domingo, 31 de maio de 2020

AS FACES DE JANO

Dentro de poucas horas, retomo um ritual de dois anos. Chegar à Amadora pela meia-noite, levantar amanhã às 7:00, sair de casa às 7:40, começar o dia às 8:00.

Na agenda: rever os 74 dias que passaram, pensar os que vão chegar. O deus Jano olhava o Passado e o Futuro. Reiniciar não é complicado. No fundo, nem cheguei a parar.

Único receio? Não me lembrar da password do computador. Achei que sei qual é, mas com 3 computadores em diferentes sítios, mais 3 contas de mail... Oxalá isto não dê barraca. Aí, nem o tal de Jano me pode ajudar.

sábado, 30 de maio de 2020

INVESTIMENTO PÚBLICO NA ANTIGUIDADE TARDIA

Um livro em preparação (o quinto de 2020, um impresso, dois já maquetados, um em fase de maquetagem e não se consegue terminar nada a 100% "derivado" ao covid...) levou-me a sair para o terreno para testar ângulos de imagens e possibilidades de trabalho. A NIKON D70, do alto dos seus 17 anos, deu excelente conta do recado. A lente não é extraordinária, mas também é nenhuma sucata.

O primeiro "ponto de ataque" foi a torre do rio, em Mértola. É um dos cerca de 40 ou 50 locais a registar. Questão: como evoluem e como desaparecem os sítios e os seus pontos de referência ao longo dos séculos?

A torre é uma estrutura monumental, datada do século V ou do século VI, que se destinava a controlar a entrada na vila. O espavento desta obra, contemporânea do criptopórtico, dos mosaicos e da basílica do Rossio do Carmo só pode ser explicada pela apropriação dos meios do produção por parte de uma elite local. Os recursos da região foram transformados em investimento público. Ou seja, quando uma autarquia é, também, autarcia.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

IBN AL-WARDI E A SUA PÉROLA IMACULADA DOS PRODÍGIOS E PEDRA PRECIOSA DAS MARAVILHAS

Por razões que não vêm ao caso, falei hoje, por várias vezes, neste mapa. É peça selecionada para um projeto em curso, se o covid deixar, que cada dia parece mais incerto que o anterior. Escolhi-a para a exposição por razões que, em detalhe, ocupariam demasiado espaço. É uma cópia tardia (feita por Fr. João de Sousa) de uma obra de Ibn al-Wardi, autor que viveu na primeira metade do século XIV. Esta verdadeira preciosidade conserva-se na Biblioteca Pública de Évora (Cod. CXVI/1-42)

O mapa em si, orientado a sul, mostra-nos África na parte superior, a Europa à direita, em baixo, e a Ásia à esquerda, em baixo. O mapa identifica os rios Nilo, Ganges e Indo, o Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

TEMPOS DE NÃO FARRA

O telefonema, às 14:40, era esperado e não me deixou dúvidas. Dia 1 é a hora do regresso. Vai ser tudo de forma faseada, uns agora, outros mais tarde. Não são tempos de farra. Isso ainda vai tardar. A crise do que nos vai na alma está para durar. Os restaurantes e bares que fecharam, as romarias que não haverá, as corridas de touros que vão ser adiadas, o contacto entre as pessoas que vai continuar a rarear, as festas populares que "só em 2021". Uma chatice. Terá que ser assim, mais uns tempos.

Segunda é o recomeço. Com o calendário previsto, só que com uns meses de "delay". Como nas transmissões televisivas.

Spree forever? Só nas fotografias do desmesurado David Lachapelle. Um rapaz da minha idade.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

LIBERTY AND JUSTICE FOR ALL

É assim que termina o Pledge of Allegiance, não é?
O que quererão aquelas palavras dizer?
Como é que possível que se repitam coisas como as que aconteceram em Minneapolis?

terça-feira, 26 de maio de 2020

MAS ISTO É O QUÊ?

O "Expresso" resolveu dar guarida a uma inacreditável carta de um conjunto de personalidades que, a propósito dos Painéis de S. Vicente, "acha que". Não há, entre o distinto grupo, um único investigador de História da Arte. Pela óbvia razão que qualquer profissional da área teria vergonha de subscrever aquele texto. Onde, entre outras coisas, se avança como motivação o facto da Ministra da Cultura não ter respondido a uma carta do matemático Jorge Almeida. Que é, também, entusiasta dos Painéis nas horas vagas.

Lóbis na Cultura? Há-os para todos os gostos. Estes conseguiram ser ouvidos no correio da manhã das elites.



Eis os subscritores:
Alexandre Manuel, jornalista e professor universitário
Amadeu Lopes-Sabino, escritor
Aniceto Afonso, historiador
Arnaldo Madureira, professor universitário e historiador
Avelino Rodrigues, jornalista de investigação
Carlos Almada Contreiras, historiador
Carlos Blanco de Morais, professor catedrático de Direito e analista de política internacional
Carlos Gaspar, investigador em relações internacionais
Carlos Matos Gomes, escritor
Catarina Figueiredo Cardoso, curadora independente
Cecília Barreira, historiadora da cultura
Guilherme Valente, editor e ensaísta
Irene Pimentel, historiadora
José António Veloso, jurista e investigador
Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático de Direito
José Carlos Costa Marques, escritor
José Vera Jardim, ex-ministro da Justiça e jurista
Luís Salgado de Matos, cientista social 
Margarida Ponte Ferreira, escritora
Maria do Carmo Moser, produtora de filmes
Miguel Freitas da Costa, ensaísta
Nuno Júdice, escritor
Paulo Cintra, fotógrafo
Teresa Venda, ex-deputada e administradora

segunda-feira, 25 de maio de 2020

ARQUEOLOGIA E POLÍTICA - DA TEORIA À PRÁTICA

A conversa de arqueólogos não será só sobre Moura. Mas é evidente que o percurso arqueológico (de 1989 até hoje) e o político (1993-2017) serão a parte principal do que se vai falar. Como se fez, porque se fez, como se financiou, porque se optou daquela forma e não de outra.

