sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

E LA NAVE VA

É o final do filme. O navio afunda-se. Em grande estilo e em ritmo operático. Ouve-se correr o vento e depois a tragédia afinal não o é. É um dos mais belos finais de filme de toda a História do Cinema. No final da sequência damo-nos conta que é tudo ilusão. Vejam porquê.
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É uma sequência apropriada para se encerrar o ano de 2010. Ao som da Traviata, com a imagem do navio que se afunda, em tom jocoso e com a convicção que tudo não passa de uma infinita ilusão.
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E la nave va tem um tom crepuscular. Datado de 1983 é o último dos grandes filmes de Fellini. É um dos meus preferidos, devo dizer. Talvez pelo tom de crepúsculo.
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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

425 DIAS

BALANÇO E PERSPECTIVAS FUTURAS (com aditamento em 2.1.2011)

Quando, em Dezembro de 2009, assumi funções noutra área, passando a um regime de 0% na Câmara Municipal de Moura, um duplo desafio se colocava:
1) Garantir o cumprimento das tarefas de investigação que me propusera realizar no âmbito do Programa Ciência 2008;
2) Garantir o cumprimento das minhas funções de vereador na Câmara Municipal de Moura.

A missão a que se reporta o ponto 1 não será aqui explicada, uma vez que diz respeito à Universidade de Coimbra.
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O número 2 merece-me uma abordagem circunstanciada, até pelo facto de me ter pessoalmente empenhado na conclusão de um conjunto de processos dos quais depende, disso estou certo, uma parte importante do desenvolvimento futuro de Moura.
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O que foi feito e como foi feito nestes 425 dias que já vão corridos de mandato? Reporto-me sobretudo às áreas em que tenho intervenção directa ou que, sem que tenha tido essa intervenção, estão próximas aos pelouros que me foram distribuídos? Sublinho, embora quase fosse desnecessário, que a expressão-chave é trabalho colectivo. Os méritos e deméritos do que se passou são, nestas e em todas as outras áreas, a dividir e a multiplicar por quatro. E há aqui uma importante iniciativa, já anteriormente destacada (v. aqui), que foi fruto da exclusiva iniciativa de técnicos municipais.

Águas e saneamento (Sobral da Adiça): 1ª fase – obra em curso
Águas e saneamento: 2ª e 3ª fases – obra adjudicada
AMPEAI - cedência de instalações
Antigo Matadouro Municipal – arranjos exteriores: conclusão do projecto e lançamento do concurso para a realização da obra
Antigo Matadouro Municipal – conclusão do projecto e lançamento do concurso para a realização da obra
Aprovação da alteração ao regulamento do PDM – adaptação ao PROTA
Bombeiros em Amareleja – emissão de parecer favorável
Castelo de Moura (projecto de iluminação) – conclusão
Castelo de Moura: café-esplanada - conclusão do projecto e lançamento do concurso para a realização da obra
Castelo de Moura: posto de recepção ao turista – obra em curso
Castelo de Moura: torre de menagem – aprovação do projecto e lançamento do concurso
Castelo de Moura: torre do relógio – aprovação do projecto e lançamento do concurso
Cemitério de Safara (espaço público) -
realização do estudo prévio
Centro Cultural de Santo Amador – conclusão do processo (a cargo da Junta de Freguesia local, com o apoio da CMM)
Centro de Joalharia Contemporânea – obra em conclusão
Edifício dos Quartéis (reabilitação) – obra em curso
Edifício-sede da LÓGICA – obra em curso
Escola de Santo Aleixo (reabilitação) – conclusão do projecto de arquitectura
Fundo Social (associado ao processo das energias renováveis) – conclusão do processo
Galeria de Artes da Igreja do Espírito Santo – lançamento do concurso para a realização da obra
Geminação Moura-Tauá - ratificação do documento
Igreja de S. Francisco (reabilitação) – obra em curso
Jardim das Oliveiras – obra em curso
Loteamento Fernandes Costa (projecto do espaço público) - realização do estudo prévio
Loteamento da Horta das Boeiras - alteração
Novo cemitério de Moura – conclusão do projecto
Página web do turismo de Moura – entrada em funcionamento
Parque de Leilão de Gado - lançamento do concurso para a realização da obra
Pavilhão Multiusos das Cancelinhas (Amareleja) – lançamento do concurso para a realização da obra
PDM Moura – aprovação da 1ª fase da revisão
Plano de Acção Local para a Energia Sustentável de Moura – aprovação
Plano de Intervenção em Espaço Rural – contrato de planeamento com a empresa AIROSO SA.
Plano de Pormenor da Aldeia da Estrela – em fase de conclusão
Plano de Urbanização da Póvoa – aprovação do estudo prévio e continuação do desenvolvimento do processo
Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios – alteração
Plano Municipal de Emergência – Protecção Civil
Programa de Apoio às Actividades Tradicionais – continuação do processo
Protocolo com a AJAM – apresentação de candidatura ao INALENTEJO: criação de um plano de gestão Moura/Mourão/Barrancos e ZPE
Regulamento para o Parque Municipal de Feiras e Exposições –aprovação
Requalificação da Ribeira de Vale de Juncos (Amareleja) – conclusão do projecto e lançamento do concurso para a realização da obra
Requalificação da Zona Industrial (loteamento A) - lançamento do concurso para a realização da obra
Requalificação da Zona Industrial (loteamento B) – obra em curso
Ribeira da Perna Seca (Sobral da Adiça) - lançamento do concurso para a realização da obra
Sinalização turística da cidade de Moura – aprovação e envio para Comissão de Trânsito
SUSTENTAR - iniciativa desenvolvida pela LÓGICA EM com o apoio da Câmara Municipal
T13 – aprovação da proposta final
UP 1 de Santo Amador – conclusão do processo e publicação em Diário da República
UP 11 - conclusão do processo e publicação em Diário da República
UP 4 / Zona Industrial (Amareleja) – elaboração do plano de pormenor (em curso)
WEBSIG PLANOS - concretização do projecto
Zona Industrial – venda de três lotes



Foram ainda candidatadas, no âmbito das Parceiras para a Regeneração Urbana, intervenções já concretizadas e que serão objecto de financiamento. A saber:
Galeria Municipal e Conservatório - remodelação
Mourasol – acesso pedonal
Pátio dos Rolins – conclusão do projecto e realização da 1ª fase da obra
Pavilhão Gimnodesportivo – obras de requalificação
Eixo comercial de Moura – obras de requalificação
Espaço Sheherazade – aquisição e requalificação

