sexta-feira, 31 de março de 2023

E CHEGA ABRIL

Ontem, ao redigir um texto que me pediram, achei que a melhor maneira de o começar era com um poema de Verlaine, que teve um significado muito especial, na primavera de 1944. Optei pela versão de Manuel Bandeira e não pela original. A cadência muito particular do poema em francês é aqui quase retomada pelo poeta brasileiro. Coisas do talento.

E chega abril, que março terá sempre uma carga outonal. Com Verlaine e as cores de Martin Parr.













Loders Street Fair, England, 1999, by Martin Parr


Canção de outono

Estes lamentos

Dos violões lentos

Do outono

Enchem minha alma

De uma onda calma

De sono.


E soluçando,

Pálido, quando

Soa a hora,

Recordo todos

Os dias doidos

De outrora.


E vou à toa

No ar mau que voa.

Que importa?

Vou pela vida,

Folha caída

E morta.

quinta-feira, 30 de março de 2023

CINCO MINUTOS DE JAZZ

As entradas no infantário e na escola primária eram marcadas, pelos anos de 2000/2001, pela companhia da Antena Um. Saída de casa às 08:50. Uns minutos mais tarde ouvíamos 1,2,1,2,3,4,5 minutos de jazz. O Manuel, do alto dos seus 8 anos, entusiasmava-se com o indicativo do programa e queria a música toda. E agora? Lá me resolvi a escrever, com pouca esperança, a José Duarte. A resposta foi pronta e irónica: se o correio eletrónico ainda não tinha chegado ao Alentejo..., para depois me esclarecer que a música era o Lou's blues, de Lou Donaldson (n. 1926). Quem nos arranjou depois o disco foi o Francisco Mota Veiga, que tinha um amigo que é crítico e programador de jazz.

Continuei a ouvir o programa, ao longo dos anos, sabendo histórias e conhecendo músicas e músicos. Um serviço cultural que durou décadas. Obrigado, José Duarte.


STARDUST MEMORIES Nº. 67: EL CASINO

Chamava-se Bar Portugal, e ficava em Paymogo no nº. 46 da Calle Calvo Sotelo, mais ou menos a meio da rua. O dono já não está entre nós há cerca de 40 anos. É aquele senhor de óculos de aros grossos, assim um pouco à Woody Allen, que está detrás do balcão. Sempre sorridente e sempre mais que distraído. Parece que a parte do ser despistado é de família...

Para mim, o bar não tinha nome. Era, simplesmente, el casino ou el bar de tito Juan. O trabalho não parava. Nas memórias de outros tempos ele é o protagonista principal. E recordo como coadjuvante o Joaquín, que era adolescente e que me aparava os golpes. O Joaquín foi para a Alemanha e nunca mais o vi.

A fotografia está num grupo do facebook. Creio que foi feita para uma festa da primeira comunhão. Tudo aquilo tem um ar muito marcial. Até o padre...

quarta-feira, 29 de março de 2023

CARSON CLAY À SOLTA

Nunca a expressão absurdo total me pareceu tão apropriada como para um filme que por aí anda e que tem por título Tudo em todo o lado ao mesmo tempo. Uma narrativa sem narrativa (Resnais fez isso há muitos anos, e bem melhor) e uma "cultura" de pop-ups vertida em filme. E um infantilóidismo à prova de tudo... É como se Carson Clay se tivesse libertado do filme de Mr. Bean e andasse por aí à solta. Saímos a meio.


terça-feira, 28 de março de 2023

DIAMANTES

Uma vez, há muitos anos, coloquei aqui um excerto de um filme com Marylin Monroe, o hoje esquecido e muito bom All about Eve. Este Os homens preferem as loiras foi realizado por Howard Hawks (!) e tinha ainda a the two and only Jane Russell.

Bem entendido, este excerto do filme foi a inspiração do clip de Majida el Roumi e do seu Etazalt El Gharam. Um grande êxito de há uns anos nos países do Levante.



segunda-feira, 27 de março de 2023

CUNCOS: (MAIS) UMA QUESTÃO TOPONÍMICA

A meio da escrita de um texto sobre caminhos volto a encalhar num topónimo difícil de resolver. Na versão de Huici Miranda do Rawd al-Qirtas leio "la fortaleza de Atrankish - Trancoso - en la província de Badajoz". A correspondência com o topónimo beirão nada tem de lógico.