Porque é que a reabilitação urbana tem de ser parte central de uma atuação? E não só ao domínio patrimonial me refiro.

Logo, às 19 horas (18 h nos Açores), no facebook:
https://www.facebook.com/FundacaoSousaDOliveira

domingo, 24 de maio de 2020

MÚSICA GUINEENSE

É assim que me soa o crioulo, a uma toada musical. E é assim que arranca o livrinho:

Marjen di riu i un tapadu di tarafi. Marjen di riu i un linha ki ka kortadu. Tris ora dipus di ianda na iagu na metadi di tarafi, di seu fungulidu ku di mar fungulidu, barku tchiga Bulama. Na mar no ka na odja sidadi. No na odja son puntu, ku pekaduris manga del suma kakris na kabas.

Pensada em 2012, anunciada em abril de 2013, está perto do final esta saga teimosa sobre Bolama. Há dias, um escritor guineense, Geraldo Marinho Pina, enviou-me a tradução do texto. Vamos ao financiamento do que falta.

DOIS BRASIS

O país de gente como Nelson Motta (veja-se a crónica que assinou em "O globo" e que anda por aí a circular) é, também o país de uma criatura inenarrável que ocupa, sabe Deus como, a presidência do Brasil. Assessorado por indivíduos como Ricardo Salles e Abraham Weintraub. O vídeo que mais abaixo se inclui parece uma reunião mafiosa...


ELES E NÓS - Nelson Motta, no Globo.
A piada da vez somos nós, e não Portugal. No domingo vi uma foto do presidente da República de Portugal, o professor e jornalista Marcelo Rebelo de Sousa, de bermudão, esperando na fila de um supermercado em Lisboa, de máscara, guardando a distância regulamentar e respeitando a fila. Nenhum segurança à vista. Um conservador muito educado e cordial, Marcelo tem 86% de apoio e confiança da população. Deu muita inveja.Com 29 912 infectados e 1277 mortos, Portugal está entre os países de menores índices de mortalidade por um milhão de habitantes no mundo. Um terço da Suécia, que tem a mesma população. É apavorante comparar ao Brasil, ainda em acelerada curva ascendente, porque temos 20 vezes mais habitantes do que Portugal, testamos 20 vezes menos e estamos fazendo o contrário do que eles fizeram. Lá eles já estão saindo do isolamento, enquanto aqui o pior está só começando e o antagonismo político, chamado de guerra por Bolsonaro, comanda o espetáculo macabro. Em Portugal, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro António Costa, socialista, fizeram a coisa certa na hora certa, guiados pela Ciência: direitistas, socialistas, comunistas e anarquistas se uniram para manter a população em casa e combater o inimigo de todos. Por isso Portugal é um dos primeiros países a sair do isolamento e retomar com segurança as atividades dentro do “novo normal”. Não foi graças à cloroquina ou qualquer droga milagrosa, mas ao isolamento social e à eficiência do sistema público de saúde. E à disciplina da população.
Tudo isso faz lembrar as velhas “piadas de português”, que naturalmente eram replicadas pelas “piadas de brasileiro” em Portugal, em que o mote é sempre a burrice e a estupidez, mas hoje se vê que a piada da vez somos nós. Chegamos ao ponto de desejar o que Chico Buarque e Ruy Guerra lançaram como uma maldição, no tempo da ditadura e do salazarismo:
“Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/ Ainda vai tornar-se um imenso Portugal.”
Quem dera, Chico, quem dera.


quinta-feira, 21 de maio de 2020

STARDUST MEMORIES Nº. 35: UMA TARDE NA LUZ

A informação da fotografia refere que é um Benfica-Porto de 1978. Mas nesse dia não choveu, estou disso certo. Deverá, na verdade, ser da época 1978/79. Um dilúvio permanente, antes e depois da partida. Não havia bancadas cobertas e era tudo ao molho, em cima uns dos outros. os estádios sofisticados e o covid eram miragens. Estava perto do local de onde foi tirada a fotografia. Era o meu sítio favorito para ver os jogos, no segundo anel, perto do Superior Sul.

O jogo foi no dia 21 de janeiro de 1979, e terminou empatado (1-1). Dele não reza a História. Só me ficou um pormenor relevante: já perto do final do jogo, uma entrada de Toni, à margem de tudo, lesionou seriamente Marco Aurélio. O jogo, na verdade, acabou ali.

Tinha 15 anos e seguia o Benfica com uma devoção religiosa. Hoje, nem por isso.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

FOGO DE VISTA

Cena do filme Patton. Um bull terrier, de ar terrível, vai-se abaixo ante um cachorrinho minúsculo e cheio de personalidade, e esconde-se assim que pode. Eis um padrão de atuação que muitas vezes tenho visto, ao longo de muitos anos. Muito fogo de vista, muita prosápia, muita aparência, muitas cerimónias públicas, muita capacidade teatral. No fundo, muita parra e pouca uva. Há políticos que fazem disto um modo de vida.