Ou seja, entre obras concretizadas, em curso ou lançadas a concurso, estamos a falar de valores que rondam os 15,5 milhões de euros. Não nos referimos, portanto, a projectos ou a intenções, mas sim a intervenções que o nosso concelho irá conhecer nos próximos tempos. Importa acrescentar que, fruto do mérito das candidaturas apresentadas pela autarquia, muitas das obras acima referidas têm financiamentos externos que oscilam entre os 70 e os 90%.
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No meio disto tudo apareceu (não podia deixar de aparecer) a demagogia barata de “os projectos deviam ser feitos internamente”, “é má gestão de recursos fazer tantas encomendas fora do concelho”, “não era preciso tanto nome sonante” bla-bla-bla.
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“A experiência é a madre de todas as cousas, per ela soubemos radicalmente a verdade” escreveu Duarte Pacheco Pereira no Esmeraldo de Situ Orbis. Pois é. A experiência e o conhecimento das coisas são essenciais. O desconhecimento leva, em linha recta, ao disparate. Dizer que projectos da dimensão dos do Antigo Matadouro, do Pavilhão das Cancelinhas ou do Cemitério podiam ser feitos internamente, em tempo útil, é não ter a noção do que se diz, ou do que se escreve. A menos que se diga o que se diz porque fica mal reconhecer o trabalho dos adversários…
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Já agora, explique-se que muitos dos projectos acima mencionados foram realizados internamente. Ou com a participação directa de técnicos da autarquia. O resto é conversa.
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O futuro é em frente. A questão é essa.
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A fotografia é de Arkady Shaikhet (1898-1959) e foi feita em 1928. Julgo que as escadas que temos de subir e as voltas dos percursos que temos de cumprir é aqui bem ilustrada.

PAUL BOWLES - 30.12.1910

Paul Bowles nasceu há 100 anos. O texto The worlds of Tangier, de 1958, é demasiado extenso para caber num simples post. Remeto, pois, para a versão integral, que pode ser lida aqui. De todas as cidades de Marrocos foi neste decadente entreposto marítimo que o escritor se fixou. Basta ir lá uma só vez para entender porquê. Uma só e única vez, posso garantir.
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A fotografia foi feita, em 1983, por Paulo Nozolino, num desses fantásticos e minúsculos cafés da cidade.
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Ver: http://www.paulbowles.org/

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

OBRIGADO, TRIBUNAL CONSTITUCIONAL!

E eis que a campanha para as presidenciais ameaçava tornar-se uma chatura de todo o tamanho quando irrompeu na pré-campanha o candidato José Manuel Coelho. Contra quase todas as expectativas o outsider afirmou-se, conseguiu avançar com o processo de candidatura e promete animar as próximas semanas. De entre as originalidades que apresentou retenho duas: a campanha eleitoral usando um carro funerário como veículo de apoio e o originalíssimo slogan "Basta de pastéis! Coelho a Belém!".
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Num país ainda bisonho e onde os candidatos são gente introvertida e pouco dada a espalhafatos (só Fernando Nobre escapa um pouco a essa contenção, mas é o único estranho ao meio) José Manuel Coelho vai ajudar os portugueses com uns momentos de descompressão. Não é, ainda, o Tiririca, mas para lá caminhamos...
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Lista final dos candidatos, tal como irão surgir nos boletins de voto:
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1º - Aníbal António Cavaco Silva
2º - Defensor de Oliveira Moura
3º - Francisco José de Almeida Lopes
4º - José Manuel da Mata Vieira Coelho
5º - Manuel Alegre de Melo Duarte
6º - Fernando de La Vieter Ribeiro Nobre
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José Manuel Coelho

ANTES QUE O ANO ACABE - III: CARLOS RICO

A notícia tem o merecido destaque (toda a primeira página) no Boletim Municipal de Moura nº 69 (Setembro/Outubro).
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O número especial dos Cadernos BD dedicado ao centenário do nascimento de Fernando Bento, editado pela Câmara Municipal de Moura, foi o vencedor dos Prémios de Banda Desenhada, na categoria Melhor Fanzine do ano 2010.
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O galardão foi entregue no Salão de Banda Desenhada da Amadora, tendo sido recebido pelo dinamizador do Salão de Banda Desenhada de Moura, Carlos Rico.
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Conheço o Carlos há muitos anos (uns 25, mais coisa, menos coisa). Entrou para a Câmara de Moura em 1987, quando eu era Chefe da Divisão Socio-Cultural. Foi trabalhar para o Museu Municipal, onde se confirmou como um talentoso desenhador de materiais e de estruturas arqueológicas. Foi sol de pouca duração. Em breve passou para outra área, onde teve a possibilidade de dar largas à sua criatividade. Na BD, uma velha e consolidada paixão, não se ficou pelo trabalho de criação, tendo tomado a seu cargo a organização e dinamização do Salão de BD de Moura. Que volta a ter lugar marcado no calendário de 2011.

ANTES QUE O ANO ACABE - II: MANUEL PASSINHAS DA PALMA

É um projecto coordenado pelo Museu Jorge Vieira, de Beja. Envolve 12 câmaras municipais (Almodôvar, Alvito, Barrancos, Beja, Castro Verde, Crato, Horta, Mértola, Moura, São Roque do Pico, Vendas Novas e Vidigueira) e a Livraria Círculo das Letras, em Lisboa.
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Memórias da cidade, de Manuel Passinhas da Palma, está agora patente ao público no Alvito. A partir de 1 de Fevereiro é a vez de Almodôvar. Às galerias, cidadãos!
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O folheto que acompanha a exposição tem textos introdutórios de Rui A. Pereira e Luís Filipe Maçarico e um poema de Miguel Rego:
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casa a casa
a cidade constrói-se na ilusão adiada
no silêncio e no medo dos homens
casa a casa
o branco
a ausência
o fim da rua
o ruído incessante
o incandescente das ruas recortadas a compasso e escala
o nome do desconhecido a identificar a morte
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A geometria é a da uma cidade do sul. As pinturas de Manuel Passinhas não são explícitas, nem têm de o ser. Mas aqueles horizontes são os do sul. O Manuel não nomeia a cidade, nem tem de a nomear. Mas o nome de Beja ecoa uma vez e outra.

