domingo, 27 de dezembro de 2009

SACUDIR OS MUSEUS DO CAPOTE

A recente hipótese de passagem de alguns museus nacionais para a tutela das autarquias é, no mínimo, arrepiante. Num país ainda assombrado pelo modelo cultural de António Ferro, a tentação de entregar museus nacionais a câmaras municipais, muitas delas com escasso interesse na matéria, é não só um perigo mas pode ser também um atentado ao património cultural do país.
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Sou testemunha, a nível local, de várias peripécias do género. Muito recentemente, um eleito pelo PS na Assembleia Municipal de Moura questionava o dispêndio de dois milhões de euros na adaptação de um edifício para Museu Municipal. O argumento era/é falacioso, uma vez que estamos a falar de uma reabilitação urbana, que vai muito para além do museu em si. O aspecto preocupante é a apurada sensibilidade de pessoas assim para questões cruciais da nossa memória colectiva...
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Onde está o top menos dos museus nacionais?
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1. Museu Abade de Baçal, Bragança - 5595 visitantes
2. Museu da Guarda, Guarda - 6374 visitantes
3. Museu de Etnologia, Lisboa - 9505 visitantes
4. Museu Dr. Joaquim Manso, Nazaré - 9814 visitantes
5. Museu da Cerâmica, Caldas da Rainha - 9838 visitantes
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Poderão invocar-se mil e um motivos. Poderá a ministra da cultura invocar a sua experiência nos Açores para sugerir este modelo de transferências. De momento ficamos na dúvida. Ou a ideia foi mal explicada do ponto de vista político ou vai ficar, mais uma vez, a ideia que isto da cultura e do património é uma maçada pegada e o melhor é vermo-nos livres deste empecilho e de tão dispendioso fardo. E que dirá de tudo isto o novo director do IMC?
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Vejam, enquanto é tempo, a página web do Instituto dos Museus e da Conservação: http://www.imc-ip.pt/
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Painéis de S. Vicente - século XV (Museu Nacional de Arte Antiga)
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Um colega meu de estudos, hoje professor universitário, foi testemunha presencial do episódio que se segue, ocorrido durante a 17ª Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, em 1983:
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Um nutrido grupo de deputados visitava a exposição patente no Museu Nacional de Arte Antiga, conduzido pelo respectivo comissário, o Prof. Jorge Borges de Macedo. A atenção dada ao guia era mínima. A páginas tantas, e depois de terem passado pelos Painéis de S. Vicente, junto aos quais o meu amigo se encontrava, trava-se o seguinte diálogo:
Deputado 1 para o deputado 2 - "Isto são os painéis do quantos, pá?"
Deputado 2 - "Eh, pá, não tenho a certeza, mas aqui o [F.] deve ter ouvido o nome do gajo. Ó [F.], quem foi que pintou isto?"
Deputado 3 - "Não tenho a certeza, mas acho que foi o Gil Vicente..."
Deputados 1 e 2 (em coro) - "Ahhh, é isso."
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Eis um episódio que se poderia repetir, 26 anos depois. Quem duvida?

8 comentários:

  1. Infelizmente o Estado anda a sacudir demasiadas coisas do capote, seja para privados, seja para as autarquias. Essa desresponsabilização vai também contra a Constituição.

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  2. o museu da ceramica das caldas
    tem muitos visitantes...
    porque será ?
    9838 visitantes a visitarem
    objectos em porcelana.

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  3. Sou bastante mais a favor do contrário. A sério! Todos os Museus do Estado (municipais e nacionais) dependentes de um organismo central ou de organismos regionais (regionalização/ descentralização). Eu é que sei o quão difícil é fazer algo que seja, em termos museológicos, no Museu onde trabalho, por coincidência uma autarquia socialista... desde que entraram pra lá é o declínio total, o desinteresse total, as "ameaças" periódicas de excessos de despesas e de pessoal, porque alguma coisa tem de ser feita... o que será?
    Espero e, acredito, porque o conheço, que o novo director do IMC vai estar atento a este tipo de situações.

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  4. Caro amigo JTR

    9000 visitantes é muito pouca gente. E "essa" cerâmica não está nesse museu, mas sim noutros locais. Que devem ter muitos mais visitantes.

    Cara anónima (fiquei com a ideia de ser uma anónima e não um anónimo, peço desculpa se me enganei)
    Desconfio bastante de estruturas centralizadas.

    Há duas coisas que me parecem decisivas:
    1. Nem o Estado se pode demitir das suas obrigações;
    2. Nem pode burocratizar (ainda) mais o funcionamento das instituições.

    E também eu tenho expectativas positivas quanto ao trabalho do Prof. João Carlos Brigola.

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  5. Infelizmente, já vimos este filme com o extinto ippar: retalha-se em nome de uma pretensa racionalização de recursos a curto-prazo (até se invoca o raio do défice para o justificar) para diluir a responsabilidade do Estado, minar a sua autoridade e impedir qualquer eficaz fiscalização. E esquecem-se (ou sabem bem?) que os técnicos de Cultura nas autarquias são o gene exótico de uma estrutura que pretende implementar uma ideia de progresso que tem horror a tudo o que é antigo...
    Um grande abraço Santiago e a luta continua!

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  6. Ao contrário da opinião expressa neste artigo sobre a tutela dos museus regionais e locais, considero que é de toda a pertinência e interesse que os mesmos sejam geridos por entidades regionais ou locais como as Câmaras, CCDRs e as Direcções Regionais de Cultura. Uma parceria que pode consubstanciar-se numa empresa pública ou uma entidade afim como a Parques de Sintra - Monte da Lua com capitais da Câmara de Sintra, I.T.P., IMC e ICN.
    Este centralismo burocrático gerido pelo Palácio da AJuda (podia ser do Terreiro do Paço) é inoperante e o modelo de descentralização regional para a cultura existente na Madeira e Açores tem-se revelado bastante eficaz. E é natural. As relações de proximidade motivam as pessoas. O IMC, para além de tutelar alguns palácios e museus de interesse nacional deveria ser fundamentalmente um organismo normativo, de apoio aos museus existentes através da RPM e ao estudo, conservação e restauro de bens culturais móveis.
    José Amador

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  7. Caro José Amador

    Admito que não tenha sido claro a explicar o meu ponto de vista.

    Não rejeito, de modo algum, as vantagens da proximidade entre centros de decisão e equipamentos culturais. Tenho as maiores reservas quanto à intervenção das CCDR e das Câmaras neste domínio. Depois de mais de 20 anos a trabalhar nesta área julgo ter alguma experiência adquirida. E garanto-lhe que a gestão de museus com a dimensão dos museus nacionais não me parece nada adequada à estrutura de funcionamento das câmaras municipais.

    A Parques de Sintra, que tem um trabalho reconhecido, não tem nada a ver com gestão de colecções museológicas.

    Cumps
    SM

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  8. Parece que não fui claro: os museus com coleccções de âmbito nacional deveriam ser geridas pelo IMC. Os restantes museus com acervos de interesse regional e local é que deveriam ser geridos pelas entidades locais e, eventualmente numa fase transitória com o apoio das respectivas Direcções Regionais de Cultura.
    José Amador

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