Na altura em que vi o filme (verão de 1972), e foi a minha primeira deslocação noturna ao Pavilhão Mourense, fiquei deslumbrado. Hoje, acho-o pouco interessante e militarista. Do ponto de vista cenográfico só vale a pena a cena de entrada. Que é patrioteira mas tem punch.

PRO MEMORIA

O Estado é aquela entidade, só aparentemente abstrata, na qual muitos gostam de bater desalmadamente. E que, por vezes, parece ser uma coutada dos ricos e poderosos. Uma tradição antiga e que a República apenas reformatou.

Ontem, o Governo da República passou a números concretos o apoio aos grandes grupos de comunicação social. O orçamento da Cultura vai, em grande parte, para a RTP. O Património Cultural, que é parte decisiva da nossa memória coletiva, as bibliotecas, o apoio à criação não têm tanta atenção. Veja-se o valor de apoio às Artes, que é pouco superior ao que cabe à IMPRESA. Aguarda-se, com impaciência, o que tem a dizer José Gomes Ferreira.


terça-feira, 19 de maio de 2020

FUTURO BREVE

O vírus propaga-se com facilidade pelo ar, o vírus transmite-se dificilmente pelo ar, o vírus fica muito tempo nas superfícies, ah, afinal não, não fica nada, o vírus é agressivo, o vírus é bonzinho, a máscara é dispensável, não é nada, temos mesmo de usar, o ziguezague é infindável. Ouvimos, a toda a hora, pneumologistas, virologistas, imunologistas, alergologistas, epidemiologistas, que, para nosso desassossego, dizem o contrário uns dos outros. Há ainda dois grandes especialistas em Saúde Pública, Nuno Rogeiro e o Paulo Portas, mas esses são seguros, nada de dúvidas.

Pelo sim, pelo não, estou a pensar encomendar uma fatiota destas. Vai dar imenso jeito quando voltar a usar o 754 (Alfragide-Campo Pequeno).

segunda-feira, 18 de maio de 2020

OS MUSEUS, NO SEU DIA

Mais baralhado não se pode estar. Justamente os museus, que foram formados para terem público, agora não o podem ter. Ou podem, mas com muitas limitações. As exposições temporárias vão ser repensadas? Decerto que sim. Mas a visita às exposições, os momentos de contemplação e de reflexão não se compadecem com um mundo só virtual.

Voltamos, uma vez e outra, à raíz das coisas. É preciso conservar, inventariar, comunicar, dar a a conhecer e participar na vida dos sítios. O dia tem sido fértil em encontros e debates. De manhã, um promovido pela Fundação Gulbenkian; ao fim do dia, haverá outro (com limite de presenças), organizado por ICOM.

Durante este mês haverá concursos para os lugares de direção nos museus. Um momento importante, que deverá ter seguimento com medidas de fundo.

Memória da primeira exposição que organizei - Moura na época romana (1987)
Com a ajuda e a generosidade inesquecíveis de Rogério Ribeiro

AZEITE ANGÉLICA - A NOVIDADE QUE NÃO É NOVIDADE

É uma bela notícia que, felizmente, não traz nada de novo. Gonçalo Rosa da Silva e o seu Azeite Angélica têm presença regular em grandes prémios internacionais. Assim se premeia o esforço, o mérito e a qualidade.

Uma grande notícia para o Gonçalo e para Moura. Se bem recordo, a primeira medalha de ouro que ganhou neste certame foi em 2015.

Ver - https://bestoliveoils.com

60º. DIA

Já lá vão dois meses. Não é que não tenham sido produtivos, tecnicamente falando. Foram, e muito. As aulas continuaram, à hora mas não no local do costume. O catálogo de uma exposição (abrirá em junho?) ficou pronto no dia 17 de março, um livro foi terminado na passada semana e a tradução está em curso, outro catálogo fica fechado na sexta-feira (abrirá a exposição em setembro?). As reuniões da equipa onde me integro são por zoom (o tom pop é apenas para não haver reconhecimento - eu sou a seta branca). O trabalho segue a bom ritmo. E agora? Para onde vamos? Quando regressamos? Tenho 175 sítios a visitar nos próximos meses e não sei como e quando vai ser.

Começa a semana. Mantém-se a incerteza.

domingo, 17 de maio de 2020

STARDUST MEMORIES Nº. 34: O VELOCÍMETRO DO AUSTIN

E já que se fala em normalização, aqui vão coisas antigas e fora das normas.

O meu tio comprou um Austin 1300 em setembro de 1971. Na altura, os carros eram todos diferente uns dos outros. Aquele modelo tinha um detalhe inesquecível: o velocímetro não era como os outro. Não havia ponteiro. Uma fitinha vermelha (1) avançava da esquerda para a direita indicando a velocidade a que se circulava.

Havia também uma patilha (2), para "puxar o ar". Ou seja, diminuia-se o volume de ar na combustão, o que impedia que o carro "fosse abaixo", enquanto estava frio (o meu amigo ALR não esperava tanta sapiência...). O que me faz lembrar um episódio ocorrido em 1972 ou 1973, cuja veracidade não posso atestar.

