quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ARQUEOLOGIA MEDIEVAL - nº 12


Como diria um amigo meu, a Arqueologia Medieval é uma revista católica, "sai quando Deus quer". Sobre as caraterísticas da revista e sobre o seu estilo já disse o que tinha a dizer, em vários locais e de várias formas. É tema a que não tornarei.

Coordeno-a (neste caso juntamente com Susana Gómez Martínez) desde o início, em 1992. É tarefa importante no meio das várias atividades e dos vários interesses - não remunerados, hélas - que me movem. Alguém (me) comentou, sibilinamente, "quem faz muitas coisas, não faz nenhuma bem". Estou certo, apesar de tudo, que a revistinha não está no lote dos meus insucessos.

Aqui fica o índice do nº 12:

Problemáticas e novos contributos em torno da cerâmica - Grupo CIGA (Grupo de Trabalho Cerâmica Islâmica do Gharb al-Andalus)
Cerâmicas islâmicas da Marca Inferior em território português  - Helena Catarino e Constança Guimarães dos Santos
Cerâmicas altomedievais do castelo de Trancoso - uma primeira abordagem -  Maria do Céu Ferreira, João Carlos Lobão e Helena Catarino
A cerâmica de Qundayixa: dados para uma reapreciação cronológica - Adriaan de Man
Trabalhos arqueológicos no projeto de recuperação do Paço da Ega (2207-2009) - Ana Lima Revez
Em torno da cerâmica pintada a branco. Uma proposta de diacronia pós-islâmica na Santarém Medieval - Helena Santos e Marco Liberato
A cerâmica islâmica nas regiões de Lisboa e Setúbal - Jacinta Bugalhão e Isabel Cristina Fernandes
A cerâmica verde e manganés do castelo de Sintra - Catarina Coelho
A cerâmica islâmica no Alentejo - Susana Gómez Martínez, Mathieu Grangé e Gonçalo Lopes
Cerâmicas islâmicas do castelo de Montemor-o-Novo - Manuela Pereira
Cerámicas islámicas de Almonaster la Real y Aracena (Huelva) -  E. Romero Bomba, T. Rivera Jiménez e J.A. Pérez Macías
A cerâmica islâmica do Algarve - Helena Catarino, Isabel Inácio, Maria José Gonçalves, Sandra Cavaco e Jaquelina Covaneiro
O Barlavento Algarvio - Maria José Gonçalves
Formas de cerâmica almóada provenientes do Convento da Graça (Tavira) - Tânia Dinis, Jaquelina Covaneiro e Sandra Cavaco
Cerâmica almóada proveniente de uma habitação no arrabalde de Silves. Contributo para o conhecimento da cultura material almóada - Inês Simão
A importância dos objetos para a leitura do passado. A chamada Mão de Fátima na cerâmica do al-Andalus. O olhar do antropólogo - Luís Maçarico
Estéticas em trânsito: a partilha do ornamento da cerâmica do Gharb al-Andalus com outros artefactos - Franklin Pereira
A sepultura medieval do Alto da Quintinha (Mangualde) - Pedro Pina Nóbrega, Filipa Neto e Catarina Tente
A economia alimentar dos muçulmanos e dos cristãos do castelo de Palmela: um contributo - João Luís Cardoso e Isabel Cristina Fernandes
Análise arqueológica e antropológica na necrópole islâmica de Beja - Miguel Serra
Les mozarabes du Gharb al-Andalus. Du IXe au XIIe siècle - Jean-Pierre Molénat
L'architecture funéraire de Fès. Etude préliminaire d'une rawda anonyme - Bulle Tuil
A reconstituição do claustro medieval do Mosteiro de Santa Maria de Celas, em Coimbra - Francisco Teixeira
Uma leitura do painel "Santiago aos Mouros" do Museu de Arte Sacra de Mértola: a equitação medieval e os artefactos da guerra a cavalo - Franklin Pereira
Para un estudio sobre el modo de vida rural de la comunidad aldeana de Mértola - Agustin Ortega Esquinca

Tudo sobre a "Arqueologia Medieval" em:
http://www.camertola.pt/topics/Revista%20Arqueologia%20Medieval

terça-feira, 30 de outubro de 2012

REIS, SEMPRE! BARÕES, NUNCA!

