terça-feira, 30 de abril de 2019

ONTEM, NA AMARELEJA

Ontem, houve assembleia municipal na Amareleja. Sei que fui profusamente citado. Agradeço a atenção. Houve, a meu respeito (raio de fixação, 555 dias depois de eu ter deixado funções!) uma nutrida quantidade de asneiras. Não é altura para abordar o tema. Ficará para depois.

No meio de tanta coisa, fico assim um bocadinho vaidoso com esta preocupação com a minha pessoa. Talvez tenham razão para se preocuparem... De resto, vou bem, muito obrigado.

Se tudo o que há é mentira,

Se tudo o que há é mentira,
É mentira tudo o que há.
De nada nada se tira,
A nada nada se dá.
Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha,
Se não é, suponho que é.
Que o grande jeito da vida
É pôr a vida com jeito.
Fana a rosa não colhida
Como a rosa posta ao peito.
Mais vale é o mais valer,
Que o resto ortigas o cobrem
E só se cumpra o dever
Para que as palavras sobrem.
Torre do Relógio (antes das obras)

ELEMENTOS - AR 4

Tenho-me lembrado muito desta ária. Gosto especialmente de Giuseppe di Stefano, um tenor dotado. Muitas vezes o seu CD das canções napolitanas me tem acompanhado. Nessun dorma? Claro que não.

Dilegua, o notte!
Tramontate, stelle!
Tramontate, stelle!
All'alba vincerò!
Vincerò! Vincerò!

Não há música sem ar e não há, seguramente ópera, sem respiração.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

MUNDO ARCAICO

Numa recente conversa com Manuela Barros Ferreira, disse-me "tens de ler o meu texto sobre rezas, que está no facebook". Li quase de seguida, pensando "tenho de aqui voltar". Transcrevo dois excertos:

Cada vez mais esquecidas andam as rezas que fora da Igreja se recitavam, acompanhando gestos de bênção ou de exorcismo. Até certo ponto, elas contrastam com as orações que na catequese, ou mesmo antes, se aprendem.


Julgo que as rezas populares estão em vias de desaparecimento. Já não há transmissão de crenças e saberes, não há camponesas tradicionais nem ranchos de filhos que tinham de ir buscar fortuna fora da escassez do povoado, mas a quem era incutida a esperança de encontrar no caminho um Ente excepcional que os ajudaria. As raras crianças que nascem no interior continuam a ir embora, mesmo sem isso. Outros tempos.

O regresso a este belo texto foi marcado pelas recordações infância. "Este rapaz está olhado", decidia a tia Ana. E ela e a avó Perpétua armavam-se com um pequeno coto com um pavio, a que puxavam fogo, mais um pires e água e azeite. A reza parecia-me infindável, eu cabeceando com sono, no meio de um palavreado indecifrável. Isto repetiu-se muitas vezes, justamente no nº. 34 da Avenida da Salúquia.

A avó Perpétua e a tia Ana já cá não estão. Já não há camponeses na família. Nunca soube que diziam. Que reza era aquela. Que palavras mágicas pronunciavam e me guareciam. As palavras perderam-se. Ficaram, para sempre, noutro tempo.

domingo, 28 de abril de 2019

O QUINTO CAVALEIRO DO APOCALIPSE

Fome
Guerra
Peste
Morte

e o Afonso, coleção primavera-verão.

A ANDALUZIA, LOGO À NOITE

É a primeira região que procuro nas noites das eleições espanholas. E sigo estas com mais atenção que quaisquer outras, fora de portas. A Andaluzia é a terra de origem da minha família. Com extensões mais a sul, mas essa é outra história...

É um Portugal um pouco mais pequeno, com 87.200 km2 e 8.400.000 habitantes. A crise tem batido forte na Andaluzia. Li, há dias, uma reportagem que deva conta do desalento que tomou conta dos andaluzes. Na região de Cádis, o desemprego disparou. E só o turismo não chega. Leio e vejo um filme conhecido. Vejo, sobretudo, a nossa realidade ao espelho.

Em 2015, foi esta a distribuição de lugares para o Congreso de Diputados:
PSOE - 22
PP - 21
PODEMOS . 10
CIUDADANOS - 8

Não é preciso ser Nuno Rogeiro para perceber que o VOX vai ter um grande resultado. Poderá surgir como a terceira força política, em termos gerais. Veremos como é na Andaluzia.