ANTES QUE O ANO ACABE - I: LARS GUSTAFSSON

No outro dia, ao telefone com uma colega ouvi isto: "Estou a ler um livro fantástico, que me foi oferecido por um lado. Tenho a certeza que nunca leste A morte de um apicultor". Não foi por maldade, mas respondi de imediato que esse livro de Lars Gustafsson (n. 1936) foi das melhores leituras dos últimos tempos. Foi um caso raro de pontaria, já que em anos recentes pouco tenho lido, para além das coisas profissionais.
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Encontrei, numa releitura, pontos comuns com percursos recentes:
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Estar tão perto de uma vida diferente, desenrolando-se noutro lugar, numa ambiente totalmente diferente, proporcionava-me como que uma vida dupla - e era talvez dessa vida dupla que eu sempre precisara sem o saber.
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(Sempre suspeitei que todas as soluções se encontravam algures entre a minha vida e uma outra.)
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O livro foi editado pela ASA, mas não está actualmente disponível. O que é pena.
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The passengers, de Daniel Blaufuks (2001)
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Site do fotógrafo:
http://www.danielblaufuks.com/

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

HELENA ALMEIDA

Não é um nome muito conhecido do grande público. Arriscaria mesmo dizer que é um nome desconhecido do grande público. Mas a obra de Helena Almeida (n. 1934) marca, de forma indelével, a parte final do século XX. Dobrada a casa dos 70, a artista continua a fotografar e a procurar novos caminhos para os seus auto-retratos. E não me perguntem porquê (não tenho a resposta), mas o texto de Luis Miguel Nava (1957-1995) evoca-me as fotografias solitárias, e onde a cor por vezes se insinua, de Helena Almeida.
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A PRETO E BRANCO
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Uma mulher encosta-se a um muro, encosta-se à memória. Veste de uma maneira simples, uma blusa, uma saia cobrindo os joelhos, talvez uns tamancos. Tem ainda, amarrado à cabeça, um lenço negro, negros aliás e brancos todos os tons em que se veste, negros os tamancos, um casaco de lã sobre a blusa, negras ainda algumas das riscas da saia, brancas as outras, como a blusa. Encosta-se ao muro aonde cola as costas, os ombros e depois uma das faces, assim é mais fácil ver-lhe o rosto. As mãos encostá-las-ia também se não segurasse um lenço branco. Aperta-o entre os dedos, fá-lo passar entre eles, uma pequena serpente. Ou então amarrota-o, faz das palmas das mãos uma concha onde o esconde, o lenço assim desaparece totalmente, apenas as mãos se vêem projectadas para a frente, dir-se-ia que rezam. Depois sempre ocultando o lenço, levam-no ao rosto novamente de perfil, tudo a preto e branco ainda, ou é o rosto que desce até às mãos, mergulha no lenço, talvez este e a língua se procurem, uma língua pelo lenço adiante, uma língua é provável que vermelha, não, é tudo ainda muito a preto e branco, é tudo ainda demasiado a preto e branco para permitir um pormenor vermelho.
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Entrevista com a artista em:
http://www.storm-magazine.com/novodb/arqmais.php?id=411&sec=&secn=

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

DO GHARB AO ALGARVE: AS TÁBUAS EM ÁRABE DO MUSEU DE BEJA

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Aproxima-se do fim a exposição Do Gharb ao Algarve: uma sociedade islâmica no Ocidente. Está patente ao público até dia 5 de Fevereiro, na Casa da Cultura Islâmica e Mediterrânica de Silves.
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As peças visitantes (materiais de colecções exteriores ao distrito de Faro) continuam a circular. Depois da pia da Mouraria de Lisboa, uma pequena jóia da nossa História Medieval chegam as tábuas em árabe do Museu de Beja, que integrarão a exposição até ao final
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Eis a ficha das peças:
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Tábuas árabes
Madeira
Século XVII
As quatro tábuas com inscrições árabes, que hoje fazem parte do espólio do Museu Regional de Beja, foram encontradas em 1942 no antigo edifício do Colégio da Companhia de Jesus em Beja. Nesse edifício foi instalado no séc. XVIII o paço episcopal do Bispo de Beja D. Frei Manuel do Cenáculo, o que indicia terem pertencido à colecção de antiguidades reunida por este erudito prelado.Este tipo de tábuas eram utilizadas há centenas de anos nas escolas corânicas para o aprendizado da escrita árabe e do Corão. Hoje em dia, ainda podem ser vistas em uso em certos locais de África com tradição islâmica.Nas tábuas do Museu Regional de Beja estão, como é usual neste tipo de material, inscritos versículos do Corão, podendo as peças ser datadas do séc. XVII (?).
Museu Regional de Beja
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As tábuas de ensino do Alcorão têm uma vida longuíssima, perpetuando-se no tempo. Nenhuma das imagens corresponde a qualquer das peças de Beja...

Fotografia de cima: Tábua com a sura 39ª do Alcorão, datável do século XII. Foi descoberta em 2009 pelo Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga para a Protecção da Natureza. Um momento extraordinário e uma peça da maior importância para a história do período islâmico.

Fotografia de baixo: Tábua da Guiné-Bissau (séc. XXI). Fotografia de António Santos, num blogue de grande interesse: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/07/guin-6374-p3089-antropologia-7-as.html

ADITAMENTO

Veja-se também o seguinte link, enviado por Ricardo Soares, a quem agradeço:

http://fotoarchaeology.blogspot.com/2010/06/lapa-4-de-maio-tabua-arabe.html

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

QUANTOS ANOS TINHAS NO 25 DE ABRIL?