É uma das mais extraordinárias marcas da Pátria. Mais de um século depois da implantação da República as casas de comidas nobilitam-se monarquicamente. Todos os estabelecimentos que querem ganhar uma certa distinção são Reis de qualquer coisa: dos leitões, das enguias, dos frangos, das bifanas, dos cachorros etc. Só há reis, que com estas coisas não vale a pena baixar a fasquia. Ou seja, escusamos de procurar o Visconde dos Pastéis de Nata ou o Marquês das Açordas.

Eis uma marca da portugalidade (que se contagiou ao Brasil). Ou da latinidade, que em castelhano também se arranja qualquer coisita. Não vale, porém, a pena procurar o Le Roi du Foie-Gras ou o King of Fish and Chips. Não existem tais coisas...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ALFARJE

Joalharia? Sim, na prática é disso que falamos quando falamos dos tetos de alfarje. Finas esculturas em madeira, de desenho geométrico traçado com rigor - a matemática pode ser bela - e depois colorido, cujas raízes mergulham na arte islâmica. Técnicas de entalhe que passaram de sul para norte, que viajaram pelo domínio moçárabe e que passaram à Madeira. Temos alguns exemplares do maior interesse no nosso País: o núcleo da Beira Alta, a igreja de Dois Portos e o excecional conjunto da ilha da Madeira. Há tetos destes na Calheta, na Ponta do Sol e no Funchal, onde se encontra a mais bela Sé de Portugal.




O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó---óóóóóó óóó---óóóóóóó óóóóóóóó

(O vento lá fora.)

Álvaro de Campos, 15-1-1928

domingo, 28 de outubro de 2012

É PARA JANTAR?

Ainda no rescaldo do jantar dos ex-alunos de História da Arte...

De todas as perguntas absurdas esta é a minha preferida. Entramos num restaurante. Um dos funcionários aproxima-se e pergunta "é para jantar?". Dá-me sempre vontade de responder "claro que não, viémos jogar ping-pong".

Tenho tido vários equívocos em restaurantes. Um dos mais divertidos aconteceu, no princípio deste ano, em Sousel. Levámos, toda a refeição, a falar de taxas de execução, de financiamentos e de programações. Os temas da conversa andavam em torno dos projetos apresentados pela Câmara de Moura ao INALENTEJO. No final, e apesar de várias vezes ter dito que não, que não precisava de fatura, o dono do restaurante colocou três faturas, rigorosamente preenchidas, à frente de cada um de nós. E despediu-se, num multiplicidade de salamaleques.

Que se passara? De traje formal (fato e gravata), e ajoujado com uma pasta carregada de papéis, tinha sido confundido com alguém da administração fiscal. Acreditem que fiquei com pena do senhor...

sábado, 27 de outubro de 2012

IT'S THE ARTS...

Outra vez as Artes. Ou, melhor, os pré-velhadas da História da Arte. Os do curso 1981-85 continuam(os) a ser os mais renitentes. Sempre assim foi. Éramos 4 no último encontro. Acho que agora vamos ser 5...

Vamos ter crise ao jantar. Vamos ter desilusões como sobremesa. As nossas vidas estão como aquelas telas de Lucio Fontana (1899-1968), que primeiro eram pintadas em tons festivos, depois cortadas com um objeto cortante.

O meu professor de Arte Contemporânea nunca me perdoaria este "uso" das obras de Fontana. Mas ele é que era o entusiasta, não eu.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

MR. MACEDO, I'M READY FOR MY CLOSE-UP!

O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, admitiu ontem que poderá autorizar as forças de segurança a utilizarem câmaras de filmar portáteis em futuras manifestação, sempre que haja informação policial que o justifique. (no site do DN)

Pelas minhas contas, e se bem conheço as mulheres, isto vai dar direito a cuidados redobrados na preparação para as manifs. É uma vantagem. As manifs passam a ter glamour e um certo toque de classe.

Cineasta da PSP aguardando a passagem da horda da CGTP 

Manifestante comodevedeser

LIMONADOVY JOE ANEB KONSKA OPERA

Na realidade é Limonádový Joe aneb Konská opera. Só que não sei como é que se fazem aquelas sinalefas em checo. São os azares de não saber checo... Na verdade sei que koniec quer dizer fim porque era essa a palavra que aparecia no fim dos filmes de animação que Vasco Granja apresentava aos sábados à tarde.




Joe Lemonade passou, há muitíssimos anos (1976? 1977?), na televisão portuguesa. É uma genial paródia aos filmes de cowboys. Na altura achei estranha a ideia de um filme checo dedicado ao tema. Isto foi antes de começar a rir na primeira cena e só parar no fim. É daquelas obras que fica na retina de um adolescente. É daqueles filmes que gostaria de rever.