O folclórico Podemos, agora com o que resta da Izquierda Unida à mistura, vai baixar. É uma esquerda patusca, que rima com os gregos do Syriza (lembram-se que eram esses o futuro e a rotura blablabla que proclamava o Cardeal Louçã?) e com os nossos do Bloco de Esquerda. Ser treinador de bancada é fácil. Estar no terreno é outra conversa.

sábado, 27 de abril de 2019

PARA UMA VISÃO FERROVIÁRIA DA LINHA DO HORIZONTE

De 2017 para 2018.
De 2018 para 2019.
De 2019 para 2020. Ou 2021. And so on.

O mais engraçado - engraçado mesmo - nesta sequência de balelas são as visitas convictas à OVIBEJA:

Oh, sim, o interior;
Oh, claro, o cante alentejano;
Oh, sem dúvida, o Património;
Oh, pois evidentemente, o queijo e os enchidos e mais o vinho.

O candidato terá vindo de altometôra?

sexta-feira, 26 de abril de 2019

ÁGUA CASTELLO - PORTO, 1965

Água Castello a norte. A referência que me surge no bendito facebook é Autocarro AEC Regent nº 65, da STCP (Porto). Ano? 1965. A Água Castello, símbolo de Moura, chegou, e chega, aos quatro cantos do mundo. É certo que a empresa já não tem a visibilidade local de outrora. Mas continua a ser marca de Moura.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

A FESTA DO FÁBIO, PÁ

Estive ontem em Moura, para assistir ao festival de curtas-metragens organizado pela Câmara Municipal. O tema central era "A ditadura em Portugal". Respeito a decisão do júri, que premiou um filme com boa imagem e boa montagem. Com um registo que era mais etnográfico que sobre a ditadura em si.

O filme que me pareceu mais original foi o do Fábio Moreira. Era mais um clip que um filme. Uma colagem de várias filmagens. Tinha um registo algo mecanicista, é certo. Mas a imagem de África subjacente à ideia da Liberdade é interessante. Tal como era interessante - ainda que um tanto óbvia - a imagem da normalização. Filmes como este tendem ao solipcismo, mas esse é o risco em que os autores sempre incorrem.

A festa, pá... é um pouco a visão de Simeão Estilita, o anacoreta, mas essa é uma opção a que se tem direito.


quarta-feira, 24 de abril de 2019

NAÏVETÉ EDITORIAL

Ao pedir, há dias, um orçamento para um livro decidi que a edição seria em papel reciclado. Avisa-me a empresa com que costumo trabalhar "olhe que vai ficar mais caro; tem de pagar o papel e a certificação". Fico sem perceber nada, até me explicarem que tenho de pagar uma certificação extra. A qual custa umas centenas de euros. Ou seja, as boas intenções saem-me caras.

O que acabo de relatar tem lógica? Eventualmente, até tem. Não estou a ver é qual...

terça-feira, 23 de abril de 2019

EM MODO CEELO GREEN

Apesar da minha idade quase avançada, gosto de rap, de funk, de punk. No outro dia, no Tarro (Moura), era a segunda pessoa mais velha.
Gosto de tudo aquilo. E de DJ. E gosto muito de CeeLo Green.

CONVENTO DO CARMO SEM INTERESSADOS

É ofensivo ter de se ler que o convento está em saldos.

Só não percebo porque é que a autarquia desistiu de conduzir este processo. O resultado está à vista...

segunda-feira, 22 de abril de 2019

FERNÃO LOPES-GRAÇA, ESSE GRANDE MÚSICO MEDIEVAL

Há uma certa autarquia que jura que houve um Fernão Lopes-Graça. É capaz disso. Tenho ideia que compôs músicas medievais. E creio que houve também um cronista nessa época. Chamava-se Fernando Lopes, se não estou em erro. Ou estarei a fazer confusão com o Fernando Lopes, o que era cineasta? Estou baralhado, admito.

ORIENTALISMO EXÓTICO

Numa recente pesquisa em torno da pintura orientalista, dei com este The gate of the great Umayyad Mosque, pintado em 1890 pelo alemão Gustav Bauernfeind (1848-1904). A grande cúpula é a que se vê numa fotografia feita por mim há já uns bons anos.

Já falta pouco para os pintores orientalistas serem banidos. Gostavam do exótico e não deviam tê-lo feito. Pelo menos, de acordo com alguns padrões atuais... A estupidez inquisitorial vai excomungá-los de vez (querem apostar?) e atirá-los para aquele sítio belo, inodoro, incolor e insípido onde não se lêem livros da bela adormecida, onde as pessoas não se disfarçam de chineses no carnaval, onde não há pai nem mãe, mas sim progenitores 1 e 2 etc.