Comentário de ontem a propósito das Presidenciais:
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"Invocar a PIDE, coisa que os nascidos depois de 1970 não fazem a mais pequena ideia do que foi"
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"1, 2, 3 diga lá outra vez...?"
P.S.: E quem era garoto na altura fará uma idéia muito melhor, por essa lógica...?
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Resposta (apesar do anonimato e porque a pergunta merece resposta à altura):
Sim, fará. Como no caso do autor do blogue, nascido em 1963 e que tinha apenas 10 anos no dia 25 de Abril de 1974.
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Três exemplos concretos de coisas que me impressionavam e que não esqueci, apesar de aos 10 anos não ter formação política, como é evidente:
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1) Não se podia falar da PIDE. Por razões de ordem familiar perguntei uma vez, teria uns 7 ou 8 anos, o que era a PIDE e tive como resposta "não voltes a dizer essa palavra; nunca mais". O tom desencorajou-me de fazer nova pergunta.
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2) Ouviam-se emissões de rádio do estrangeiro às escondidas. O meu tio José uma vez chamou-me, ante a desaprovação da tia Elisa, para ouvir a BBC em onda curta. Habituado aos relatos da bola pareceu-me estranho, e claro que não percebi toda a dimensão do problema, que um adulto tivesse de ouvir rádio às escondidas. Obrigou-me a jurar que não contaria a ninguém. Assim fiz.
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3) Lembro-me dos funerais dos soldados, no cemitério de Moura. Foi, de todos, o aspecto que mais me marcou. Em particular porque conhecia pessoalmente alguns daqueles jovens (eram alunos da Escola Industrial, onde a minha mãe era funcionária). Recordo, muito em particular, um deles, que era familiar de uns vizinhos da Rua Nova da Estação, e que faleceu tragicamente na Guiné, em 1971 ou 1972.
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Fazia ideia, sim. Uma ideia que, sendo ténue, é muito mais clara que quem tinha 3 ou 4 anos em 25/4/74. E percebo que a um resistente corajoso como Manuel Alegre enfureça a ideia de um homem como Cavaco Silva, que nada fez para combater a ditadura, seja hoje Presidente. Mas as coisas são o que são.
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Fotografia: Alfredo Cunha
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Vale a pena ver isto: http://mediaserver.rr.pt/RR/Flashs/25abril_final/video/index.html

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O Avenida da Salúquia faz uma pausa até à próxima segunda-feira.

BLUE VELVET

Não é um típico filme de Natal (o Sozinho em casa já foi exibido e devemos estar a ser fustigados com outros que tais), mas é bem melhor ver este Veludo Azul que as xaropadas do costume.
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Dean Stockwell, que há cerca de um mês surgiu no blogue numa cena do filme
Stars in my crown (ver aqui) tem nesta cena um momento de especial brilhantismo. Faz um playback de In dreams, de Roy Orbison, para gáudio de Frank, o louco chefe da quadrilha. A história do filme nem é muito complexa, mas o realizador encontra no argumento campo para muitos e violentos delírios.
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Tudo começa com imagens tranquilas de uma pacata cidade americana. O pior é o que se esconde por debaixo da placidez visível. Um conselho de amigo: mandem os filmes da quadra às urtigas e espreitem a filmografia de David Lynch (n. 1946), que dirigiu esta obra-prima da perversão em 1986.
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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O MASSACRE DOS INOCENTES

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Há duas versões do quadro de Peter Paul Rubens (1577-1640). Uma está na Alte Pinakothek, de Munique, desde inícios do século XVIII. A outra encontra-se, depois de um percurso atribulado, que inclui dúvidas sobre a sua autoria, na Art Gallery of Ontario (Canadá). Foi comprada em 2002 por 93 milhões de dólares. Relata o bem conhecido episódio bíblico do massacre dos inocentes.
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A morte persegue-nos. O amor também. Eros e thanatos são próximos. Quando fui aluno de José Mattoso, no Mestrado em História Medieval (1990-1992), tive como leitura obrigatória, no seminário de Representações Mentais do Invisível (só o nome desencorajaria o mais destemido, mas não pude desistir, por ser o único aluno...) uma obra essencial, Anthropologie de la mort (1975), de Louis-Vincent Thomas (1922-1994). O estudo comparado das civilizações, com as ideias de amor, erotismo e morte como tema principal, converteram esse seminário como um dos momentos decisivos na minha vida de estudante.
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O massacre dos inocentes, de 1611, é o 14º quadro mais caro de sempre. Rubens é o 8º pintor deste top 10.
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Do Amor e da Morte

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Temos lábios tenros para o amor
dentes afiados para a morte

Concebemos filhos para o amor
para a guerra os mandamos para a morte

Levantamos casas para o amor
cidades bombardeamos para a morte

Plantamos a seara para o amor
racionamos o trigo para a morte

Florimos atalhos para o amor
rasgamos fronteiras para a morte

Escrevemos poemas para o amor
lavramos escrituras para a morte

O amor e a morte
somos

Casimiro de Brito (n. 1938)

PRESIDENCIAIS 2011

Falta um mês e isto está mais que arrumado...
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O actual presidente é um homem do passado. Um pouco ao estilo de Sampaio não é presidente para arrebatar as multidões. E para quem fala agora tanto no desenvolvimento e na inclusão e nos problemas estruturais uma revisão da matéria dada (1985-1995, lembram-se?) não calharia nada mal...
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O score eleitoral? À volta dos 60%. Talvez um pouco menos.
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Manuel Alegre teve o seu grande momento no final de 2005, com um muito bom resultado para um outsider. Mas afrontou Mário Soares, que não lhe perdoou. Entalado entre o apoio oficial do PS, cujo desempenho recente é o que é, e o Bloco de Esquerda, que deu um claro passo em falso, não tem muita margem de manobra para criticar o sistema (já faz lembrar o Dias da Cunha). Vai ter mais votos que em 2006 (andará à volta dos 30%), mas a derrota será bem mais nítida.
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Invocar a PIDE, coisa que os nascidos depois de 1970 não fazem a mais pequena ideia do que foi, e as causas da liberdade com a sua bela voz de barítono já não chega.
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Francisco Lopes, o candidato avançado pelo PCP, é um político low-profile. De ar tranquilo, por vezes até um pouco tristonho, tem como tarefa afirmar-se dentro e fora do partido, consolidar e alargar bases eleitorais.
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Objectivamente falando, tem um mês para conseguir esses objectivos e para contrariar as sondagens. O resultado? Mau se for abaixo dos 7.5%, bom entre os 8 e os 8.5, magnífico acima dos 9%. O resto é conversa.
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Votarei Francisco Lopes, convictamente. Há coisas, estas e muitas outras, que só faço por prazer e convicção.
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Fernando Nobre acabou por ser o candidato-surpresa. Ele que o negue, mas a mãozinha marota do Dr. Mário Soares anda por ali. Para um novato, não se tem saído nada mal. Tem um certo estilo de nonchalance e de homem de causas que agrada a alguma juventude, aos meios urbanos e à intelectualidade. Como toda a gente sabe, irá buscar votos à ala esquerda do PS e ao BE. O resultado é, nesta altura, uma incógnita, mas andará acima dos 5%. Ou mesmo mais, dependendo essa subida mais do Ministro Teixeira dos Santos do que dele próprio...