Este filme, rodado por Oldřich Lipský (1924-1986) em 1964, é a escolha cinéfila da semana.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O SINGULAR USO DO SINGULAR


O senhor da sapataria aprovou a minha escolha "esse é já um sapato muito bom". Vi-me a sair da sapataria ao pé coxinho, só com um sapato. Pagando metade, em princípio.

Ao trocar de lentes - a minha miopia não é, ó desgraça!, reacionária - a senhora da loja aconselhou-me "tente esta armação; sempre é um óculo diferente". Agradeci, mas continuei, conservador, fiel ao estilo de sempre.

No pronto-a-vestir, a empregada desfez a dúvida "sim, essa calça tem 30% de desconto".

Ao passar pelo bar do terminal de Sete Rios a moça diz-me "de xóriço já não há; pode ser uma sande de queijo?".

Gosto imenso do singular. O singular é portuguesíssimo. Encostei-me à manjedoura do bar, comendo a sande e polindo (como a mãe de Rodchenko) o óculo. E espreitando o saco, para confirmar que a calça tinha sido boa compra. Só não entrei para o expresso ao pé coxinho, usando o sapato, porque as pessoas iam pensar que não regulo bem.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

JOOS VAN CLEVE E PÃES DE AÇÚCAR


As pinturas serão, ou não, de Joos Van Cleeve ou de Jan Provoost. Os especialistas debatem o tema e encontram atribuições às quais atribuem, eles próprios, nomes criativos. Como Mestre da Adoração de Machico, que é designação pouco vulgar.

O que não é vulgar é o núcleo de pintura flamenga do Museu do Funchal. O açúcar fez a riqueza da ilha e criou uma classe social que transformou parte dessa riqueza em encomendas de obras de arte. A arquitetura vernacular é discreta e o contraste com o luxuriante interior das igrejas lembra o início de um filme de Orson Welles: against so home-spun a background, the magnificence of the Ambersons was as conspicuous as a brass band at a funeral.

Bendito açúcar.
 

Formas de pães de açúcar, descobertas numa escavação arqueológica na Madeira. Como se sabe, mas nunca é demais recordar, foram essas formas que deram o nome a uma certa formação geológica numa certa cidade do Hemisfério Sul.


Sobre o Museu do Funchal:
http://www.museuartesacrafunchal.org/homepage.html

Sobre arqueologia moderna na Madeira:
http://ceam.pt/

terça-feira, 23 de outubro de 2012

CHUVA & GUARDA-CHUVA


Hoje a chuva parou. Parece que retoma amanhã. A escavação parada será o menor dos males. Até porque a chuva faz falta. Ganhe-se balanço para dias (ainda mais) difíceis, com a ajuda de As férias de Hegel, de Magritte, pintado em 1958, e com a doce Gigliola Cinquetti, que ganhou o Festival de San Remo, com este La pioggia, em 1969. Ah, e com Cecília Meireles. É uma repetição, mas não faz mal...

A chuva chove mansamente... como um sono
Que tranqüilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine...
. 
E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono...
Véspera triste como a noite, que envenene
A alma, evocando coisas líricas de outono ...
. 
... Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha...
Paço de imensos corredores espectrais,
 
. 
Onde murmurem, velhos órgãos, árias mortas,
Enquanto o vento, estrepitando pelas portas,

Revira in-fólios, cancioneiros e missais...

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

FIDEL CASTRO


Voltaram a "matar" Fidel Castro. Há uns anos até tivémos direito a uma explicação feita na tv por um médico, que mostrava um diagrama das artérias do cérebro e garantia por a + b que o revolucionário cubano estava morto. Não garanto que a receita da longevidade esteja na fotografia, mas também não posso garantir o contrário. Entretanto, a direita americana vomita ódio sobre Cuba e tenta, de tempos a tempos, acabar com Castro. Um dia destes ainda acertam...

X CICMM

Começa hoje, em Silves, o X CICMM. Ou seja, a 10ª edição do Congresso Internacional de Cerâmica Medieval no Mediterrâneo. É uma iniciativa do maior interesse científico, que remonta a um já mítico colóquio, que teve lugar em Valbonne, em 1978.