Mas aquele som faz-me lembrar uma passagem do Muqtabis II-1. Volto a esse. Aí se fala da "fortaleza de Franksh - Barrancos - sobre el Guadiana". A hipótese de uma fortaleza islâmica em Barrancos é ainda mais absurda.

Tenho boas razões para acreditar que se trate do Castelo de Cuncos, no rio Guadiana.

1. O sítio tem ocupação importante desde a Alta Idade Média;

2. Foi um hisn de algum destaque, conforme o provam a fortificação e a necrópole;

3. Está sobre o Guadiana e teve ocupação até à Reconquista;

4. Há a questão da similitude fonética;

5. Há a questão paleográfica: a semelhança entre o ta, o qaf e o fa é razoável.

Questão final: não me dei conta que esta questão toponímica esteja resolvida. Caso assim seja, e porque me pode ter escapado a bibliografia, agradeço que me avisem. É sempre desinteressante resolver o que já está resolvido.





NAS LARANJEIRAS

Il Fanatico per la Musica: O Conde do Farrobo e o Teatro das Laranjeiras é a exposição. Magnífica e muito clara. Quase didática. O quase tem a ver com as legendas, que são muito difíceis de ler.

A fachada do teatro contrasta bem com o interior. E aquele teatro, recuperado muitos anos depois do incêndio que o destruiu, é um achado para um espaço multi-funções, numa zona da cidade menos habitual, no que a este tipo de equipamentos diz respeito.

Olho muitas vezes a Quinta das Laranjeiras e pergunto-me "até quando?...".



domingo, 26 de março de 2023

STARDUST MEMORIES Nº. 66: JAN E MARIA À DESCOBERTA DO MUNDO

Foi uma das mais importantes leituras dos meus 10/11 anos. Juntamente com a "História de Portugal", de António Mattoso. E da "Menina do mar" e de "O rapaz de bronze", de Sophia.

Esta série de quatro aventuras, escritas por Jacques e Monique Wolgensinger levavam-nos a percorrer países (Finlândia, Itália, Portugal e Irlanda). Os dois primos, Jan e Maria, andavam de cidade e cidade, sempre com algum mistério em pano de fundo. As narrativas estavam bem escritas e eram acompanhadas por pequenas caixas informativas sobre as cidades ou sobre personalidades referentes aos locais onde a ação tinha lugar.

50 anos volvidos ainda sou capaz de reproduzir passagens dos livros, tal o impacto que em mim tiveram.

Jacques Wolgensinger era, salvo erro, diretor de comunicação da Citroën. Talvez por isso um dos livros, o primeiro da série, era sobre um rally. Um homem talentoso.


sábado, 25 de março de 2023

MÉRTOLA, QUASE...

Dia 22 (quarta). Às 22:51 recebi um correio eletrónico. O Pedro Gonçalves comunicava-me que, depois de um difícil processo de paginação - isto de ter ou não ter o akhbar mt faz toda a diferença... - estava terminado o livrinho Mértola - مارتلة. Um trabalho de produção a três, com a participação decisiva do Manuel Passinhas  Apresentação no Festival Islâmico.

É o segundo da colheita/2023. Espero terminar mais um até junho. Para o segundo semestre não há nada.

sexta-feira, 24 de março de 2023

CAIXA CULTURA - MAIS UMA EDIÇÃO

O Programa Caixa Cultura foi criado para apoiar iniciativas de âmbito artístico e cultural, com o objetivo de promover, financeiramente, projetos nacionais, de qualidade e criatividade inequívoca, nas seguintes categorias: Teatro, Dança, Música, Artes Visuais, Cinema, Literatura, Performance, Conferências e Debates.

Este Programa destina-se a cidadãos portugueses, ou que residam em Portugal, maiores de 18 anos, bem como a entidades coletivas que desenvolvam atividades relacionadas com as áreas identificadas.

Ver:

https://www.cgd.pt/Institucional/Caixa-Cultura/Pages/Caixa-Cultura.aspx?fbclid=IwAR0Pv7di-iV6nHPMeUh295d6S80wFeBRgaaLx1kQBRAlKhyTxjs1xy2MQcQ


LVII - CRÓNICAS OLISIPONENSES: 18E

A caminho de uma reunião no Palácio da Ajuda optei, e bem, pelo elétrico. O 18E, ao longo do rio, depois entrando na cidade e subindo a encosta, num percurso de 23 minutos.

A partir do momento em que entrámos em Alcântara o ambiente tornou-se popular. Os utentes conheciam-se e conheciam o condutor. Deixei-me embalar até ao local do destino.


quinta-feira, 23 de março de 2023

ELVAS À VISTA!