A tela de Gustav Bauernfeind foi vendida, há pouco mais de 10 anos, por 2.890.000 euros.


domingo, 21 de abril de 2019

DOMINGO DE PÁSCOA: RABBULA GOSPELS

É a mais antiga representação que se conhece da Ressurreição de Cristo. Está num manuscrito iluminado em siríaco, datado do século VI. Conserva-se em Florença, na Biblioteca Laurenziana.

Coisas antigas e extraordinárias.

sábado, 20 de abril de 2019

O QUE É QUE MÉRTOLA TEM?

Não podemos responder como no célebre samba de Dorival Caymmi. Porque Mértola não é nos trópicos, não há baianas e a Bahia fica a 6.500 quilómetros. Mas há outras coisas que Mértola tem? Muitas outras coisas tem. Tem o sítio e aquele esporão que olha, para quem chega pelo rio, com um trejeito arrogante e de desafio. Tem os monumentos da Antiguidade, que nasceram da riqueza das minas em volta e que deixaram marcas no território. Hoje dir-se-ia que teve investimento público. Há 1500 anos, houve o desejo de tornar o sítio ainda mais imponente. Veio a torre do rio, mais a basílica do Rossio do Carmo e todo o esplendor do oriente nos mosaicos do complexo religioso. Mértola tem um bairro islâmico, laboriosamente escavado ao longo de quatro décadas. Há aí casas com pátio e, se fecharmos os olhos, ouvimos alaúdes e o rumor das mulheres e das crianças dentro de casa. Tem uma mesquita, ou o que dela resta. Tem o nicho da oração e as portas do antigo pátio. O que dela resta é tão extraordinário, que esquecemos o que está em volta.

Mértola tem o silêncio da vila velha e o perfume das laranjeiras. Tem a cal e pequenos labirintos de muros e de quintais escondidos por detrás dos muros. Mértola tem museus? Tem. Que são a consequência e não a causa das coisas. Só os tem, porque o Património, a História e a Identidade da vila foram sendo descobertos, ao longo de muitos anos. O que estava esquecido tornou-se motivo de orgulho. A vila mostra-se, dentro e fora de portas. Porque tem graça e charme como nenhum outro sítio tem.

Não há, como no samba, panos da Costa ou sandálias enfeitadas, muito menos balangandãs. Mas há o Guadiana e há a terra firme à sua volta.

Mértola tem. Personalidade, sentimento, firmeza e coragem tem.

E tem os mertolenses, mais que tudo, isso tem.


Texto publicado na Agenda Cultural da Câmara Municipal de Mértola.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

FESTIVAL ISLÂMICO 2019

Daqui a um mês estará a terminar o Festival Islâmico de Mértola. O 10º de uma série iniciada em 2001. O programa começa a tomar forma. As expectativas são as melhores.

Site - https://www.festivalislamicodemertola.com


SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO: YO MAMA'S PIETA

Michelangelo "criou" a PietàRenee Cox tira partido disso para fazer um panfleto político.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

ÚLTIMA CEIA: GAZA

A pintura de Leonardo continua a ser usada e repetida. Génio é isso. O propósito de Last supper - Gaza, de Vivek Vilasini (n. 1964) é obviamente político. Ainda bem.

Começa a Páscoa. Quase em maio, quase no sul.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

O TEMPO QUE PARA

Passou na televisão em 1973 ou 1974 e o título não era, seguramente, este. Qual o argumento do telefilme (francês, creio...)? Os relógios param, em todo o mundo, e a Humanidade fica sem meios para ultrapassar essa dependência. Coisas tão banais como calcular o tempo de uma aula passavam a ser determinados por uma clepsidra...

Estamos dependentes, fragilmente dependentes, de coisas simples. A greve dos camionistas (expliquem-me lá, sff, como é que profissionais com aquele grau de responsabilidade recebem 600 e poucos euros por mês...) veio por a nu a fragilidade do nosso pequeno mundo.

O tempo parou. Tenho assistido a cenas impensáveis, de dias de raiva e de loucura.

Esta greve tornou (ainda mais) evidentes duas ou três coisas:

1. A enorme fragilidade da nosso complexo e sofisticado modo de vida;
2. O poder de um sindicato, que não se sabia tão poderoso. Isto é, não sabiam eles nem nós;
3. A tremenda nabice de um par de governantes, ótimos a perorar nas televisões, impantes de ciência política e de políticas públicas, mas que da vida e da política muito pouco sabem.

O conspirativo Costa ainda entrega isto ao outro...