Fiz parte da Comissão Organizadora da 4ª edição (Lisboa - 1987) e participei na seguinte, em Rabat (1991). Há muito que me afastei destes domínios enquanto tema de investigação, mas continuo a seguir com todo o interesse os resultados dos trabalhos em curso.

A organização de um evento destes (v. programa aqui) implica a mobilização de muita gente, mas permito-me destacar aqui o empenho de duas colegas e amigas: a Maria José Gonçalves, em Silves, e a Susana Gómez-Martínez, em Mértola.

domingo, 21 de outubro de 2012

GUARDA-CHUVA & CHUVA


Parece que hoje vai estar de chuva.

Tenho uma péssima relação com os guarda-chuva. São inumeráveis os guarda-chuva que perdi. Lembrei-me disso, na sexta-feira, ao ter de fazer marcha-atrás para ir buscar o que deixara na biblioteca da Academia das Ciências. Não me fazia falta nenhuma, porque não choveu. A desgraça começa aí. Ando sempre de guarda-chuva em dias em que a previsão falha. A inversa ainda é mais verdadeira. Saio de casa, na Salúquia, e olho para o céu. Decido "não vai chover". Quando passo no Largo de S. Francisco começam a cair umas pingas. Em frente ao tribunal já chove. A partir da Rua de Serpa e até à Câmara a bátega é furiosa. Tenho de pedir que me levem a casa para ir trocar de roupa. Onde ouço a pergunta de sempre "porque não esperaste que escampasse?". Nunca espero, porque não tenho paciência para tal. 

O mal deve ser de família. Na noite do terramoto (28.2.1969) o João não encontrava a chave de casa. Andou escada acima escada abaixo à procura da chave com o guarda-chuva aberto - deixara-o assim à entrada e chocara nele com a aflição - até conseguirmos sair.

Já agora, e antes que alguém pergunte, o verbo escampar existe mesmo. Mas só o tenho ouvido no Alentejo.

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

A fotografia, de André Kertész, e o poema, de João Cabral de Mello Neto, têm os tais artefactos malditos.

sábado, 20 de outubro de 2012

A POESIA NÃO VAI ACABAR


Quase sinto vergonha de nunca ter aqui transcrito nenhum poema de Manuel António Pina. Copiei uma das suas crónicas, onde, sem dó nem piedade, fustigava o atual PM (a ainda a procissão ía no adro - v. aqui).

Agora, que Manuel António Pina partiu e não haverá mais poesia escrita, temos a certeza que a poesia, e todas as escritas, apesar da sua efemeridade, se renovarão e perpetuarão.

O poema que está umas linhas mais abaixo é de um livro que tem um belo e original título: "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde" . 

Porquê o quadro com os gatos? Porque o poeta gostava de gatos. E este foi o mais original que arranjei. É de um pintor flamengo, Abraham Teniers (1629-1670), dado a figurações algo invulgares. Nada de espantar naquelas paragens. A barbearia está no Kunsthistorische Museum, em Viena.




A poesia vai acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não acabarem).
Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei:
"Que fez algum poeta por este senhor?"
E a pergunta afligiu-me tanto
por dentro e por fora da cabeça que
tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –

GEÓGRAFOS ÁRABES

Em julho de 2007 participei, como arguente, no júri de doutoramento de António Rei. A instituição onde obteve o grau, a Universidade Nova de Lisboa, editou agora, em CD, um trabalho de folêgo, resultado de uma investigação do António. O Gharb al-Andalus al-Aqsa na geografia árabe foi ontem apresentado, na Universidade Nova, por Bernardo Vasconcelos e Sousa, prefaciador da obra. Entre a perseguição a manuscritos sobre Moura, na Academia das Ciências de Lisboa e na Biblioteca Nacional, arranjei forma de passar pela Av. de Berna, ao fim da tarde.

Do outro prefácio, o meu, deixo aqui três parágrafos que deixam claro o que penso do trabalho do António:

O ponto de partida foi, afinal, uma evidência surpreendente: não há, em Portugal, trabalhos recentes sobre os geógrafos árabes. Usam-se textos conhecidos desde há muito e continua a ter-se o imprescindível David Lopes como base geográfica para o conhecimento dos territórios. São, por isso, ajuda decisiva os inúmeros trabalhos que António Rei tem vindo a produzir e que começam agora a somar-se, contribuindo para um mapeamento do Gharb. O seu conhecimento da língua árabe tem-lhe permitido aprofundar uma pesquisa que tem sido intensa e com resultados de grande interesse, lançando novas perspetivas sobre a evolução da memória geográfica do sul.