Não, não é Badajoz, é mesmo Elvas. Será o sétimo ponto de paragem da exposição sobre o trabalho de Duarte Darmas. Dentro de 24 horas, no Castelo de Elvas, sítio bem visível nos desehos quinhentistas.

Oitavo local, a partir de meados de abril: Alandroal.


AINDA HÁ (MUITA) ESPERANÇA

Eram 17:53:03 de ontem quando fiz a fotografia. Estava no pátio da FCSH e um animado grupo de estudante pintava cartazes. Falei com um deles. Informou-me que estavam a preparar a preparar uma manifestação para hoje. Iam/vão protestar. Entre o Chiado e a Assembleia da República. Desejei-lhes sorte. E fui para a aula mais confortado.

Amanhã é Dia do Estudante.



quarta-feira, 22 de março de 2023

TÊ-PÊ-I

O direito dos mais fortes à liberdade. Prender Putin? Claro. E Bush e Blair, também. Os das armas de destruição maciças. No Iraque morreram, desde a invasão americana, cerca de 300.000 civis (números da Brown University). Incriminar os criminosos? Digam lá isso ao TPI...



 

912

912 é a data que está numa pedra à entrada da igreja (DCCCCL - 38). Admite-se que a igreja possa ser um pouco anterior. Datam do mesmo período as muralhas de Idanha-a-Velha (Carlos Alberto Ferreira de Almeida deixou-nos páginas precisoas sobre a datação do sítio), tal como a igreja-mesquita da cidade.

É o ano em Ibn Hayyan começa a sua narrativa do Muqtabis V.

Um ano depois Ordonho devasta Évora.

Dois anos depois, as muralhas de Évora são reconstruídas.

Ibn Marwan e as-Surumbaqi andavam pelo "ermo que há entre as comarcas muçulmanas e cristãs", diz Ibn al-Qutiya. Nesse ermo temos a magnífica igreja de S. Pedro de Lourosa.


terça-feira, 21 de março de 2023

ENID BLYTON

Em 24.1.2013 escrevi aqui:

"Já não se encontram nas bibliotecas [os livros de Enid Blyton], creio eu. Oxalá esteja enganado". Na verdade, já não se encontram, porque agora os escondem. Detesto censores. E gente que até os gaspachos assopra. E os de cérebro penteadinho. A esses, e às "pessoas bibliotecárias" (parece que agora fica bem dizer assim) que escondem livros, tenho todo o gosto em dedicar este excerto de Adília Lopes, que também vai ser censurada e ocultada, um destes dias:

"Em 81 disse à Dr.ª Manuela Brazette, psiquiatra, "Eu sou feia". Ela disse-me "Não é ser feia. Não há pessoas feias. Não tem é atractivos sexuais". Lembrei-me então do homem que em 74, tinha eu 14 anos, se cruzou comigo no Arco do Cego. Lembrei-me do homem, da cara do homem vagamente, mas lembrei-me muito bem do que ele me tinha dito ao passar por mim. Tinha-me dito "Lambia-te esse peitinho todo". Lembrei-me também da meia-dúzia de outros homens que durante a minha adolescência me tinham dito quando eu passava "Coisinha boa" e "Borrachinho". Ainda hoje me sinto profundamente agradecida a esses homens. Pensei que estavam a avacalhar, que eram uns porcalhões. Mas quem estava a avacalhar era a Dr.ª Manuela Brazette, ela é que é uma porcalhona. Acho que um homem nunca consegue ser mau para uma mulher como outra mulher."

(Adilia Lopes, Irmã barata, irmã batata. Braga/Coimbra: Angelus Novus, 2000. p. 12)














QUINTA-FEIRA, 24 DE JANEIRO DE 2013

PRIMEIRAS LEITURAS: A AVENTURA NO BARCO

Mais uma memória dos 9/10 anos. Os livros da série "aventura", de Enid Blyton (1897-1968). Aventuras em família, mas de grande fôlego. A série foi escrita entre 1944 e 1955. O meu volume preferido é este, A aventura no barco. A história inclui o Mediterrâneo, uma fuga numa semi-desértica ilha grega, um labirinto e um tesouro dado como perdido. Há salteadores de sítios arqueológicos pelo meio. Deve ter sido o exotismo que me arrastou para este livro. E talvez para algo mais. Lembrei-me dele, muitos anos depois, na ilha de Hydra, durante um longo passeio até um mosteiro esquecido numa montanha.