Os resultados todos somados dão mais de 100%... Mas nem todos alcançarão as melhores expectativas. Voltarei ao assunto no dia 24.1.2011.

Parece que há outro candidato. Por ser anti-taurino confesso é banido desta lista.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A QUEM NA CIDADE ESTEVE TÃO LONGO TEMPO

A quem na cidade esteve tão longo tempo
sabe como é grato olhar para a face serena
e aberta do céu, erguer uma prece
ao firmamento azul que para nós sorri.
Quem será mais feliz, se com alma jubilosa
descansa num acolhedor lugar entre a erva
ondulante, e lê uma aprazível história
daqueles que se abandonam ao amor?
Ao entardecer e no regresso a casa, escuta
a canção do rouxinol e depois com o olhar
segue o caminho de uma pequena nuvem;
lamenta, então, a pressa com que passou o dia
semelhante a uma lágrima caída de um anjo
que atravessa a transparência do céu, silenciosa.

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To one who has been long in city pent,
'Tis very sweet to look into the fair
And open face of heaven, - to breathe a prayer
Full in the smile of blue firmament.
Who is more happy, when, with heart's content,
Fatigued he sinks into some pleasant lair
Of wavy grass, and reads a debonair
And gentle tale of love and languishment?
Returning home at evening, with an ear
Catching the notes of Philomel, - an eye
Watching the sailing cloudlet's bright career,
He mourns that day so soon glided by,
E'en like the passage of an angel's tear
That falls through the clear ether silently.
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Tradução: Fernando Guimarães
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O poema é de John Keats (1795-1821) e passou-me ontem, de surpresa, pelas mãos. Impressionou-me o primeiro verso e fez-me lembrar, de súbito, estes homens, fotografados no topo de um arranha-céus de S. Paulo por René Burri, em 1960. A quem na cidade esteve tão longo tempo / sabe como é grato olhar para a face serena / e aberta do céu (...). Keats, no seu espírito romântico, não deveria imaginar como as suas palavras apaixonadas se tornariam tão verdadeiras.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ARQUEOLOGIA MEDIEVAL - 11

Uf, bolas, caramba, já não era sem tempo!
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Agora é que é. Está já impresso o nº 11 da revista "Arqueologia Medieval", uma publicação das Edições Afrontamento, dirigida por Cláudio Torres. O lançamento terá lugar no dia 22 de Janeiro, em Lisboa (convites a enviar em breve).
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Cabe-me, desde 1992, ora a solo, ora em dueto (neste caso com Susana Gómez) a coordenação da revista. A cada número que sai divirto-me a recordar as conversas tidas com reputados arqueólogos da nossa praça, que previam uma triste e curta vida à "Arqueologia Medieval", por causa do modelo de financiamento que tinhamos definido com a editora.
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Para recuperar o tempo gasto com este número, estão em fase adiantada de preparação os nºs. 12 e 13.
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Índice do nº 11:

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A datação pelo radiocarbono de contextos funerários da denominada basílica paleocristã de Conimbriga: Adriaan L. De Man / António M. Monge Soares / José M. M. Martins
Aeraria de transición: objectos con base de cobre de los siglos VII al IX en Al-Andalus: Juan Zozaya
Objectos de troca no Mediterrâneo Antigo: cerâmica «verde e manganês» de um arrabalde islâmico de Silves: Maria José Gonçalves
Mértola e as rotas comerciais do Mediterrâneo no período islâmico: Susana Gómez Martínez
De nuevo sobre el mercado de producciones cerámicas entre Al-Andalus y las Repúblicas de Génova y Pisa (siglo XI d.C.): Rafael Azuar
Os vidros islâmicos de Mértola (séculos XI-XIII) - técnicas decorativas: Lígia Rafael / Maria de Fátima Palma
Cerâmicas islâmicas da «Casa do Procurador» (Aljustrel): Juan Aurelio Pérez Macías / Timoteo Rivera Jiménez / Artur Martins / Macarena Bustamante Álvarez
O arrabalde da Silves islâmica. A intervenção arqueológica do empreendimento do Castelo: José Costa dos Santos / Paula Barreira Abranches
Materiais cerâmicos provenientes de um silo do Bairro Almóada do Convento da Graça – Tavira: Sandra Cavaco / Jaquelina Covaneiro
Importações cerâmicas de Tavira na Baixa Idade Média: Sandra Cavaco / Jaquelina Covaneiro / Gonçalo Lopes
Novas problemáticas relacionadas com a topografia da cidade islâmica de Silves: Maria José Gonçalves
Pisa e il Mediterraneo nel medio evo: Scambi internazionali di merci e di conoscenze: Graziela Berti
El origen de Barrancos: Manuel Fructos Romero
As muralhas da Covilhã: Michael Mathias
Uma torre de vigia sobre o Tejo, em Alcochete: Miguel Correia
Arqueologia no castelo de Penamacor – Cimo de Vila. A alcáçova e o cemitério. Resultados das campanhas de 2004 a 2006: Silvina Silvério / Luís Barros / Daniel Nunes
Cerámicas de transporte y comercio en la Basílica de Santa María de Alicante. Producción y distribución: José Luis Menéndez Fueyo

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TÂNGER

A passagem pelo livro de Komrij que, apesar de todo o sarcasmo, vive em Portugal há 26 anos, fez-me regressar a um excerto de Paul Bowles (1910-1999). Na Letter from Tangier, publicada em 1954 no The London Magazine, teve esta tirada: O que é realmente extraordinário é que a incrível quantidade de edifícios caros que foram erguidos apenas contribuiu para que a cidade pareça mais improvisada, caótica e vil. Havia uma certa ruinosa unidade no estilo arquitectónico de há 20 anos; agora não há nenhuma. O lugar é francamente horrível. É como uma jóia cujo suporte é superior à pedra. O céu azul, o mar azul e as montanhas azuis ainda aqui estão, mas a cidade, à qual não resta outro azul para além do das casas de alguns marroquinos recalcitrantes, já não tira partido dos seus encantos combinados. Pelo contrário, como quase todas as coisas do presente, ergue-se em torpe desafio às leis da natureza e da beleza.
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Custa a crer, mas a verdade é que Paul Bowles ainda viveu mais 45 anos na cidade à qual dedicou tão demolidoras palavras.
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Vue sur la baie de Tanger 1912 - Henri Matisse (1869-1954)
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Caótica e luminosa, acolhedora e sensual, Tânger é uma das mais belas cidades do mundo. Já expliquei porquê ao Francisco, ao José Alberto, à Conceição e ao Luís. Acho que eles , já lá vão onze anos, perceberam as minhas razões.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A DIFERENÇA ENTRE O AGORA E O FUTURO É COISA FÚTIL