PRÉMIO VILALVA: CERÂMICA ANTIGA DE COIMBRA

Foi hoje anunciado o vencedor do Prémio Maria Tereza e Vasco Vilalva.

Do site da Fundação Calouste Gulbenkian:

O júri do Prémio Maria Tereza e Vasco Vilalva deliberou, por unanimidade, atribuir o prémio à Reabilitação do edifício da Cerâmica Antiga de Coimbra, um projeto de coautoria da arquiteta Luisa Bebiano e do Atelier do Corvo (Carlos Antunes e Desirée Pedro). Nesta 11ª edição, foi decidido atribuir ainda uma menção honrosa ao Projeto Letreiro Galeria e outra à reabilitação e conservação da Livraria Lello.
O vencedor do Prémio candidatou-se com um plano de intervenção que “pretende mostrar uma das seculares artes de Coimbra, inserida num espaço recuperado com as melhores técnicas de restauro, mantendo-se um diálogo em aberto nos processos de projeto e fabrico artesanal com uma linguagem contemporânea de intervenção”. Foi ainda tida em consideração a dinâmica cultural do projeto.
A escolha do júri foi feita com base nos seguintes fundamentos:
  • A pertinência de uma intervenção no Terreiro da Erva, uma zona da cidade de Coimbra com sinais de degradação evidente e marcada por uma certa marginalidade;
  • O caráter personalizado e familiar do projeto, que merece ser destacado quando inserido numa sociedade marcada pela lógica das grandes corporações;
  • A relevância cultural da fábrica, com uma prática continuada de recuperação de saberes que não está, nem pode estar, desligada da sustentabilidade económica do projeto;
  • O mérito da recuperação de um edifício que esteve prestes a ser demolido;
  • O facto de se tratar de um work in progress, em constante melhoria e projetado para o futuro.
Em suma, o júri quis dar destaque à excecionalidade – de localização, de programa, de forma de concretizar – do projeto de reabilitação do edifício da Cerâmica Antiga de Coimbra e à sua escala humana, esperando que este possa servir de exemplo a outras localidades.
A Cerâmica Antiga de Coimbra tem um espaço de restauração aberto desde março de 2018 e a olaria em plena laboração desde setembro de 2018.
O júri, constituído por António Lamas, Raquel Henriques da Silva, Gonçalo Byrne, Santiago Macias, Luís Paulo Ribeiro e Rui Vieira Nery, deliberou atribuir ainda as seguintes menções honrosas:
Projeto Letreiro Galeria, que se tem afirmado na recolha, conservação e estudo dos letreiros impressos e luminosos, tabuletas, guarda-ventos com letterings e outros grafismos comerciais, fundamentais para a preservação da memória do espaço urbano lisboeta, a sua evolução ao longo dos tempos e para o conhecimento da história das artes gráficas, do design e das indústrias criativas em Portugal. Este projeto tem planeada a instalação de um “armazém expositivo”, que deverá contribuir para uma maior consciência coletiva da riqueza e necessidade de preservação deste património.
A reabilitação e conservação da Livraria Lello, estabelecida em 1906, que associa a requalificação do espaço arquitetónico com a revitalização e expansão da sua função como espaço de Cultura. A intervenção obedeceu a padrões exemplares de respeito pela conceção, técnicas e materiais originais, assegurando quer a reposição de elementos da traça inicial entretanto alterados, quer a documentação detalhada e a reversibilidade da presente intervenção. À recuperação do espaço foi associada uma estratégia de reforço da sua vertente cultural, com vista à promoção do Livro e da Leitura, dos autores portugueses, da tradução de qualidade de e para o português e da ligação entre a Literatura e as Artes.

terça-feira, 16 de abril de 2019

RICARDO CHIBANGA (1942-2019)

Recordo-me de o ver tourear em Moura, no início dos anos 70. As corridas eram sempre mistas, inevitavelmente com a dupla rival José Mestre Batista-Luís Miguel da Veiga e depois ou Ricardo Chibanga ou Mário Coelho ou outros cujos nomes já não recordo. Chibanga passou pelas maiores praças do mundo e conseguiu assinaláveis sucessos. Fica para a História com um bom toureiro e ganha ainda o galardão do único matador africano.

No dia em que nos deixou, recordo alguém que lutou até ao fim pela Festa e que sempre nela acreditou.

MOURA NO BLOOM CONSULTING

Não ligo especialmente a estes rankings. Muito menos a um, muito carnavalesco, que resultou de um "estudo" promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Ainda assim, gostaria de recordar que, em 2014, Moura ocupava o 11º lugar deste ranking. E agora está em 19º.