Mais um livro "esquecido". Já não se encontram nas bibliotecas, creio eu. Oxalá esteja enganado. 

BAR DA ESTAÇÃO

Os bares das estações estão no fundo da escala, em termos da qualidade do que servem. Os preços são inversamente proporcionais. Acontece que os trabalhadores não recebem. Alguém ganhou com o negócio. E não foram eles.

Há já muitos dias que este protesto está à entrada da estação de Santa Apolónia. Só foi notícia a sério quando os trabalhadores - são trabalhadores, não são colaboradores coisíssima nenhuma! - impediram a saída de um comboio.

Onde anda a Justiça em Portugal?


segunda-feira, 20 de março de 2023

PRIMAVERA, DE NOVO

 Começou agora mesmo. O quadro de Arcimboldo é que tem 450 anos.













Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro in Poemas inconjuntos


LEOPOLDO DE ALMEIDA E ANTÓNIO DUARTE NA BOBADELA

No centro interpretativo da Bobadela (Oliveira do Hospital), o jovem e simpático colega João Cid Brito perguntou-me se já tinha visitado o Museu Dr. António Saraiva Simões. Não tinha, mas ele informou-me que havia peças em gesso de Leopoldo de Almeida e de António Duarte, idênticas às que estão no Panteão. De facto assim é, e eu não tinha a mínima ideia que as estátuas lá tinham ido parar. Embora, a história da "deslocação" seja uma trama 100% lusitana.

Presentes as quatro imagens da nave central (S. Teotónio, Santo António, São João de Deus e São de Brito) e mais as três da entrada (Santo Condestável, Santa Isabel e Santa Engrácia). Com pouca leitura e pouca escala, mas lá estão.

domingo, 19 de março de 2023

SPLENDIDISSIMA CIVITAS

O google não perdoa, estiveste aqui em 16 de setembro de 2020. É verdade. O regresso foi marcado por uma crescente curiosidade/interesse em relação a esta zona. Não conheço a realidade medieval de Bobadela (Oliveira do Hospital), mas "isto" e a exploração dos metais têm a ver com Lourosa, a 6 quilómetros, e com Idanha-a-Velha, a 75. E a "tudo isto" não é alheia a figura de um tal as-Surunbaqi, nem a de um tal Ibn Marwan. O Castelo de Avô é, certamente, um dos pontos nas serranias entre Santarém e Coimbra de que nos fala Ibn Hayyan. Não é preciso termos "árabes" para reler a história desta região...


sábado, 18 de março de 2023

GRÃO VASCO SEM GRÃO VASCO: EDUARDO VIANA EM OLHÃO

E mais uns passos e a modernidade de Eduardo Viana. Olhão, tal como era há 100 anos. E que me evoca um texto de Sophia de Mello Breyner Andresen, de 1962.












O caminho da manhã

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada. 

Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.

in Livro Sexto, 1962

GRÃO VASCO SEM GRÃO VASCO: SILVA PORTO EM CAPRI

Mais uns passos e aparece Capri, pela mão de Silva Porto (1850-1893). Um genial pintor naturalista, que viu a sua carreira encurtada pela doença. Capri, o seu céu azul, as paredes brancas, as janelas com persianas foram também tema para Henrique Pousão.


GRÃO VASCO SEM GRÃO VASCO: 35 ANOS DEPOIS, A CERÂMICA MODELADA

O museu é excecional, a todos os níveis, e o staff é de uma enorme simpatia e profissionalismo. Há Grão Vasco, claro, mas não foi esse o meu tópico do dia. Vários temas me desviaram. Deixei-me ir, como quase sempre faço nos museus.

Primeiro tema: um quadro do napolitano Giuseppe Recco (1634-1695). Comecei a olhar para as cerâmicas modeladas em 1987 (!), trabalhei-as, em conjunto com o Miguel Rego, a partir do ano seguinte. A publicação (edição da Câmara de Moura) saiu em 2005, salvo erro.

Rever esta forma num quadro de um pintor que trabalhou na Península Ibérica deu-me vontade de regressar ao tema. E porque não?

quinta-feira, 16 de março de 2023

SOCIEDADE ORIENTAL

O grupo de senhoras estava numa loja, em Khan el-Khalili, no Cairo. Entrei para comprar prendas lá para casa. Comentei para a Anne-Marie, colega de uma aventura chamada Discover Islamic Art: "que grupinho tão simpático". Ela, de chofre, em francês, "est-ce que ce jeune homme [45 anos na altura...] peut vous faire une photo?". Espantei-me ao perceber que as senhoras falavam francês. Percebi depois que eram cristãs e que pertenciam a uma certa "classe alta" do Cairo. Posaram de imediato, em tom festivo.