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A incapacidade de conceber o tempo - ou, se se quiser, o anestesiante entrechoque dos tempos - permite aos dois mundos de Portugal, o da aparência e o da essência, ignorarem tão completamente a sua incompatibilidade. Onde nenhuma ligação existe, também nenhuma fricção se há-de verificar. Onde tudo se volta para o passado, a diferença entre o agora e o futuro é coisa fútil.
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O livro chega a ser irritante, por vezes quase ofensivo. Mas a leitura do tempo que Gerrit Komrij (n. 1944) nos dá em Um almoço de negócios em Sintra (1999) é certeira. A nossa forma de sentir o tempo é mais africana do que admitimos ou interiorizamos. Em todo o caso, a sensibilidade meridional, ainda que exageradamente caricaturada - veja-se a narrativa da visita a um doente no hospital - está à flor da pele.
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Reli o livro hoje, por entre a visão das fotografias de Toni Catany (n. 1942). As imagens do artista malhorquino são meridionais e roçam o caos, seja na sala, estranhamente familiar, do jogo de matraquilhos no sul marroquino ou nas ruínas do mundo clássico. Quando, ao final da tarde, um amigo me lançou uma pergunta embaraçosa "de que andas tu a fugir?" deu-me vontade de lhe citar o livro e de dizer a diferença entre o agora e o futuro é coisa fútil.
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O livro foi traduzido do neerlandês pelo mertolense Fernando Venâncio.

domingo, 19 de dezembro de 2010

A DRA. HELENA ARVELOS E "A POUSADA DA SEXTA FELICIDADE"

Foi, para mim, o momento mais surpreendente da noite. Durante a cerimónia de entrega do Prémio Mourense do Ano, instituído pela Junta de Freguesia de Santo Agostinho, a médica, recentemente aposentada, confessou que a escolha da carreira profissional fora determinada, ou decidida, depois de ver o filme A pousada da sexta felicidade, uma película de Mark Robson, rodada em 1958. Relata a história verdadeira de Gladys Aylward, que, contra tudo e contra todos, se tornou missionária. Era essa a intenção da jovem Helena: ser médica missionária.
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É muito engraçado ver como na adolescência essas histórias nos tocam e procuramos os nossos heróis e decidimos os exemplos a seguir. A vida troca-nos as voltas, mas isso é que menos importa.
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A segunda surpresa tive-a logo de seguida quando a Dra. Helena disse que não tinha conseguido esse sonho de ser missionária, mas que se tinha tornado médica. Ora essa, Dra. Helena! Não foi missionária? Claro que foi. Não é necessário ir-se para Yuncheng ou para Lambaréné para que uma missão se cumpra. Foi, aliás, esse o espírito primeiro do Serviço Médico à Periferia, justamente recordado pelo Presidente Pós-de-Mina.
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O tempo passou (trinta anos!), mas a Dra. Helena continua em Moura. Que fique por cá muitos mais, com o mesmo espírito e sentido de missão.
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Texto do júri justificando a atribuição do Prémio:
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O Júri de forma clara reconhece na figura de Helena Arvelos, a integridade, o profissionalismo, o humanismo e a generosidade com que se dedicou aos Mourenses ao longo da sua carreira médica.
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No ano em que esta Mourense do coração se aposentou, acreditamos que desta forma singela mas plena de significado, agradecemos com o mesmo coração e todo o reconhecimento, a dedicação e o carinho com que Helena Arvelos se dedicou a todos nós.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

ROMA

A proximidade das eleições presidenciais trouxe-me à memória o nome de José Manuel Menezes Alves. Crónico candidato e crónico desistente, Menezes Alves é o autor de uma das melhores boutades políticas que conheço. Quando, talvez em 1985, foi inquirido sobre o que mudaria na presidência respondeu, com ar sério e convicto, "passo a fazer as revistas às tropas em patins, para demorar menos tempo". Sempre gostei do non-sense. Mesmo na política. Ou, melhor dizendo, mais ainda na política.
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Umas recordações levam a outras. Neste caso, os patins levaram-me, em linha recta, ao filme Roma, realizado em 1972 por Federico Fellini (1920-1993). Nesta película estranha e poética, há, em dado momento, um desfile de paramentos eclesiásticos. A cena tem um toque circense, acentuado pela música de Nino Rota (1911-1979). Fellini diverte-se a provocar. Ao minuto 2:30 surgem dois eclesiásticos em patins, promovendo um modelo sob o lema Au Paradis toujours plus vite! O desfile reveste-se depois de tons operáticos e fantasmagóricos. Aos 7:20 ouve-se o vento, esse elemento sempre presente em Fellini.
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Vi este filme pela primeira vez no dia 21 de Junho de 1986.
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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A BÍBLIA

O almoço de ontem, com uma diplomata portuguesa que trabalha no Norte de África, e a ideia, que irá tomar forma, de um projecto a desenvolver em torno do património islâmico em Portugal fez-me lembrar uma história caricata, ocorrida há anos na Argélia.
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O meu amigo Boussad Ouadi, editor e livreiro, quis importar um livro, intitulado La bible du marketing direct. Nada de especial, tirando uma burocracia infernal. Mas a situação piorou, quando recebeu um aviso de responsáveis religiosos no sentido de retirar os livros do escaparate. Porquê? Porque não era admissível que se vendesse a bíblia... A história, que me foi relatada pelo próprio, faz lembrar as mais ferozes (e ridículas) atitudes dos censores fascistas. Intolerância e ignorância rimam. E não é por acaso.
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O Boussad, um cábila teimoso e vertical, antigo militante do FLN, encolheu os ombros e continuou a vender os livros.
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TEMPOS DIFÍCEIS - II

Que ninguém se ria da desgraça alheia. Pelo andar da carruagem isto ainda chega à Assembleia da República.
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Um jornalista da SIC teve uma daquelas gafes "impossíveis" e referiu-se a Paulo Sérgio como "o técnico dos lagartos" (ver aqui). Num país onde o sentido de humor nunca foi o forte dos poderosos o clube já cortou relações com o canal televisivo.
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Aquilo para os lados da Segunda Circular está mesmo difícil. Para ambos os dois.
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TEMPOS DIFÍCEIS - I

