Fernando Gerardo de
Almeida Nunes Ribeiro (1923/2009) era “um homem da situação”. Foi deputado
(1965/1973), presidente da Câmara de Beja (1968/1972) e governador civil
(1972/1974). Proprietário agrícola e médico veterinário de profissão, o seu percurso
ficou ligado a dois momentos marcantes da história da região, no século XX: o
assassinato da militante comunista Catarina Eufémia, ocorrido numa das suas
terras em maio de 1954, e o estudo da villa
romana de Pisões. Esta faceta de competente arqueólogo amador ficou espelhada
numa publicação de 1972, editada pela comissão municipal de turismo da capital
do distrito. Fernando Nunes Ribeiro doaria depois a sua importante coleção
arqueológica ao Museu Regional. Lemos no site do museu: “em
1989, o Museu Regional de Beja reabre o seu 2º. piso com a exposição
sobre a coleção arqueológica de Fernando Nunes Ribeiro. Nela procura
traçar-se uma panorâmica da arqueologia no Distrito de Beja. Pela sua riqueza,
merecem particular destaque as coleções do Bronze do Sudoeste, da Idade do
Ferro e da Época Romana”.
O sítio de Pisões continua, mais de 50 anos volvidos sobre o início
das escavações arqueológicas, a ser uma das maiores promessas não concretizadas
da nossa região. Escavado entre 1967 e 1973, depois nos anos de 1978 e 1979,
parece ter caído, desde então, num sono profundo. A última informação no Portal
do Arqueólogo data de 2010. Houve, em 2017, uma cerimónia assinalando a reabertura
de Pisões. Não sei exatamente o que isso quis dizer, porque a estação arqueológica
continua posta em seu sossego. E a página web da Câmara de Beja informa
“encerrado temporariamente”. O sítio esteve envolvido, há um ano, numa balbúrdia
que envolveu uma empresa agrícola e a impotência do Estado – do Ministério, da
Direção Regional, da Câmara, dos cidadãos (eu que escrevo, o leitor) – em
impedir mais desmandos em torno de Pisões.
Pisões é um fracasso maior de todos nós. A culpa é de todos nós.
Repetem-se sinas antigas e falhanços antigos. Sendo um razoável conhecer do
património arqueológico da região e dos problemas que envolvem a reabilitação
de sítios, aqui deixo um curtíssimo contributo – nem um estudo de impacto, nem
a apresentação de termos de referência, nem cartas de condicionantes, nem
esboços de políticas públicas… - em torno desde extraordinário sítio. Em
concreto:
1. Pisões tem viabilidade, enquanto sítio arqueológico? Tem,
seguramente. Mas sítios assim não se compadecem com campanhas ocasionais ou
projetos de curto prazo. Sem um programa concreto de investigação – assumido
por quem queira passar 10 ou 20 anos à volta do local -, não haverá intenções,
protocolos ou iniciativas que salvem Pisões.
2. Pisões tem potencial turístico? Caímos hoje na tentação de a tudo
atribuir “potencial turístico”. Quase sempre se complementa a vaga ideia com a
frase misteriosa “aquilo dá para imensas coisas…”. A verdade é que Pisões dista
8 quilómetros de Beja: 4,5 por estrada alcatroada, 3,5 em terra batida. É
possível trazer turistas em autocarros nestas condições? Não é. Com a chuva, o
caminho fica intransitável para carros ligeiros. Não há potencial turístico que
resista a uma situação destas. Ou seja, temos um potencial que será, quando
muito, sazonal.
3. Como potenciar o sítio? A alternativa mais viável parece-me ser a
adaptação, à escala local, do que se fez em Madinat az-Zahra. O museu do sítio
não está na estação arqueológica, mas sim noutro local. A solução mais lógica é
a da ligação de Pisões ao Museu Regional. Que, estranhamente, sempre esteve à
margem do que em Pisões se foi passando. A duplicação de custos (dois
equipamentos, duas equipas de funcionários) parece-me, no mínimo, utópica.
4. Pisões pode estar aberto ao público em permanência? Não vejo porquê,
nem para quê. Há sítios que só têm condições – de recursos humanos, de acessos
etc. - para funcionamento sazonal. Assuma-se isso com clareza, e parte do
problema fica ultrapassado.
5. Eterna pergunta: que fazer? Criar condições para que uma equipa de
investigação de uma universidade assuma o estudo aprofundado de Pisões. Como
projeto principal e não como tema esporádico. Que faça do sítio programa de
trabalho. Para lá das publicações ocasionais, ou das abordagens totémicas. E
que, de uma vez por todas, apresente um plano exequível de intervenção e de
recuperação. E que deixe de lado o mumbo-jumbo
do “a culpa é de Évora e dos da Cultura etc.”.
O problema está em Beja e é em Beja que a solução tem de estar. Falta,
enfim, como em tantas coisas nesta vida, “quem se chegue à frente”. Sem um
protagonista não haverá solução, ou não fossemos nós uma sociedade de homens
providenciais… Também se pode, claro está, continuar a dizer que a culpa “é de
Évora”. É sempre mais fácil. E, localmente, rende mais.
Crónica de hoje, no "Diário do Alentejo".