Ver aqui - https://avenidadasaluquia34.blogspot.com/2014/02/viver-moura.html

segunda-feira, 15 de abril de 2019

AS BIBLIOTECAS DE CHINGUETTI

Cidade das bibliotecas? Sim. Tem 4.000 habitantes e fica a 2.050 quilómetros de Lisboa. Está 400 quilómetros a oriente do Atlântico. Perto da orla do deserto, guardam-se mais de 6.000 livros. Alguns deles datam do século IX. Portugal estava ainda longe de existir.

Ver - https://www.efe.com/efe/english/life/mauritanian-manuscripts-preserved-through-digital-technology/50000263-3173402


A secura do deserto preserva manuscritos. E inspira palavras como estas:

La nuit et le silence tombent ensuite sur le désert transfiguré. Pour un court moment encore, quelque chose dans ces solitudes espère l’impossible, le miracle continué : des fontaines muettes coulent dans le sable et une  herbe invisible s’emplit d’insectes heureux. La paix va triompher, le rat dormir près du serpent, le tendre lynx renoncer au meurtre, l’Eden enfin agitera les branches de ses grands arbres au-dessus des prairies grasses où dorment des fauves innocents. Le matin peut ensuite se lever sur les collines inchangées et les vallées désolées, la chasse implacable commencer. Le soleil de midi peut monter à son aplomb, recroqueviller les fleurs pour les brûler, et tuer la vie et l’espoir sur l’immense étendue. Le souvenir au moins demeure de la fraîcheur et de la beauté. Il sera obscurci par le vent qui, de nouveau, recouvrira plantes et animaux d’une cendre de sable.

domingo, 14 de abril de 2019

IDADE DO FERRO DENTRO

Não foi bem turismo por terras de Almodôvar. Foi um regresso a sítios sobejamente conhecidos. No silêncio do meio-dia. Com o calor à nossa volta. Das estelas do Museu da Escrita do Sudoeste passámos ao povoado de Mesas do Castelinho. O enigma dos textos que ainda ninguém conseguiu ler. O fascínio dos sítios perdidos no meio da serra, entre os penhascos e a exploração dos metais. Uma civilização no fim do mundo. O concelho de Moura faz parte desse mundo.

De António Ramos Rosa:
Escuto na palavra a festa do silêncio. 
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se. 
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas. 
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas. 
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma. 

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia, 
o ar prolonga. A brancura é o caminho. 
Surpresa e não surpresa: a simples respiração. 
Relações, variações, nada mais. Nada se cria. 
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça. 

Nada é inacessível no silêncio ou no poema. 
É aqui a abóbada transparente, o vento principia. 
No centro do dia há uma fonte de água clara. 
Se digo árvore a árvore em mim respira. 
Vivo na delícia nua da inocência aberta.


sábado, 13 de abril de 2019

FEIRA DAS BIBLIOTECAS, EM MOURA

Uma luminosa penumbra, na Biblioteca Municipal de Moura. As bibliotecas são uma realidade no panorama cultural das autarquias. Uma revolução, iniciada por Teresa Patrício Gouveia, em 1986, e que rapidamente alterou a vida do nosso País. Moura foi dos primeiros municípios a integrar este programa. Um processos com solavancos, avanços e recuos.

Ontem, um inovador projeto da CIMBAL, idealizado pelos bibliotecários das 13 câmaras municipais, foi apresentado em Moura. Foi bom regressar aquela biblioteca. Porque é sempre bom regressar a Moura.

Um excelente momento de poesia - a cargo de Cristina Paiva e de Fernando Ladeira - não só encerrou a sessão como me deu uma pista de trabalho.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

GPS

Recentes incidentes com aviões - nomeadamente os problemas com um modelo recente, o Boeing 737 Max - levaram um piloto a desabafar "daqui a pouco nem precisamos de olhar pelas janelas do cockpit". O software domina. É assunto de que não tenho conhecimentos, mas a dependência das máquinas, e a incapacidade de pensar sem máquinas, torna-se assustadora.

Ontem saí tarde e já só pude ver a segunda parte do Benfica-Eintracht Frankfurt. Apanhei um táxi daqueles alternativos. A jovem motorista toma um caminho estranho. Sugeri "é melhor ir direito ao Alto dos Moinhos; é mais direto e fico nas traseiras do estádio, onde há menos trânsito a esta hora". Olhou-me intrigada "guio-me pelo GPS... isso fica onde?". Incrédulo, dei duas indicações "vai ao Santa Maria, depois pela Avenida Lusíada". Aí sim, "acordou". Mas continuou sempre a olhar o GPS.

