Foi no fim de Inverno de 2005. O meu tempo na Universidade de Lyon aproximava-se depressa do fim. O Professor Guichard marcara-me um último encontro para a tarde dessa terça-feira, dia 8 de Março. A conversa foi breve, concluída com um imperativo “isto está feito, você entrega a tese em meados de Maio e marca-se já a defesa. Le 10 juin, ça vous va?”. Achei graça à coincidência e disse-lhe que sim, que remédio tinha eu. Conversa acabada e “à demain”.
O resto do dia não prometia nada de bom. Sozinho em Lyon, um frio de rachar, o vento dos Alpes a gelar as margens do Ródano, as horas a rolarem mais devagar que um caracol. E eis que dou comigo, chateadíssimo, sentado à janela de um bar da Place Carnot, uma garrafa de Cotes du Rhône já lá vai, não tarda outra vem a caminho. Eis que passa uma turba alemã aos urros, bandeiras verdes e brancas. Olá, que é isto? Os oitavos de final da Liga dos Campeões: Lyon-Werder Bremen, esclarece, diligente, o empregado. Decisão rápida, vou à bola. Saio porta fora a caminho do estádio. Aí chegado, cometo dois erros trágicos: peço o bilhete em francês, sem sotaque alemão, e compro uma entrada das mais baratinhas. E assim dou comigo, cinco minutos depois, no meio dos Juve Lyon ou dos Diabos Vermelhos de Lyon. Eram todos loucos furiosos. Berravam como possessos, vá lá saber-se porquê, e saltavam ritmadamente e cantavam e, meu Deus, ainda faltava meia-hora para o jogo começar. Organizadinhos, dão-me um papelinho com as palavras de ordem do dia e outro papelinho colorido para agitar à entrada da equipa. Passam-me pela cabeça ideias angustiosas: eu nem o nome do treinador sabia e conhecia vagamente o nome de dois ou três jogadores. Alguém me faz uma pergunta sobre quem ia jogar à direita e já não tive tempo de responder porque a equipa entrou em campo e durante quase duas horas a malta à minha volta gritou desesperadamente. E eu com eles, porque quem não mija em companhia ou é espião ou é ladrão. À meia-hora o Olympique Lyonnais já ganhava 3-0. Do mal o menos, o povo estava feliz. Braços ao ar, primeiro, a ola à mexicana, depois, mais palavras de ordem, logo a seguir. Mais um par de golos e a conta já vai em 5-2. Juninho, JU-NI-NHÔ, gritavam os franceses, mas “putain, bordel”, o raio do brasileiro não há meio de marcar. Marcam Wiltord e, no fim, Berthod. 7-2! uma sova de todo o tamanho nos boches. No meio da claque trocam-se sinais cúmplices. Um grandalhão dá-me uma palmada nas costas, “c’est fait mon ami” berrava o gajo, e eu fingia um sinceríssimo contentamento.
Voltei, feliz e exausto, ao hotel. No dia seguinte, um desconfiado e divertido Prof. Guichard ouviu a narrativa da incursão no Stade de Gerland. À hora de almoço fui olhado pelos colegas do departamento com curiosidade zoológica. Percebi depois que ir ao futebol no meio da claque não faz parte do cardápio académico francês. A minha carreira universitária não seria, contudo, prejudicada pela façanha.
O Lyon baqueou nos quartos-de-final às mãos do PSV. O Liverpool viria a sagrar-se campeão europeu nesse ano.
O Lyon baqueou nos quartos-de-final às mãos do PSV. O Liverpool viria a sagrar-se campeão europ
(a fotografia é da claque do Fluminense, no Maracanã, mas para o caso é igual).
Sem comentários:
Enviar um comentário