sábado, 30 de julho de 2022

PRAIAS - PINTURA VI

Outra praia. Menos lúdica, certamente. Mas não menos importante. Uma obra de Júlio Pomar, com quase 70 anos.

Reproduzo, do site do Centro de Arte Moderna / Fundação Calouste Gulbenkian:

A preocupação do movimento neo-realista com o acesso do povo à arte levou a que certos meios artísticos, como a gravura e o mural, fossem alvo de especial atenção, já que a primeira permitia uma maior difusão devido à sua reprodução técnica e o segundo permitia uma contemplação de massas e a saída da arte dos seus circuitos tradicionais. Contudo, devido ao contexto ditatorial português, o neo-realismo teve poucas possibilidades de expressão através da pintura mural, já que esta dependia de encomendas e ficava posteriormente sujeita à censura. A tapeçaria apresentava-se, assim, como uma alternativa possível.

Nesta tapeçaria realizada em 1953 Júlio Pomar regressa ao tema do mar, presente em várias das suas pinturas e gravuras. Numa linguagem pós-cubista com afinidades com Almada Negreiros, as formas resolvem-se em volumes geométricos, de contornos nítidos e onde a cor é parte crucial na definição dos volumes e na animação geral da composição. Em primeiro plano observamos duas personagens sobre o areal, em segundo plano um barco e formas piramidais e em terceiro plano as ondas do mar. As ligar e fundir os diversos planos, encontramos elementos decorativos e rimas entre os diversos tons empregues: uma meia lua cuja cor se sintoniza com o amarelo da areia, flores ou estrelas do mar sobre a mancha de azul que desce em diagonal sobre a personagem da esquerda, o ritmo das manchas de azul a dinamizar a horizontalidade de composição.

Porém, se compararmos esta tapeçaria, por exemplo, com o óleo de 1950 Mulheres na Praia (também pertencente à colecção do CAM), apercebemo-nos que a carga dramática que permeava as suas obras anteriores é aqui substituída por um decorativismo mais ameno. Nas palavras do próprio autor, esta fase da sua produção neo-realista caíra num “lirismo complacente”, onde a “procura das soluções formais começa a sobrepor-se ao vigor do conteúdo”.* Rostos e paisagens não contêm já a mesma urgência de denúncia social e política, não obstante o alheamento da expressão facial. Todavia, entre a forma semicircular colocada sobre a personagem da esquerda e a estrela recuada no canto superior direito podemos sempre ler um símbolo político camuflado. Para quem assim o queira interpretar.

* Júlio Pomar, “A tendência para um novo realismo entre os novos pintores” in O Comércio do Porto, 22.12.1953. Texto consultado em A Arte Portuguesa nos Anos 50, Beja, Câmara Municipal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, p. 49  

Luísa Cardoso (Fevereiro de 2015)


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