O jogo correu muito melhor do que esperava. Valha-nos S. João Félix.


DE AMR A IBN TULUN

Ao escrever um curto texto, dei com esta passagem de uma obra de Alexandre Herculano: das almádenas de seiscentas mesquitas não soa uma única voz de almuadem, e os sinos das igrejas moçárabes guardam também silêncio. Às ruas, as praças, os azoques ou mercados estão desertos. Somente o murmúrio das novecentas fontes ou banhos públicos, destinados às abluções dos crentes, ajuda o zumbido noturno da sumptuosa rival de Bagdad. Escrevia ele sobre Córdova, mas poderia ser qualquer outro sítio oriental a ocidente. E estava dado o mote para o que eu queria fazer.
À procura de imagens sobre mesquitas, encontrei um trabalho - mais um ! - de Jean-Léon Gérôme (1824–1904), sobre a mesquita de Amr, no Cairo. A tela data de 1870 e está hoje no Met, em Nova Iorque. O que me chamou a atenção foi o sistema de travejamento, muito semelhante ao da mesquita de Ibn Tulun. De uma a outra vão 2600 metros. Estive em Ibn Tulun, mas não em Amr.


quinta-feira, 11 de abril de 2019

LISBOA ROMANA ACIMA

Passagem vespertina pelo Teatro Romano. Arranca o projeto Lisboa Romana. Passa-me ao lado, tecnicamente falando. Mas nele participa um conjunto de colegas e de amigos por quem tenho grande consideração e respeito. O programa é amplo e prolonga-se por vários anos. Irei acompanhando, com todo o entusiasmo.

Do telhado da Sé vê-se o teatro. A ideia da cidade-matrioska ganha daqui ainda mais sentido. Sobreposições e mais sobreposições. Olhamos para baixo. A cidade islâmica está a 10 metros. A Idade do Ferro a uns 15. A topografia medieval não existe refletida nos dias de hoje. Por muito que gostemos de imaginar que sim.



CRÓNICAS OLISIPONENSES - XXVIII

Crónica nº. 28, sobre o elétrico 28. Este, só por si, é uma mina.

12:20 - paragem 10514 (Chiado). Enquanto verifico o tempo de espera no telemóvel, um grupo de catalães discute animadamente, atrás de mim, se estão no sítio certo. Uma senhora do grupo dirige-se-me "sorry, sir, is this the traway stop?". HOLY SHIT! Uma catalã a falar comigo em línguas bárbaras... Olho-a com um ar ausente, como se não tivesse percebido um único som. A senhora repete em castelhano "es aquí la parada del tranvía?". Sorrindo largamente, aponto o chão "aqui mesmo". A senhora sorri também e agradece "obrrrigado". Tive vontade de lhe responder "you're most welcome", mas decidi portar-me bem.

Nota final - se há coisa que detesto é ibéricos armados em cães com pulgas.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

A TERRA É PLANA!

O facebook tem de tudo um pouco: informações úteis e a mais perfeita vulgaridade; páginas interessantes e as coisas mais rascas que possamos imaginar.

E tem as humorísticas. De entre estas, uma das melhores é a TERRA PLANA. Porque pretende ser séria. Os argumentos merecem, e caso o tempo sobre e só nessa circunstância, ser lidos. A Terra é plana? Claro que sim. A Helvécia também era plana. Como Obélix descobriu. O grau de rigor científico é o mesmo.

Ver:
https://www.facebook.com/TerraPlanaTP/


terça-feira, 9 de abril de 2019

UMA TARDE EXTRAVAGANTE

- Vais ao Festival do Peixe do Rio?
E eu, firmíssimo, de certeza que não! Tenho coisas para fazer.
Às 12:30 recebo sms "vem cá tocar o Joaquim Simões". Às 13.20 estava no Pomarão, de certeza que não ía lá.
Eram os Extravagante. E foi uma magnífica tarde, com eles, com muita gente de Mértola que pouco tenho visto, com o Chola e com o Vivaldo. E com um grupo de mourenses, acolhidos pela hospitalidade dos amigos Sinfrónio. Também por lá passei, encerrando uma tarde extravagante.

O grupo está em grande forma. São velhos amigos, que se conhecem há anos. E que conhecem bem as raízes do Povo.