In illo tempore, os carros podiam circular no centro de Moura nos dias da festa. Num sábado de manhã, uma senhora levava o seu Austin Rua da Jopal fora. Ao aperceber-se que havia um magote de homens na esquina do Prazeres, e temendo deixar o carro morrer e ouvir uma risota, resolveu aplicar "medidas de emergência". Ou seja, ao aproximar-se do cruzamento, puxou a partilha do ar e acelerou ligeiramente. Bom, ela achava que tinha sido ligeiramente. O barulho do motor aproximou-se do de um Boeing 707 no momento da descolagem. O que provocou um fingido pânico no grupo masculino, que se escondeu rapidamente, enquanto um gritava FUUUJAAAMMM. A ser verdade, terá sido um daqueles casos em que a emenda foi pior que o soneto.

O MUNDO QUE SE DESMATERIALIZA: AS SEMARTELOQUES

Respondi, no outro dia, a um inquérito sobre "smart locks". Não sabia o que eram, e a ideia não me entusiasmou minimamente. Chaves "inteligentes", que dispensam contactos humanos? Não, obrigado. Arriscando fazer figura de velho troglodita, respondi com toda a sinceridade.

O frio da técnica remete-me sempre para filmes visionários. Podia citar Alphaville, mas nunca fui godardiano, e a grande referência será sempre Playtime. O filme foi mal recebido pelo público, aquando da sua estreia, em 1967. Do ponto de vista comercial foi um total flop. Jacques Tati (1907-1982) ficou financeiramente arruinado, teve de vender a casa, ceder direitos etc.

Contudo, Playtime é uma das grandes obras do cinema (pode ser visto aqui, na íntegra, não sei durante quantos dias). Os absurdos da normalização levada ao extremo eram previstos nesse filme. Tudo igual, por toda a parte. Vale a pena retomar a sua leitura. E vale, cada vez mais, a pena a luta (política, cultural etc.) contra aquilo em que querem transformar as nossas vidas.

Estes três excertos são bem ilustrativos.



sábado, 16 de maio de 2020

JOSELITO EL GALLO - 100 ANOS DEPOIS

Foi uma das tardes mais trágicas da tauromaquia do século XX. Aos 25 anos morria, em Talavera de la Reina, Joselito el Gallo. Que, apesar da sua juventude, se afirmava como toureiro de exceção. Há, claro mais relatos escritos que imagens, ilustrando o seu breve e glorioso percurso.

Não vale a pena repisar os momentos dramáticos, e todas as más coincidências, daquela tarde. Basta-nos assinalar o dia. Completava o cartel o seu cunhado Ignacio Sánchez Mejías (1891-1934), num mano-a-mano de mau prenúncio. Com eles estava Enrique Berenguer «Blanquet» (1881-1926), o bandarilheiro que pressentia a morte.


O maestro Joaquín Taboada Steger (1870-1923) comporia, em sua honra, o pasodoble Pobre Joselito.

Federico García Lorca (1898-1936) escreveu um poema imortal, Llanto por Ignacio Sánchez Mejías. Aquele que começa:

A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde.


A tragédia de Talavera, no ABC

sexta-feira, 15 de maio de 2020

ESCOLA PROFISSIONAL DE MOURA: 20 ANOS

Faz hoje 20 anos a Escola Profissional de Moura. Um projeto erguido contra ventos e marés, e contra a vontade dos que hoje querem fazer esquecer o que ontem fizeram. Ao menos, que assinalem a data.

Recordo o que aqui escrevi há exatamente 5 anos:
Foi assim. Uma sessão breve, mas muito emotiva. Assinalaram-se hoje 15 anos de Escola Profissional de Moura. Um projeto arrancado a ferros. Erguido graças a uma Câmara CDU. Que contou, é justo dizê-lo, com o apoio do PSD. Apenas e só, do ponto de vista político. E contou com o entusiasmo de muitos cooperantes e de muita gente de boa vontade. Os primeiros anos foram muito difíceis. Depois, a Escola Profissional ganhou alguma estabilidade. Lançou laços de cooperação. Fez do seu caminho um percurso sólido. A formação tem a qualidade que hoje os alunos do curso de restauração demonstraram.

Há duas pessoas, em especial, que quero aqui saudar: José Maria Pós-de-Mina e Antónia Baião.


quinta-feira, 14 de maio de 2020

STARDUST MEMORIES Nº. 33: SALA DE AULA

Na minha escola primária havia uma carta destas. Ficava no canto da sala. Sei lá porquê, mas ficava orgulhoso por haver uma coisa "do concelho" no meio de tanto sítio importante. Estava lá a Serra da Adiça.

Deste mapa de Portugal está excluído o Pico (2.350 metros), que ficava numa das ilhas adjacentes. Então e o Império?

Havia o Fogo (em Cabo Verde), o Pico de São Tomé (em S. Tomé), o Morro do Moco (em Angola) e o Monte Binga (em Moçambique). Que não apareciam na carta da Metrópole. Mas a cereja em cima do bolo estava muito mais longe. Era mais ou menos assim:

- Onde fica o ponto mais alto de Portugal?
- No Monte Ramelau, com quase três mil metros.
- Onde fica o Monte Ramelau?
- Em Timor Português.
- Diz-me o nome de um timorenses ilustre.
- D. Aleixo Corte-Real, que se destacou lutando contra a invasão japonesa.