Não se trata, ainda assim, apenas de uma abordagem de erudição filológica, mas também de uma comparação entre fontes e de propostas para as dúvidas, nomeadamente de ordem topográfica, que elas mesmas mais vezes levantam do que resolvem. Bem como de esclarecedoras discussões e clarificações sobre edições anteriores destas fontes. Particularmente útil se revela o capítulo referente à escrita geográfica sobre o al-Andalus, ao mergulhar nas datas e nas origens dos textos e ao apresentar uma divisão em tipologias literárias.

Pode, pois, dizer-se, e em resumo, que este utilíssimo guia sobre fontes geográficas históricas do Gharb passa a ser obra de consulta indispensável e que vem preencher uma lacuna existente. Neste domínio de investigação, em que se cruzam os textos escritos, a arqueologia e a leitura e a interpretação das diferentes paisagens, a obra de António Rei é, simultaneamente, um marco, um momento de reflexão e um ponto de partida para novas investigações.



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

PRIMEIRAS LEITURAS: GUILHERME

Richmal Crompton (1890-1969) já tinha falecido quando a comecei a ler. Guilherme, ou Just William no original, deve estar completamente out. Pelo menos, lá em casa os rapazes nunca se lhe referiram. A menos que haja algum jogo William na net ou para playstation.

Foi uma das minhas leituras preferidas entre os 9 e os 12 anos, por aí. Guilherme e os seus amigos (um era Douglas, os outros já não recordo) concebiam e executavam as mais inconsequentes e acabadas tropelias. Para desgosto dos pais, dos professores e das pessoas ajuizadas. Não tenho ideia que os livros fossem excecionais, mas ria-me com eles a bandeiras despregadas. E foram estes livros e outros como estes que me levaram a ler mais e melhor. Desconfio sempre dos que dizem que liam Byron aos 7 anos...

Uma noite pessimamente dormida levou-me, esta madrugada, da Salúquia às recordações de Guilherme.

William and the Space Animal, cuja capa da edição portuguesa da Estúdios Cor aqui se reproduz, é de 1956.




quinta-feira, 18 de outubro de 2012

"A REVOLUÇÃO ESTÁ LATENTE E NÃO SERÁ PACÍFICA"


Oh não, por favor. Outra vez os delírios do Otelo...

Talvez as palavras sejam, aqui, um desperdício, mas aqui fica um curto excerto de autocrítica, de Alexandre O'Neill:

A poesia é a vida? Pois claro!
Conforme a vida que se tem o verso vem
— e se a vida é vidinha, já não há poesia
que resista. O mais é literatura,
libertinura, pegas no paleio;
o mais é isto: o tolo dum poeta
a beber, dia a dia, a bica preta,
convencido de si, do seu recheio...
A poesia é a vida? Pois claro!
Embora custe caro, muito caro,
e a morte se meta de permeio.

CAMAS SEPARADAS

"Fizémos-lhe um upgrade no quarto", disse a senhora da receção. Explicou depois que o hotel tinha poucos quartos com camas de casal, porque os turistas eram quase todos nórdicos. Ainda mal ouvira o princípio do discurso quando a senhora continuou, com toda a clareza: "os alemães e os suecos pedem sempre camas separadas; não são quentes assim como a gente, que gostamos de dormir agarradinhos". Consegui ficar sério e limitei-me agradecer polidamente. Parti do princípio que a senhora fazia sondagens entre os clientes...



C'est l'extase langoureuse,
C'est la fatigue amoureuse,
C'est tous les frissons des bois
Parmi l'étreinte des brises,
C'est vers les ramures grises
Le choeur des petites voix.

O le frêle et frais murmure !
Cela gazouille et susurre,
Cela ressemble au cri doux
Que l'herbe agitée expire...
Tu dirais, sous l'eau qui vire,
Le roulis sourd des cailloux.

Cette âme qui se lamente
En cette plainte dormante
C'est la nôtre, n'est-ce pas ?
La mienne, dis, et la tienne,
Dont s'exhale l'humble antienne
Par ce tiède soir, tout bas ?