O caríssimo autocarro da equipa principal do meu Glorioso empancou em plena zona de S. Sebastião da Pedreira, em Lisboa. Naquela do "nem para trás nem para a frente". O trânsito, que naquela zona nunca é fácil, ficou em estado de sítio.
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Teve que ir um reboque buscar o carrito.
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Aquilo na Segunda Circular está difícil.
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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

CARLOS PINTO COELHO (1944-2010)

Tinha em estilo inconfundível e que se prestava à caricatura. Herman José utilizou esses tiques criando uma figura genial, a do jornalista Carlos Filinto Botelho, que repetia, a propósito e a despropósito, a expressão "África, mãe África!".
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Carlos Pinto Coelho, símbolo de um jornalismo independente em extinção, tornou-se conhecido pela sua presença constante na RTP. Dirigiu, durante muito tempo, uma magazine notável, Acontece, onde muitas iniciativas culturais eram anunciadas e objecto de curtas reportagens, um género de programa que hoje nos parece uma relíquia fora do tempo. A fotografia, área que lhe merecia particular interesse, era o seu violon d'Ingres.
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Morreu hoje, aos 66 anos.
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A QUACK WHO HAS GONE TO THE DOGS

Lembram-se do Dr. Bob? O Dr. Bão (na versão portuguesa)? O charlatão que anda aos caídos? Se tiverem mais de 35 anos devem lembrar-se.
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Era o médico do Muppet Show, os nossos Marretas. Tragam-me o Dr. Bob! Hoje ainda se possível. O SAP da minha cidade (Moura) não teve médico, hoje, entre as 8 e as 20 horas. Pior, está previsto que não tenha médico entre as 8 h. de dia 31 de Dezembro e as 8 h. de dia 1 de Janeiro. Logo nesse dia...
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Junte-se a esta falha do SAP (que abrange todo o concelho, e não só a cidade, como parecem pensar algusn distraídos) o deficientíssimo funcionamento dos serviços de saúde no concelho para se ter uma ideia do abandono a que se vota o interior. Falam agora os burocratas em racionalizar e em cortar nas despesas. Pergunto: como é que porra se corta no que não existe!?
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A CDU apresentou e fez votar e aprovar, na sessão da Assembleia Municipal de dia 13, uma moção onde se denuncia esta situação e onde se exigem medidas ao Ministério da Saúde no sentido de serem ultrapassados os problemas que se fazem sentir no nosso concelho.
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O Dr. Bão! O meu reino pelo Dr. Bão!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ESTÁCIO DA VEIGA REVISITADO

Jerusalem (CNN) - A huge storm that collapsed part of a cliff on Israel's central coast led to the discovery of a statue dating back to the Roman period, the Israel Antiquities Authority said Tuesday.
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O despacho da CNN (antes dizia-se despacho, agora não tenho a certeza) fez-me recordar a saga do arqueólogo Sebastião Estácio da Veiga (1828-1891), que procedeu a uma meticulosa recolha de materiais no vale do Guadiana, após a cheia de 7 de Dezembro de 1876 ter deixado à vista um assinalável espólio.
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O resultado do seu trabalho está, em grande medida, registado numa monografia notável, Memória das Antiguidades de Mértola, editada em 1880. O arqueólogo teve de ter a fortuna de estar no lugar certo no momento apropriado? Decerto. Mas fortuna audaces juvat!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O COMPAL DE NÊSPERA

Era hábito, há uma geração, entrar na pastelaria e pedir, em tom firme, “um compal de nêspera e uma sande de cação”. Cuidado, que se deveria dizer sande, no singular.
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A procura de coisas inexistentes começava por exasperar os pobres empregados, que acabavam por levar a brincadeira numa desportiva. Tenho uma amiga, um pouco mais velha, que era exímia nesse gag.

O compal de nêspera está na hora de ser criado, se é que não existe já. É pelo menos a sugestão que me fica, depois de ter lido, muito recentemente, um suplemento sobre vinhos. Não há limite à poesia, nem à criatividade, nem ao delírio. Já uma vez dediquei um texto ao tema (ver aqui), mas agora isto piorou. Os vinhos sabem a vinho? Nem por isso. O que há, então, dentro de um vinho? Perfumes estranhos: “notas de vegetal seco”, “fruta bem madura”, mas também “fruta discreta” (esta possibilidade de escolha parece-me bem). Há ainda outros com “notas de madeira” ou com “tons florais e notas de pimento vermelho” (vermelho, não verde nem amarelo, atenção). Mais difícil ainda, há um “especiado, fruta preta em compota ligeira, chocolate, azeitona, um toque lácteo”. Há “tons de flores e especiarias frescas”, “notas de bergamota”, há um “fumado, salino, com as frutas pretas e do bosque por trás, há notas doces e tostadas da madeira, compotas” ou ainda “frutos do bosque, violetas, notas discretas de madeira de estágio”. Peitoral e bom para a tosse deve ser aquele vinho “muito balsãmico, com notas de eucalipto e mentol”, mais medicinal que o outro, “repleto de fumados, abaunilhados e amanteigado, pejado de aromas lácteos, com um toque floral de belo efeito”. Termine-se esta viagem pelos perfumes numa quase deambulação por um lugar de frutas, naquele vinho que tem “sucessivas vagas de cera, mel, pêssego, toffee, manteiga e ervas aromáticas”.

Nem só de aromas vive o vinho. Há-os “pouco comunicativos” (?),com um perfil “moderno e atlético” (!), há brancos de “estilo espadaúdo”, outros com um tom “austero e viril”, com um ar “muito civilizado” ou com “fruta fresca confitada, sedutora tosta da barrica nova, notas minerais”. Mais estranha é a existência de um vinho “nervoso”. Baco sem Vénus arrefece? Sem dúvida. Melhor, muito melhor, é ler que “na boca sentem-se os taninos sólidos mas perfeitamente amaciados pelo corpo poderoso” ou que se “mostra o lado mais sensual da Baga, sem contudo lhe retirar o músculo, o nervo e o carácter”. Mais enigmático, e a dar livre curso à imaginação mais frenática, é aquele da “boca seca e mineral, tensa e dura, quase mastigável no final amplo e carnudo”. Isto deve ter a ver com o que tem “uma acidez veemente que espevita o final de boca” e com o que é “enorme na boca, quase severo, retesado” e que é também “impressionantemente longo e intenso”. Todo um mundo de emoções... Parto do princípio que se deva beber antes do que é “fino mas cheio, encorpado mas elegante, denso mas tenso, cremoso mas mineral”. Ou ainda, e enfim, daquele cuja boca se apresenta “quase épica, larga de horizontes, desafogada e quase mastigável, gigante na dimensão… mas simultaneamente equilibrada e serena, sem fogos-de-artifício inconsequentes, sem acessórios desnecessários” (também acho!).



