domingo, 6 de dezembro de 2020

DIA DE QUASE INVERNO - II

Mudando de assunto

Entramos no inverno longo túnel

A noite cresce como a orla da maré

numa manhã de mar e de neblina

Nunca mais saberei quem passou no corredor

Estendo-te a mão por cima destes séculos agrippa d’aubigné

Se eu pudesse lutero fazer alguma coisa por ti

Assim recordo apenas múltiplas cadeiras onde me sentei

e aquelas coisas todas que esqueci

Alguém alguma vez pela vidraça de um café

me terá visto e terá querido ser quem sou?

Pintaria matisse a dança II

alguém leria a trilogia das barcas

«Foi assim que voltei para frança»

Para onde voltaste verdadeiramente erasmo?

Estou tanto na velhice como nestes dias

compro o meu sono em comprimidos na farmácia

juro que nunca vi a invencível explosão das folhas

e choro tudo o que passou só porque fui capaz

Eu não dispenso a morte eu quero morrer muito

levar de uma só vez aquilo que me leva

e ficar a esquecer no meu mais puro espanto

Não perguntem quem sou

neste momento em que recordo e escrevo

Alguma parte minha banha agora

o mar mediterrâneo do verão?

Farão ski em sesimbra ao fim da tarde

ou em vila do conde uma certa manhã?

E uns olhos azuis no comboio para versalhes?

E que fazer agora destas mãos

da cara que mostrar todos os anos par?

Entramos no inverno. Quantos são?

Tenho uma vasta obra publicada

e tenho a morte em preparação

in Homem de Palavra[s]
Hoje, veio-me à memória este poema de Ruy Belo (1933-1978). Sempre me causou grande impressão que o poeta associasse o inverno a um túnel. O que não deixa de ser verdadeiro.
E agora? Um pouco mais de sol, um pouco mais de azul e um pouco mais de sul. Como aqui:


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