Só passaram 50 anos.


quarta-feira, 13 de maio de 2020

O SAPATO DE URBANO VIII

É uma das cenas mais marcantes do filme Galileo, de Liliana Cavani. O cardeal Barberini, amigo de Galileu, depois de um encontro com o papa, fez notar ao astrónomo que o sumo pontífice dispensara o ritual do beijo no sapato. Depois da morte de Gregório XV, Barberini sobe ao trono, com o nome de Urbano VIII. O que acontece no primeiro encontro? Dá a beijar o seu sapato a Galileu.

Vi o filme durante um ciclo de cinema, na Faculdade, em 1983. Todo o simbolismo do Poder estão naqueles breves segundos. O que se diz antes, o que se faz depois. A modéstia e simplicidade, que eram só teatro, transformadas em arrogância e em soberba.

Tantas, mas tantas!, vezes que tenho visto estas coisas repetirem-se...

O filme é de 1968. Liliana Cavani (n. 1933) até há pouco estava ativa.

terça-feira, 12 de maio de 2020

FOGE INVEJOSO O TEMPO

Ganhar o dia ou começar a aproveitar o dia foi o que me aconteceu, hoje às 7:50. Sem estar à espera. Um amigo, que não vejo há algum tempo, mandou-me uma fotografia. Sem comentários, mas dizendo afinal, sem palavras, "olha onde a gente estava neste mesmo dia". Momentos de amizade, só e sem mais. Porque a amizade é isso, uma coisa só e sem mais. Tenho saudades dele e de todos os outros que vejo na fotografia. Vai ser uma questão de semanas, de poucas semanas esperamos. O encontro está rigorosamente aprazado, para o dia, local e hora de sempre.

LABIRINTO TOTAL

O que se segue não é um lamento. Razões para lamento, sérias e pesadas, têm os que perderam empregos ou salários, as empresas que fecharam ou vão fechar. Os que têm o futuro incerto, ameaçado e inseguro. Portanto, nos dias que correm não me lamento. Apenas me perco, profissionalmente...

O labirinto é total. O calendário escolar que se aproxima do fim, o regresso a Lisboa que se vai adiando, os trabalhos que se concluem sem que se saiba o que vai acontecer com eles, os dias suspensos, um verão silencioso pela frente, a necessidade de rever tudo, a cada momento.

Que fazer? Continuar a escrever, suponho. A ter esperança que os textos e os livros em curso (e com saída prevista entre março de 2020, sim já passou, e novembro de 2021) vejam a luz do dia. Que possa fotografar no verão e terminar dois projetos em curso, que precisam de muitas ilustrações. E agora? Ir em frente e matar o(s) Minotauro(s). E não perder o fio de Ariadne.


Mosaico do Minotauro (Conimbriga)

segunda-feira, 11 de maio de 2020

É A CULTURA... MAS TAMBÉM PODIA SER A ECONOMIA!

Temos necessidade de expandir a oferta, com novos museus, novas experiências. Temos um projeto em Gaia de 100 milhões de euros, para 6 museus e novas experiências. Porquê? Porque sem produto não é fácil de prolongar, não só a visita de turistas, mas também a época do ano.

Quem disse isto num debate público?
Não foi um arqueólogo, nem um museólogo, mas sim Adrian Bridge, CEO do Porto Taylor e do Yeatman (tem um restaurante com 2 estrelas Michelin). Fala quem sabe de turismo e de investimentos.

Museu do Vaticano - a célebre espiral dupla

SOMBRAS PRÓXIMAS

Escrevi isto no dia 31 de março de 2014:

DE JACQUES DUCLOS A JACQUES BOMPARD - NOTA BREVE SOBRE UMA EVOLUÇÃO PERTURBADORA

Por puro interesse pela política gaulesa segui, durante a noite de ontem, nas edições on-line do Le Figaro, do Le Monde, do Parisien e do Libération os resultados das eleições municipais de ontem. Os resultados à esquerda foram um desastre. Mas o facto que me causou maior perturbação foi a evolução que a França teve, do ponto de vista de orientação do voto no último meio século. Melhor dizendo, ou perguntando, onde é o que o Front National, ou os seus aliados, têm as suas melhores votações?

Beaucaire (Gard)
Cogolin (Var)
Fréjus (Var)
Hayange (Moselle)
Hénin-Beaumont (Pas de Calais)
Le Luc (Var)
Le Pontet (Vaucluse)
Mantes-la-Ville (Yvelines)
Marseille 7e secteur (Bouches du Rhône)
Villers-Cotterets (Aisne)
Béziers (Hérault)
Camaret-sur-Aigues (Vaucluse)
Orange (Vaucluse)

Destes 13 municípios, 9 situam-se no sul, bem perto do Mediterrâneo. O mais interessante é a constatação de como se votava, em tempos, nestes departamentos. Na eleição presidencial de 1969, Jacques Duclos deu ali cartas, conquistando votações entre os 25 e os 30%. Mesmo em 1981, Georges Marchais ainda atingia scores assinaláveis: 18% (Var), 19% (Vaucluse) 26% (Bouches du Rhône, sendo aí o candidato mais votado na primeira volta), 21% (Hérault), 25% (Gard) e 22% (Aisne). O PCF é, hoje, uma triste insignificância. Pior do que isso, o eleitorado passou da esquerda para a extrema-direita. Veja-se o caso de Hénin-Beaumont. Não porque os extremos se toquem, como já ouvi... Mas porque a falta de soluções leva direitinho aos cantos de sereia. Daí ao voto defensivo, anti-imigração, anti-qualquercoisa, vai um passinho de pulga. O voto no Front National é, recorde-se, um voto popular e operário. Tal como o foi o voto que levou Hitler ao poder.