Na próxima vez que me perguntarem se vou ao peixe do rio ou à feira do queijo, também responderei de certeza que não. Firmíssimo. Para depois ir. Como sempre.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

O TEMPLO GREGO DA BARBOSA DU BOCAGE

É uma "tradição" antiga. As grandes empresas mimetizam os templos da Antiguidade. Um dos mais ostensivos, em tempos recentes, é o da sede do Metropolitano de Lisboa, na Av. Barbosa du Bocage. Está lá tudo. O frontão, as colunas, a arquitrave, o jogo de métopas e triglifos. O resultado final não me parece muito convincente. Fica, pelo menos, a homenagem à arquitetura clássica. 


domingo, 7 de abril de 2019

TODO O ENCANTO QUE O FASCISMO TEVE

À procura de elementos para um texto em construção, vou encontrar, a propósito da figura do Prof. Eduardo Lourenço, esta pérola, da mais genuína colheita wikipedia:

"Em 1940, estudante na Universidade de Coimbra, encontra aí um ambiente aberto e propício à reflexão cultural que sempre haveria de prosseguir".

Sem dúvida. Aquilo que nos ocorre, quando pensamos em Coimbra nos anos 40 do século XX, é a existência de "um ambiente aberto e propício à reflexão cultural". Aqui fica a imagem de Oliveira Salazar, catedrático de Coimbra, e grande promotor do ambiente aberto e da reflexão cultural. Dentro de dias, publicarei fotografias de outros promotores do ambiente aberto: de Agostinho Lourenço (diretor à época de Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado) e de Álvaro Salvação Barreto (responsável pela Censura).

A wikipedia é uma fonte útil de faits-divers. E é também fonte da mais genuína ignorância.

ELEMENTOS - AR 3

Não é exatamente arquitetura-ar, mas é o calor que está na base destas engenhosas torres de ventilação. O uso do ar em climas quentes foi o tema de uma aula prática que tive, há anos, em São Tomé. Um arquiteto explicava-me, com detalhe, como aquela escola primária da era colonial estava bem construída. Elevada sobre uma caixa de ar, e orientada de forma a colher a brisa, dispensava sistemas artificiais de refrigeração. Recordo bem as janelas, feitas com placas de vidro reguláveis. Corria uma aragem suave. A humidade do Equador suportava-se bem. Ao lado, havia um anexo. Uma construção nova, com ar condicionado. O frio artificial incomodava e a máquina fazia um ruído asmático. Tirar partido dos elementos é decisivo. Mais ainda quando o clima coloca desafios.

Torres de ventilação em Yazd (Irão)

sábado, 6 de abril de 2019

A PERSPETIVA DAS COISAS

Fui, há dias, surpreendido com uma chamada de atenção sobre questões de perspetiva (e o seu "descentramento") e enquadramento num filme. O filme é irrelevante, já a discussão o não foi. Em sábado de ir ao Pomarão, aqui ficam coisas que têm a ver com a conversa:

Gérard Castello Lopes

Orson Welles - The magnificent Ambersons

Francesco Guardi,
e o mestre da perspetiva:

A SAUDADE DE PEDRA DE JORGE GUERRA

A ida à inauguração da exposição de Jorge Guerra, no Arquivo Fotográfico, deixou-me a certeza de ser necessário o regresso. Uma grande exposição, de um autor não muito conhecido em Portugal.

A dado ponto leio, no texto Corpos urbanos, de Jorge Calado, o seguinte: "A Lisboa de "Saudade de pedra" é uma metrópole velha, cansada e triste (o que nada tem a ver com a pobreza). Como Jorge Guerra afirmou alhures, "o México pode ser pobre, mas não é triste"; os portugueses, porém, são por natureza macambúzios. É o povo que define o país, não a geografia". Esta passagem levou-me, em linha reta, à recordação de uma fotografia de David George, na Feira de Sevilha de 1967. Ou seja, na mesma altura em que Jorge Guerra deambulava por Lisboa. Que contraste tão flagrante entre o esfuziante baile flamenco do jovem cigano e a tristeza resignada do miúdo alfacinha.



Fotografia de David George (1938-2003), na Feira de Sevilha de 1967.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

QUINTA COLUNA Nº. 2: PISÕES

Fernando Gerardo de Almeida Nunes Ribeiro (1923/2009) era “um homem da situação”. Foi deputado (1965/1973), presidente da Câmara de Beja (1968/1972) e governador civil (1972/1974). Proprietário agrícola e médico veterinário de profissão, o seu percurso ficou ligado a dois momentos marcantes da história da região, no século XX: o assassinato da militante comunista Catarina Eufémia, ocorrido numa das suas terras em maio de 1954, e o estudo da villa romana de Pisões. Esta faceta de competente arqueólogo amador ficou espelhada numa publicação de 1972, editada pela comissão municipal de turismo da capital do distrito. Fernando Nunes Ribeiro doaria depois a sua importante coleção arqueológica ao Museu Regional. Lemos no site do museu: “em 1989, o Museu Regional de Beja reabre o seu 2º. piso com a exposição sobre  a coleção arqueológica de Fernando Nunes Ribeiro. Nela procura traçar-se uma panorâmica da arqueologia no Distrito de Beja. Pela sua riqueza, merecem particular destaque as coleções do Bronze do Sudoeste, da Idade do Ferro e da Época Romana”.

