas levaram a novas e substanciais modificações. Uma parte do que outrora existiu há muito que desapareceu. Temos, apesar disso, ainda alguns troços que resistiram. Que nos resta? A muralha do jardim Dr. Santiago, a que está em frente à antiga Escola Conde Ferreira, a muralha nova, a da Boavista e a da mata da piscina municipal. A todos estes locais se deram, como é sabido e bem visível, novos usos. A partir delas é possível, e com o recurso a desenhos dos séculos XVII e XVIII, reconstituir a fortificação moderna de Moura. Foi isso que se fez num livrinho, publicado há mais de 10 anos, em conjunto com Vanessa Gaspar.

Em final de 2009, um problema de urbanismo levou-me ao terreno de um morador na Rua de Santa Catarina. Constatei, com surpresa, que no interior de um quintal se conservava um troço de muralha seiscentista. Dava seguimento ao baluarte de Santa Catarina (onde hoje está a mata da piscina) e encontra-se nas traseiras da rua com o mesmo nome – veja-sea letra A do esboço, feito a partir do google. Cruzava a atual rua de Santa Justa no ponto assinalado com B. Aí ficava uma das portas de Moura, demolida em meados do século XIX. Seguia depois em direção aos Quartéis – a rua da Bica dos Quartéis tem saída em ângulo reto para o largo pelo facto de à sua frente estar um dos muros da fortaleza.

Esta muralha desconhecida de Moura torna-se, assim, um pouco mais visível, apesar da sua notória discrição. É, também, de fragmentos como este que se constrói a história de um sítio.

Crónica em "A Planície" (edição de hoje)

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