Em Portugal temos Paulo Portas, que faz o pleno nessa área. Ainda temos de lhe "agradecer"...


O que aconteceu, em Portugal, entretanto? Surgiu e instalou-se, em Portugal,  um partido de extrema-direita, sem programa a não ser o do ódio, e que tira partido da raiva e do desencanto que se instalaram. Esvaziou o CDS e foi buscar votos a franjas da esquerda, que acham que "assim é que é", "ali está um que diz as verdades" (seja lá isso o que for). E que conta com o beneplácito dos "media".

Começa a pôr-se a mesa. O que se seguirá, não será bom.

domingo, 10 de maio de 2020

PRAIA OU NÃO PRAIA

E agora, que praia?
A de Richard Misrach?
Ou a de Martin Parr?
A segunda é quase impossível, a primeira é improvável.
Vai ser o mais estranho verão das nossas vidas.
Fiquemos, para já, com as fotografias.


sábado, 9 de maio de 2020

AO SOL, EM CHIPRE

Às voltas pela pintura - nada de meu, não sei desenhar nem pintar -, à procura de soluções finais para uma exposição que deveria ter inaugurado no dia 19 de março e que passou para junho (penso eu, mas já não sei nada), fui parar a Chipre e às paisagens de David Bomberg (1890-1957). E dei comigo a ter saudades do verão e do sol. Ao fim da tarde, se não chover, vou a Além-Rio. Depois, regresso ao trabalho, e depois talvez vá a Chipre.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

FORCADOS E CIDADANIA

No meio da enorme confusão das últimas semanas, entre tanta incerteza e dados contraditórios, houve muitos dados positivos e gestos de grande solidariedade. Uns de maior visibilidade, outros mais discretos e contidos. Fui, ao longo das semanas, tomando nota de coisas que iam acontecendo, e registando atitudes generosas, que passaram ao lado da maior parte da imprensa. E que não me recordo de ter visto na “grande comunicação social”. Há problemas e constrangimentos? Há gente e instituições em dificuldade? Há questões a resolver? Houve quem se chegasse à frente. Como os Forcados Amadores do Ramo Grande, na Terceira; como os Forcados Amadores de Alcochete; como os Forcados Amadores de Coimbra; como os Forcados Amadores de Monsaraz, como os de Coruche, como os do Montijo, como os Amadores do Aposento do Barrete Verde de Alcochete, como os de Lisboa. Mais os de São Manços e os de Beja.

Como os de Moura. Era aqui que queria chegar e é aqui que bate o ponto. Se alarde, nem espavento, os Forcados de Moura estiveram presentes nesta campanha de solidariedade. Fraternidade e solidariedade são palavras que rimam com os moços do Real de Moura. A fraternidade presente num grupo com quase 50 anos, e que representa o concelho e deixa Moura bem vista, por onde quer que passa. A solidariedade que se manifesta na praça, nos bons e nos maus momentos. E, também, fora dela. Que tenham dito “presente!” para tomarem cargo a Festa de Nossa Senhora do Carmo diz bem o que lhes vai na alma. Que tenham assegurado, em simultâneo, a preparação da temporada e a festa da padroeira é verdadeiramente invulgar. Esta parte não me contaram, eu vi.

Não haverá, quase de certeza, temporada. Não é por isso que a atitude é menor. Não é por isso que o esforço e o empenho diminuem. Nunca fui forcado. Mas percebi, em especial no decurso dos últimos anos, e no afortunado contacto que com eles tenho tido, que a pega é em si, mais que um ato de bravura (que o é) é uma atitude e um princípio. Na arena e na vida.

Fiquei orgulhoso com esta atitude, e sabia que os moços do Real de Moura iriam estar na linha da frente. Foi assim que aconteceu, embora sem grande reconhecimento público. Os forcados não têm “imprensa”. Por isso, os gestos generosos como estes passam sem visibilidade e é hoje mais fácil atacá-los que tomar a sua defesa. É pena e não é justo.

Daqui a umas semanas, ou uns meses, a vida vai recomeçar o seu curso. Aos poucos e devagar. Voltaremos a conviver. O Real de Moura cá estará. E nós em eles. Porque a cidadania, a solidariedade e a generosidade não se apregoam. Praticam-se. Em 2021, eles terão a festa da padroeira de que gostariam. E terão, seguramente, a temporada alta do costume. Aquela que merecem ter.

Crónica no jornal "A Planície" de hoje

quinta-feira, 7 de maio de 2020

SEGURANÇA SOCIAL - SENHA 582B47

Tive de tratar de um assunto na Segurança Social. Sabia que era uma coisa simples e que a resposta não tardaria mais de três minutos. A verdade é que não encontrava a resposta nas questões frequentes, nem no site, nem aqui, nem ali. Não tinha querido lugar para o número de atendimento. O meu assunto não era urgente, e havia, seguramente, quem precisasse mais de atendimento rápido que eu.