Jean-Honoré Fragonard e a sua Résistance inutile, que está, et pour cause, no Museu Nacional de Estocolmo. Mais Paul Verlaine e L'extase langoureuse... A senhora ainda teve oportunidade de clarificar que os franceses são um pouco mais parecidos conosco. Daí a escolha de hoje.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DONA FRANCELINA

Uma das pessoas que recordo mais vezes do meu curso de História da Arte - não era exatamente do meu, uma vez que entrara em 1982 ou 1983 - é a Dona Francelina. Teria perto de 60 anos e destacava-se por vestir de forma desprendida, por andar sempre de cigarro na mão e pelo modo descontraído como se sentava nas secretárias que, por esses dias, preenchiam os corredores da FLL. A Dona Francelina tratava-nos de modo afetuoso e um tanto maternal. Baixinha e magrinha era apelidada de Francineide (por fazer recordar fisicamente a mãe de um personagem do Jô Soares, chamado Bô Francineide) por duas ou três megeras da faculdade.

Um belo dia, andava escada abaixo escada acima, trabalhando na preparação de uma qualquer iniciativa da Associação de Estudantes, quando a Dona Francelina - não a conseguia sequer tratar por você - se me dirigiu "chega lá aqui, filho! preciso falar contigo!". Seguia-a, intrigado. Sentámo-nos a uma mesa. Levei uma valente reprimenda, por causa da minha atividade política. Que sabia que eu bom aluno, que me andava a desgastar, que não me devia atirar assim de cabeça, que havia outros que me mandavam para a frente e ficavam nas encolhas. Não me dava hipótese de responder. Estava, de facto, preocupada. No fim disse-me, com um olhar de funda tristeza e agarrando-me o braço, "não quero que te aconteça o que aconteceu ao Zé Dias; olha o que fizeram ao Zé Dias...". Num primeiro momento não percebi. Depois, tive um flash. Claro, a Dona Francelina - que eu sabia ser licenciada em pintura pelas Belas-Artes - fora colega e amiga de José Dias Coelho, militante do PCP assassinado pela PIDE (v. aqui).

As palavras são curtas, e eu pouco talentoso, para explicar a ternura com que recordo a Dona Francelina. E as vezes que aquela conversa me tem tornado à memória. E a dúvida profunda que essa conversa em mim, para sempre, instilou.


Gravura de José Dias Coelho

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O PATRIMÓNIO OU O MATRIPÓNIO OU LÁ COMO É QUE CHAMAM A ESSA CEGADA DAS PEDRAS...


E diz o Orçamento do Estado:

A gestão do património por entidades exteriores ao Governo assegura que o Estado não só diminui os seus encargos com o património concessionado, como mantém a maior parte das receitas que este gera. A Secretaria de Estado da Cultura (SEC) irá optar futuramente por soluções de gestão que mais beneficiem o Estado, a preservação do património e o acesso dos cidadãos à cultura.

Não vale a pena comentar grande coisa. Sou técnico superior da função pública na área do Património há 26 anos. Tenho nisso especial orgulho. E há muito que se esperava uma cena destas. A segunda parte da opera buffa aqui fica, em ante-estreia: concessiona-se o Património a umas empresas de amigalhaços, que depois são subsidiadas/apoiadas à pala dos fundos europeus. Ou seja, faz-se o mesmo, só que há uns que ganham muito mais à conta de todos nós. Vai uma aposta?

ESCRIBA E DESENHADOR


Tarde em volta de documentação mourense. No meio do Tombo da Vila deparo com este trabalho do escriba desenhador. Momento de inspiração? Forma de vencer o tédio do repetitivo linguajar burocrático? Vá lá uma pessoa saber... Eu, que nunca estudei estes temas, não sei.

Um pouco melhor do que isso foi a leitura da sentença para se alargar a praça da vila, datada de 1575. Dizia-se do largo principal de Moura que "era tão estreita que parecia mais rua que praça". Não estiveram com meias medidas. Encetou-se um plano de demolição de casas, de forma a que o espaço fosse alargado "pera ornamento e nobreza da terra". Está tudo no fólio 201 do tomo II.

Por estes dias, navegando entre Cila e Caríbdis, o refúgio na documentação é uma esperança. Por agora vemos poucas luzes na explicação escrita da história medieval do castelo de Moura. Haverá que encontrar resposta noutros caminhos.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

MOVIMENTO ALTERNATIVA SANTINI


O imprescindível Gil Garcia ataca de novo. Agora com o Movimento Alternativa Socialista. Começa bem. Pelo menos com um toque de bom gosto: o logótipo do Movimento é uma discreta homenagem aos gelados Santini. São ótimos gelados, posso garantir.

