… hopes expire of a low dishonest decade… W. H. Auden
No fim de Janeiro, Portugal, na pessoa do primeiro-ministro,
teve a honra de receber seis países do sul da Europa: a Itália, a Espanha, a
França, a Grécia, Malta e metade da ilha de Chipre. Apesar do atraso este
encontro merece alguns comentários. Primeiro, é duvidoso que Chipre e Malta se
possam apresentar ao mundo como “países”. Segundo, o que distingue os membros
deste subconjunto da União é precisamente não fazerem parte da Europa. A
Espanha não tem um papel no continente desde o século XVII, a França desde o
princípio do século XIX e o resto do grupo não existia até há muito pouco tempo
e nunca contou para nada. Todos vieram agora aqui dizer meia dúzia de piedades,
que o mundo inteiro conhece e, no fundo, como disse o inefável Tsipras,
reforçar a “solidariedade”, ou seja, convencer a Alemanha a abrir um bocadinho
mais a bolsa.
Desde o princípio que os críticos da “Europa” mostraram a
dificuldade de integrar económica, política e culturalmente num organismo único
o que se chama, por abuso vocabular, a “Europa” do sul e a “Europa” do leste. A
verdadeira Europa sempre começou na Suécia e acabou no norte de Itália e no
centro de França. Para Metternich, o Oriente começava às portas de Viena e
basta assistir ao que se passa hoje na Roménia, na Hungria e na Polónia para
lhe dar razão. Quanto ao sul, embora desejasse melancolicamente ser Europa, não
conseguiu ao fim de centenas de anos ser mais do que uma cópia primitiva e
deformada de um modelo para ela incompreensível. Basta ler Eça e, por exemplo,
Elena Ferrante. O último capítulo de Os Maias, a passagem
mais trágica da literatura portuguesa moderna (fim do século XIX) ou o Quarteto de Nápoles (princípio
do século XXI), para medir a distância que separa o norte da nossa
mediterrânica tristeza.
A “Europa” foi uma utopia que, como o nome indica, não tinha
lugar no mundo real. Neste momento, em que ela não passa de uma ruína, ou do
anúncio de uma ruína, e em que a fragilidade dos seus fundamentos é pública e
notória, convinha perceber o que sucedeu e não perder tempo com gestos vazios
para prolongar uma vida condenada, a benefício dos pobrezinhos que se tomam
pelo que não são.
Recordo-me de Vasco Pulido Valente quando, nos meus tempos de faculdade, dirigia furiosos ssssshhhhh silenciadores a alguma rapaziada mais irrequieta que frequentava a Biblioteca Nacional. A maior parte das vezes não concordo com o que escreve. O texto que reproduzo, publicado no Observador de hoje e intitulado A UTOPIA DA "EUROPA", é cirurgicamente certeiro. Menos na parte da "mediterrânica tristeza".