Esperei pelo fim do estado de emergência. Marcações só online. OK, cá vamos nós. Clique aqui, clique ali, agora o código, agora a password, agora o número, qual o assunto, onde mora, onde prefere ir. Tudo em alta velocidade. Comecei a ficar animado. Pronto já está, marcação feita para as 9:45 de terça-feira, dia 11. Comovido recebi uma senha. Logo a seguir um mail onde se lia:

Para sua comodidade, utilize o código da marcação para retirar senha, caso o local de atendimento disponibilize o serviço de Marcações na dispensadora.
Para facilitar a chamada da sua senha à hora da marcação, na dispensadora de senhas selecione o serviço de Marcações e digite o Código da Marcação.
Depois espere pela chamada da sua senha por volta da hora de marcação.
Código da marcação: 582B47


Na véspera, novo mail e mais uma SMS, recordando a hora e o código. Nessa altura, já estava quase em lágrimas, com tanta atenção.

No dia a seguir, lá fui. Cheguei ao local às 9:42. Havia seis pessoas à porta, duas que ainda não tinham feito marcação, nem sabia o que eram marcações online. Pior, a senhora que tinha senha para as 9:10 ainda estava à porta. Bem como a das 9:30. Estava gerado um portuguesíssimo debate, "as senhas não contam, o que conta é a chegada aqui", "a que entrou antes está lá há meia-hora". Etc.

Comecei a achar uma certa graça à situação. Nós gostamos muito de fingir que somos teutónicos, organizamos tudo, muito online, muito códigos, muitas SMS. Mas, depois, entra-nos aquela veneta latina e pomos tudo de pantanas.

Voltei para casa. Liguei para o 300.502.502, esperei uns minutos e resolvi a minha dúvida num ápice. Ao menos, isso funcionou. E o funcionário ia trauteando uma música, enquanto eu esperava pela resposta. Sempre é melhor que os guinchos eletrónicos dos computadores.




Eu, fazendo fitness e treinando a próxima ida à Segurança Social.

MÁSCARAS

Uma cena de máscaras da História do Cinema, agora que tanto nelas se fala. Uma cena inesquecível de "Era uma vez na América". Visto no Cinema Mundial, na primavera de 1986.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

O BANCO DE PORTUGAL, OS RICOS E OS POBRES

Tecnicamente falando, aritmeticamente falando, deve ser verdade.
Quem nada tem, nada perde. Quem muito tem, alguma coisa pode perder.
É nestas alturas que a Economia passa de ciência social a ciência anti-social.
Só me consegui lembrar de um velho cartoon de Sempé, em que um casal idoso vê televisão no seu majestoso palácio. E segue, de ar angustiado, um concurso onde alguém tenta ganhar meia dúzia de tostões.

MODOS DE DIZER

Há muitos anos, John Berger escreveu um importante ensaio intitulado "Modos de ver". Que explicava as formas de ver e de interpretar, e de nos levar a interpretar, as obras de arte. Chamava, num determinado ponto, a atenção para o valor condicionado da palavra. Lembrei-me dele, pela manhã, ao olhar a capa do Público. Podiam ser apresentadas muitas fotografias, mas foi aquela. Podiam ser dados muitos títulos, mas foi aquele. O dos crimes contra o Estado. Está (quase) tudo dito.

terça-feira, 5 de maio de 2020

LÍNGUA PORTUGUESA

O cartaz é muito bonito.
Os poemas em língua portuguesa também o são.
Esta cantiga de amigo, de Martim Codax, está na raíz da nossa língua.

Ay Deus, se sab' ora meu amigo

Ay Deus, se sab' ora meu amigo
com' eu senneira estou en Vigo!
E vou namorada.

Ay Deus, se sab' ora meu amado
com' eu en Vigo senneira manno!
E vou namorada.

Com' eu senneira estou en Vigo,
e nullas gardas non ei comigo!
E vou namorada.

Com' eu senneira en Vigo manno,
e nullas gardas migo non trago!
E vou namorada.

E nullas gardas non ei comigo,
ergas meus ollos que choran migo!
E vou namorada.

E nullas gardas migo non trago,
ergas meus ollos que choran ambos!
E vou namorada.