ARTE ISLÂMICA - 4/10


Eis uma peça "invisível". Encontra-se no interior da mesquita Qarawiyyin, em Fez. Invisível na medida em que o acesso à sala de orações é interdito a não muçulmanos, pelo que só temos acesso às imagens publicadas.

De que se trata? De uma lâmpada ou, melhor dizendo, de um candelabro feito a partir do sino de uma igreja. Não é só uma reciclagem. Os muçulmanos medievais detestavam o som dos sinos e este reaproveitamento é uma vingança e um modo de afirmar o Islão. A peça terá vindo, segundo se sabe, de Gibraltar, após a reconquista da cidade pelos merinidas, em 1333. A adaptação foi supervisionada por Ahmad b. Muhammad b. al-Askar al-Sanhaji, tendo o candelabro sido instalado na mesquita Qarawiyyin em 1337.

Porquê a sua escolha nestas dez peças? Porque sempre que me falam no Islão medieval recordo-mo sempre deste sino/candelabro como forma de ilustrar esse doce equívoco a que damos o nome de "diálogo de culturas".

domingo, 14 de outubro de 2012

VOODOO MAMA

Pode contar-se uma história num minuto e meio? Claro que pode. É o caso deste clip, com o ator britânico Rhys Ifans e a cantora belga Bilonda. O anúncio é um falso anúncio, o que torna a história mais divertida. Voodoo, um gelado, sexo, um ovo e molho picante. E algo mais:


PASSES DE MULETA - 5: PASSE DE PEITO

Remetam-se os passes, remata-se este tema, remata-se a semana, na vaga esperança que a próxima seja melhor.

A palavra "remate" é adequada" porque o passe de peito é obrigatório para se terminar uma série de "muletazos", normalmente "naturales" ou "derechazos". A muleta "corre" o corpo do touro, dos cornos até ao rabo.

Enrique Ponce

sábado, 13 de outubro de 2012

SINAIS DE EMPOBRECIMENTO Nº 2: TADINHO DO PÁLINHO

Tenho imensa peninha de pessoas como o Pálinho Campos, que ganham uma miséria como deputadinhos...

O tempora, o mores...

SINAIS DE EMPOBRECIMENTO Nº 1: TADINHO DO ZORRINHO

Tenho imensa peninha de pessoas como o Zorrinho, que andam em carros baratinhos, assim como o Audi 5...

O tempora, o mores...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

FAHD KANARA

A fotografia tem exatamente 9 anos. Foi tirada a 12 de outubro de 2003, no deserto da Síria, entre Palmyra e Damasco. São sítios de que me tenho lembrado, uma vez e outra, no decurso das últimas semanas.

Um dos grandes motivos de sucesso dessa quinzena memorável foi o Fahd Kanara, o motorista que a agência nos arranjou, garantindo que falava bem inglês. Claro que não só não falava bem como não falava quase nada... Os diálogos faziam-me lembrar imenso os diálogos dos filmes de Manoel de Oliveira. Um exemplo: ele perguntava "stop lunch?" e eu respondia "no stop lunch" ou "yes". Ou ainda, "visit monument or no visit?". Eu respondia "yes" ou "no".

Um dia, não havia forma de lhe explicar que queria ir visitar um determinado castelo. Já em desespero disse-lhe, de modo enfático, "fi-l qasr, min fadlik" (para o castelo, se faz favor). Virou-se para mim com um largo sorriso: "Very good!! Very good arabic!!". Só consegui parar de rir uns bons quilómetros mais adiante. Não imagino o que será feito do Fahd Kanara, homem de Damasco e que falava o árabe na característica maneira daquela cidade (um pouco como o sotaque alentejano, com o arrastamento da última sílaba das palavras).

O Fahd superava as dificuldades no inglês com uma imensa boa vontade e com uma rede de contactos em vilas, cidades e aldeias que me fizeram correr a Síria de uma ponta à outra, entrando em aldeias, visitando famílias e conhecendo um mundo que não estava no meu guide du routard. Estão na minha memória deslocações a sítios extraordinários como Qalb Lozeh ou as-Srouje. Não imagino o que terá acontecido aos aldeões que ali viviam, em especial aos drusos de Qalb Lozeh, cujas casas estavam a poucos quilómetros da fronteira turca. São percursos que gostaria de voltar a repetir. O que era fácil então é hoje uma impossibilidade.

O autor da fotografia na desolada estrada do deserto foi o meu amigo Fahd.