O sítio de Pisões continua, mais de 50 anos volvidos sobre o início das escavações arqueológicas, a ser uma das maiores promessas não concretizadas da nossa região. Escavado entre 1967 e 1973, depois nos anos de 1978 e 1979, parece ter caído, desde então, num sono profundo. A última informação no Portal do Arqueólogo data de 2010. Houve, em 2017, uma cerimónia assinalando a reabertura de Pisões. Não sei exatamente o que isso quis dizer, porque a estação arqueológica continua posta em seu sossego. E a página web da Câmara de Beja informa “encerrado temporariamente”. O sítio esteve envolvido, há um ano, numa balbúrdia que envolveu uma empresa agrícola e a impotência do Estado – do Ministério, da Direção Regional, da Câmara, dos cidadãos (eu que escrevo, o leitor) – em impedir mais desmandos em torno de Pisões.

Pisões é um fracasso maior de todos nós. A culpa é de todos nós. Repetem-se sinas antigas e falhanços antigos. Sendo um razoável conhecer do património arqueológico da região e dos problemas que envolvem a reabilitação de sítios, aqui deixo um curtíssimo contributo – nem um estudo de impacto, nem a apresentação de termos de referência, nem cartas de condicionantes, nem esboços de políticas públicas… - em torno desde extraordinário sítio. Em concreto:

1. Pisões tem viabilidade, enquanto sítio arqueológico? Tem, seguramente. Mas sítios assim não se compadecem com campanhas ocasionais ou projetos de curto prazo. Sem um programa concreto de investigação – assumido por quem queira passar 10 ou 20 anos à volta do local -, não haverá intenções, protocolos ou iniciativas que salvem Pisões.

2. Pisões tem potencial turístico? Caímos hoje na tentação de a tudo atribuir “potencial turístico”. Quase sempre se complementa a vaga ideia com a frase misteriosa “aquilo dá para imensas coisas…”. A verdade é que Pisões dista 8 quilómetros de Beja: 4,5 por estrada alcatroada, 3,5 em terra batida. É possível trazer turistas em autocarros nestas condições? Não é. Com a chuva, o caminho fica intransitável para carros ligeiros. Não há potencial turístico que resista a uma situação destas. Ou seja, temos um potencial que será, quando muito, sazonal.

3. Como potenciar o sítio? A alternativa mais viável parece-me ser a adaptação, à escala local, do que se fez em Madinat az-Zahra. O museu do sítio não está na estação arqueológica, mas sim noutro local. A solução mais lógica é a da ligação de Pisões ao Museu Regional. Que, estranhamente, sempre esteve à margem do que em Pisões se foi passando. A duplicação de custos (dois equipamentos, duas equipas de funcionários) parece-me, no mínimo, utópica.

4. Pisões pode estar aberto ao público em permanência? Não vejo porquê, nem para quê. Há sítios que só têm condições – de recursos humanos, de acessos etc. - para funcionamento sazonal. Assuma-se isso com clareza, e parte do problema fica ultrapassado.

5. Eterna pergunta: que fazer? Criar condições para que uma equipa de investigação de uma universidade assuma o estudo aprofundado de Pisões. Como projeto principal e não como tema esporádico. Que faça do sítio programa de trabalho. Para lá das publicações ocasionais, ou das abordagens totémicas. E que, de uma vez por todas, apresente um plano exequível de intervenção e de recuperação. E que deixe de lado o mumbo-jumbo do “a culpa é de Évora e dos da Cultura etc.”.

O problema está em Beja e é em Beja que a solução tem de estar. Falta, enfim, como em tantas coisas nesta vida, “quem se chegue à frente”. Sem um protagonista não haverá solução, ou não fossemos nós uma sociedade de homens providenciais… Também se pode, claro está, continuar a dizer que a culpa “é de Évora”. É sempre mais fácil. E, localmente, rende mais.


Crónica de hoje, no "Diário do Alentejo".