segunda-feira, 4 de maio de 2020

CARTA ABERTA - BIBLIOTECAS: ESTAMOS DISPONÍVEIS

Recebi, no sábado, convite de Zélia Parreira (diretora da Biblioteca Pública de Évora) para subscrever o documento que se segue. Assinei a petição, com todo o gosto. Grande parte de minha vida profissional foi passada em bibliotecas. Tenho as minhas preferidas (a Nacional de França, em Paris; a do Instituto Arqueológico Alemão, em Madrid, como locais de trabalho), mas a que gostava mesmo de visitar era esta:
Bem entendido, importantes mesmo são as nossas. As da rede de leitura pública e todas as outras. Aquelas por onde andei, e ainda ando. Sem ter começado por elas, nunca teria frequentado as outras. Sem a pacatez da Biblioteca de Mértola, os livros da Mouraria e de Bolama não teriam sido terminados. 
Exmo. Senhor Presidente da República,
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República,
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,
Exma. Senhora Ministra da Cultura,
Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo da Associação Portuguesa de Municípios Portugueses
As Bibliotecas são uma das instituições mais democráticas da sociedade. Ao longo da vida, todos os cidadãos acedem às Bibliotecas e usufruem dos seus serviços de forma gratuita e universal: espaço de leitura e empréstimo de livros, jornais e revistas, acesso à internet, espaço de estudo, investigação e trabalho, imaginação e criação, local de conversa e debate de ideias, de realização de atividades lúdicas, exposições, conferências, encontros com autores e criadores.
São lugares que combatem o desemprego através do apoio à procura de emprego e da qualificação dos trabalhadores, reduzem os níveis de iliteracia da população, promovem atividades de formação, fomentam a literacia digital, incluindo o apoio assistido na prestação de serviços online por forma a servir melhor o cidadão. São lugares de proximidade e afetividade, que ligam as pessoas, combatem a solidão, estimulam as competências sociais, tornando as comunidades mais coesas. A par com a rede escolar, a rede de serviços de saúde ou os serviços de protecção civil e segurança, estão implementadas em todo o território nacional. São lugares que não podemos dispensar.
As bibliotecas foram das primeiras instituições a encerrar os seus espaços durante o período de confinamento devido à epidemia da COVID-19, e das primeiras a reabrir. Durante este período continuaram a trabalhar e, apesar das fragilidades, adaptaram-se a esta nova realidade, reinventando-se rapidamente no meio digital, em resposta à crescente procura e pressão dos cidadãos, incluindo muitas pessoas que habitualmente não as frequentavam.
Não obstante, as Bibliotecas têm vindo a ser negligenciadas na política cultural, e praticamente ignoradas no quadro atual das medidas extraordinárias de apoio à cultura.
Tendo em conta que:
  • Somos agentes ativos e de proximidade nas nossas comunidades e estamos disponíveis para ajudar a reconstruir o tecido cultural, social e económico.
  • Chegamos a um público heterogéneo e transversal à sociedade portuguesa, com utilizadores de todas as idades, estratos sociais e convicções, sem discriminação de qualquer tipo.
  • Facilitamos o acesso às tecnologias digitais e à Internet, contribuindo para diminuição da brecha digital, através da disponibilização de equipamentos, rede Wi-Fi e da formação dos cidadãos nestas áreas. 
  • Promovemos o uso ético e crítico da informação nas mais diversas áreas, das quais destacamos, nesta fase, o combate às notícias falsas e a informação de saúde pública e familiar.
  • Somos elementos chave na rede cultural dos municípios, apoiando e promovendo os criadores e as livrarias locais.
  • Num país assimétrico, somos frequentemente o único instrumento de combate à infoexclusão e contribuímos para o desenvolvimento dos territórios mais periféricos.
  • Recolhemos e valorizamos o património cultural imaterial e a memória local, elementos estruturantes da identidade das comunidades.
  • Constituímos uma rede de apoio à investigação e ao acesso à informação científica.
Propomos que:
  1. As Bibliotecas sejam incluídas e valorizadas como agentes na política de recuperação para o sector cultural promovida pelo Ministério da Cultura.
  2. Seja restabelecido o Conselho Superior das Bibliotecas Portuguesas, com uma nova composição, onde as instituições representantes do sector (Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, Biblioteca Nacional de Portugal, Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Fundação para a Ciência e Tecnologia e Associação Nacional de Municípios Portugueses) possam participar na definição de políticas.
  3. Sejam iniciadas discussões interministeriais, nomeadamente com o Ministério da Educação, Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior e Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, considerando as bibliotecas como equipamentos habitualmente designados como second responders, capazes de dar resposta aos múltiplos desafios da sociedade portuguesa, nomeadamente através do acesso à informação e ao conhecimento.
  4. Seja definida regulamentação legal para as bibliotecas (Portugal é um dos quatro países da União Europeia que não dispõem de instrumentos legislativos para o sector) que contemple, entre outros aspetos, orientação técnica especializada, serviços e (re)qualificação profissional e critérios rigorosos de admissão à profissão.
  5. Sejam definidas e clarificadas as exceções e limitações apropriadas à legislação de direito de autor, essenciais para o trabalho das bibliotecas, em particular no ambiente digital. A desadequação ou a inexistência de exceções para as bibliotecas coloca sérios constrangimentos ao cumprimento da sua missão de acesso à informação de forma legal, como foi evidente durante este período de confinamento.
  6. Seja criado um programa específico para a constituição ou valorização dos fundos locais nas bibliotecas.
  7. Seja feita uma aposta na rentabilização dos espaços, equipamentos e recursos das bibliotecas, evitando a duplicação de investimentos e projetos. 
  8. As bibliotecas sejam efetivamente incluídas na Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030, Portugal INCoDe.2030, como entidades envolvidas na implementação das medidas previstas (assegurar a generalização do acesso às tecnologias digitais a toda a população).
  9. Seja disponibilizada uma plataforma nacional de livros e conteúdos digitais em língua portuguesa reforçando o papel das bibliotecas enquanto mediadoras da leitura, informação e conhecimento com um modelo de consórcio semelhante ao da B-On.
A crise inesperada que se abateu sobre o país e o mundo devido à COVID-19 terão consequências a longo prazo na vida dos cidadãos e os seus impactos não serão medidos apenas em termos de saúde. O desemprego, a pobreza e os impactos psicossociais têm custos humanos muito reais. As medidas de recuperação exigem uma rápida adaptação das competências dos cidadãos a uma nova realidade social, laboral, cultural e económica. As bibliotecas podem, e têm condições, para participar, como agentes ativos, nos pacotes de estímulo de investimento desenvolvidos pelo Governo no combate à crise, apoiando as populações.
Estamos disponíveis.
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