REJEIÇÃO

A fotografia é pobre, mas a imagem é expressiva. O Centro Cultural de Santo Amador encheu-se ontem, com pessoas de várias freguesias, para uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal. Votava-se um documento, proposto pela Câmara Municipal, de rejeição à organização territorial proposta pelo analfabeto do relvas, e seguida por gente que eu não esperaria que seguisse tais asneiras...

O relvas está convencido que é o Mouzinho da Silveira do século XXI. Que ele se convença disso é uma coisa, que haja gente que nisso acredite é bem pior.

Já se percebeu que chamada reorganização (e a extinção de freguesias) representa um corte mínimo em custos diretos e vai representar outras despesas. E que, na prática, vai representar a morte de aldeias como Santo Amador. A solução continua a ser uma, e só uma: lutar afincadamente para que este e outros disparates não tenham seguimento. Antes que acabem com o País.

Votação:
Votos a favor do documento enviado pela Câmara Municipal - 26 (15 CDU, 9 PS, 1 PSD, 1 IND.)
Abstenções - 2 (PSD)
Votos contra o documento enviado pela Câmara Municipal - 0

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

RAMALHO EANES

Recebi, esta manhã, um mail, onde me perguntavam opinião sobre Ramalho Eanes, antigo Presidente da República.

Em 1980 ainda não era eleitor e não pude votar em Eanes para Presidente. Tenho dele uma imagem da maior integridade e de um sentido de serviço à causa pública que não tem par na maioria dos governantes atuais. O seu ar esfíngico marcou uma época na presidência. O estilo marcial, primeiro estranhou-se, depois entranhou-se. É, seguramente, um dos homens públicos mais respeitados em Portugal.

Fui protagonista de um pequeno episódio ocorrido com Ramalho Eanes, em 1984 ou 1985, na Faculdade de Letras de Lisboa. Havia uma qualquer comemoração, a que o Presidente iria assistir. Acompanhavam-no o Ministro da Cultura, António Coimbra Martins, e o da Educação, José Augusto Seabra. Os estudantes do Superior tinham uma especial embirração por Seabra. Naquele tempo, as cantinas estavam num estado miserável e a comida era absolutamente intragável. Resolvemos, na direção da associação de estudantes, chatear o ministro. Como era impossível furar a barreira de segurança, alguém (tenho ideia que ou o Carlos Almeida ou eu próprio) sugeriu que convidássemos o ministro para almoçar através de uma pancarta gigante. Se bem o pensámos, melhor o fizémos. Já a sessão decorria, no anfiteatro 1, quando entrámos silenciosamente com uma monumental folha em papel de cenário, onde se lia "A Associação de Estudantes convida o Sr. Ministro para almoçar". Eanes, sentado no palco, fulminou-nos com o olhar e ficou (ainda mais) hirto.

À saída repetimos a gracinha. Corremos para o átrio e esperámos a passagem da comitiva. Seabra, de ar azedo, escapuliu-se, porta fora. Eanes, seriíssimo, caminhou na minha direção (tinha o azar de ser o mais alto no grupo...). Pensei, confesso que pensei, "vou levar uma rabecada em público". O Presidente parou à minha frente e perguntou-me, no seu tom inconfundível: "Posso perguntar-lhe porque é que convidou o sr. ministro para almoçar e a mim não?". Ante o meu ar estupefacto - conseguiu emudecer-me - sorriu e continuou o seu caminho. Seguia-o um divertido Ministro da Cultura.

Uma pequena história? Decerto. Mas o estilo das pessoas avalia-se, e muito, pelas pequenas histórias.

UGETSU MONOGATARI

O nome mais comum é "Contos da Lua Vaga". O filme completa 60 anos em 2013, mas ainda não tem rugas. Não sei se filmes destes, com planos longos e esteticamente depurados, hoje são possíveis. Mas eram possíveis em 1953. Ainda o são, de algum modo, no cinema que consegue escapar às lógicas estritamente comerciais. Não consigo explicar o tremendo impacto que esta obra teve em mim, quando a vi na RTP2, há muitos anos (sim, isso acontecia e ainda acontece, e deixará de acontecer quando o analfabeto do relvas conseguir fazer vingar o seu esquema).

Percebi, ao longo desse já muito distante primeiro visionamento, que as imagens podem, em si mesmas, ser poéticas, dispensando, com frequência as palavras. A cena final é poderosa, com a imagem de permanente renovação que vida e morte comportam. A obra de Kenji Mizoguchi é a minha referência cinéfila da semana.