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O texto foi publicado no suplemento "Fugas" do Público há um par de semanas. Para mais informaçções sobre a compal, com nêsperas ou sem elas: www.compal.pt

INFLUÊNCIA MEDITERRÂNEA NA ARQUITECTURA DO ALGARVE

O título completo é, na realidade, Influência mediterrânea na arquitectura do Algarve. Projecto de Carlos Ramos para o Bairro de Pescadores de Olhão. Assim se intitula a dissertação de mestrado que Sofia Teixeira, aluna da Universidade de Évora, defendeu esta tarde.
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A arguição, de grande nível, esteve a cargo do Prof. Arq. João Vieira Caldas (IST-UTL). O júri foi presidido pelo Prof. Arq. João Nasi Pereira (UE). O trabalho foi co-orientado pelo Prof. Arq. João Rocha (UE) e por mim próprio. A elevada classificação obtida é motivo de júbilo para a jovem investigadora, mas também para os seus orientadores.
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Trabalho de qualidade, e promissor de outros voos, a tese poderá ser, em breve, consultada na biblioteca da Universidade.
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Olhão

domingo, 12 de dezembro de 2010

VINHO - IV

A DRINKING SONG

WINE comes in at the mouth
And love comes in at the eye;
That's all we shall know for truth
Before we grow old and die.
I lift the glass to my mouth,
I look at you, and I sigh.


UMA CANÇÃO DE BEBER

O VINHO entra, é pela boca
E o amor entra pelo olhar;
É quanto temos por certo
Até crescer e expirar.
Elevo a minha taça à boca,
Olho-te, para suspirar.
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As fotografias de Katy Grannan (n. 1969) são tudo menos convencionais. Mas seriam possíveis sem a genialidade de Goya? O tom festivo da mulher na relva remete-nos para a bem mais contida maja. Mas a raíz é a mesma.
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O poema de W.B. Yeats (1865-1939), aqui traduzido por João Luís Barreto Guimarães, tem também um tom de celebração.
Sine Cerere et Baccho friget Venus? Sem dúvida.
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Ver: http://www.katygrannan.com e http://www.online-literature.com/yeats/
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A IX edição da Feira da Vinha e do Vinho termina logo à noite.

VINHO - III

E por falar em Francisco Goya, e embora seja pouco provável que o grande pintor tenha estado na Amareleja, aqui vai uma das suas obras-primas (duas, na realidade). Têm-se escritos quilómetros de texto sobre estas pinturas, La maja vestida e La maja desnuda. O seu neo-clacissismo é o aspecto que menos interessa. As questões cromáticas sim, bem como a ousadia e carnalidade do tema. Pintar uma mulher - cuja identidade continua ser discutida - daquela forma implica rasgo, ironia e argúcia.
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Una mujer desnuda y en lo oscuro
tiene una claridad que nos alumbra
de modo que si ocurre un desconsuelo
un apagón o una noche sin luna
es conveniente y hasta imprescindible
tener a mano una mujer desnuda.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera un resplandor que da confianza
entonces dominguea el almanaque
vibran en su rincón las telarañas
y los ojos felices y felinos
miran y de mirar nunca se cansan.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
es una vocación para las manos
para los labios es casi un destino
y para el corazón un despilfarro
una mujer desnuda es un enigma
y siempre es una fiesta descifrarlo.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera una luz propia y nos enciende
el cielo raso se convierte en cielo
y es una gloria no ser inocente
una mujer querida o vislumbrada
desbarata por una vez la muerte.
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O uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) também não deve ter passado pela Amareleja, imagino eu. Em todo o caso, não creio que Goya ou Benedetti fossem abstémios. Não o podiam ser. Até porque um grande vinho pode e deve acompanhar os momentos bons da vida. Quando se lê poesia ou se vê um quadro.

sábado, 11 de dezembro de 2010

DOS RATINHOS À AZOUGADA

Na próxima quarta-feira, dia 15 (pelas 18.30), tem lugar, na Câmara Municipal de Moura, o lançamento de dois importantes livros:
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O Castro dos Ratinhos (Barragem do Alqueva, Moura). Escavações num povoado proto-histórico do Guadiana, 2004-2007 - Luis Berrocal-Rangel e António Carlos Silva
Um conjunto cerâmico da Azougada. Em torno da Idade do Ferro Pós-Orientalizante da margem esquerda do Baixo Guadiana - Ana Sofia Tamissa Antunes
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A apresentação dos livros estará a cargo do Prof. Doutor Carlos Fabião (Fac. de Letras - Universidade de Lisboa), numa sessão que contará ainda com a presença dos autores e do Dr. Luís Raposo, director do Museu Nacional de Arqueologia. As publicações são editadas pelo Museu Nacional de Arqueologia e têm o apoio da Câmara Municipal de Moura.
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A monografia sobre os Ratinhos teve um apoio muito significativo por parte da Direcção Regional de Cultura do Alentejo e por parte da EDIA.
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Considero de especial importância iniciativas como esta. Porque aliam nomes de reconhecido valor da Arqueologia Portuguesa ao nosso concelho. Porque os trabalhos de valorização do Património passam pela investigação científica de qualidade. Porque o trabalho de grande nível que o Museu Nacional de Arqueologia tem vindo a desenvolver, desde 1996, sob a direcção de Luís Raposo, merece ser apoiado.
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Considero também que é prestigiante para a Câmara Municipal e para o nosso concelho o estabelecimento deste tipo de parcerias e o alargamento do nosso quadro de contactos. Também a este nível tenho a certeza que estamos no caminho certo.
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Do ponto de vista pessoal, e não dependendo estas matérias de nenhum dos meus pelouros, é uma oportunidade para encontrar colegas e amigos por quem tenho particular estima e respeito.
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