A Anne-Marie insistiu em que eu fizesse uma fotografia com as senhoras. Pensei que não quisessem "avec les dammes??". E a senhora do lado direito, muito bonita e com ar de líder, sentou-me ao lado dela, rindo muito, "oui, avec les dammes". Onde andará a Anne-Marie e o que será feito da fotografia?

quarta-feira, 15 de março de 2023

SANTA APOLÓNIA

Há dias, e por qualquer razão, o desembarque fez-se no cais 2 do metro, que está quase sempre fechado ao público. Pude então fotografar de perto um dos painéis de promoção turística da estação.

Santa Apolónia - nome de uma mártir cristã do século III - é, desde há quase dois anos, um nome que se me tornou quotidiano. Ali existiu decerto uma pequena capela, como era costume na Alta Idade Média. Agora é nome de estação, bem representada nos azulejos de José Santa-Bárbara, que estão no átrio intermédio.

Tomei fôlego e preparei-me para "atacar" as Calçadas do Forte e do Cascão. São uns curtos 400 metros, a maior parte de subida íngreme. Panteão não é sinónimo de facilidade.

terça-feira, 14 de março de 2023

ES COSA DE HOMBRES!

Ontem dei comigo, vá lá saber-se porquê..., a lemrar de velhos anúncios que via em Espanha nos anos 70. Alguns deles hoje seriam "impossíveis". Como este, do Soberano, o equivalente ao Constantino "do lado de lá".

Es cosa de hombres? Havia de ser bonito... Para mais, o anúncio era sempre protagonizado por uma mulher. Ainda os/as/es/is wokistas se lembram de propor que isto seja banido da net.


segunda-feira, 13 de março de 2023

EM ÉVORA, DAQUI A 25 DIAS

A exposição começou pelo Ateneu Mourense. De 22 de outubro a 26 de novembro. Segue agora para Évora. Uma surpresa muito simpática.


ALANDROAL - UMA INSCRIÇÃO DESCONHECIDA

O Castelo de Alandroal tem, numa das suas portas, uma lápide extraordinária. O autor do texto ousou escrever, em caracteres latinos, o lema dos reis de Granada. Escreveu depois "eu mestre Galvo fui mestre de fazer este Castelo (...)". Deixou depois - admitamos que foi o mesmo lapicida - a inscrição "mouro me fez" noutra peça.

As surpresas não acabam aqui. Recentemente, Luís Faria, antigo professor do Instituto Superior Técnico, descobriu uma segunda lápide com o lema dos reis de Granada. A pedra está encastrada numa parede e, portanto, apenas parcialmente legível. Um verdadeiro achado, agora dado à estampa na revista Callipole, editada pela Câmara Municipal de Vila Viçosa (nº. 28, de 2022).


domingo, 12 de março de 2023

A COMPLEXIDADE DE COMPRAR UM BILHETE...

Há dias comprei um bilhete para um evento público. O site era holandês, salvo erro. A pergunta do sexo do comprador tinha esta fantástica variedade. Era só para comprar um bilhete, caramba...







POR TERRAS DE MOURA

UM DESENHADOR DA CORTE DE D. MANUEL I EM MOURA

 

Por volta de 1510 passou por Moura um funcionário da corte de D. Manuel, que passaria para a posteridade como Duarte Darmas. Sabe-se que teria então uns 45 anos e que era filho de um membro da baixa nobreza chamado Rui Lopes de Veiros.

 

O talento de Duarte Darmas para o desenho levou a que o encarregassem da difícil tarefa de registar as fortalezas da fronteira. Eram quase 60, das quais 20 se situavam (situam) na fronteira alentejana. O trabalho foi levado a cabo com engenho. Duarte Darmas desenhou cada localidade em perspetivas opostas (norte-sul, este-oeste, consoante os casos), dando uma imagem muito cinematográfica de campo e contracampo. Mais, registou também as alcáçovas desses castelos, medindo tudo em varas e pés.

 

O Livro das Fortalezas era um muito valioso documento de estratégia militar, pelo número de informações relevantes que fornecia. Com o passar do tempo tornou-se, nessa perspetiva, menos importante. Mas é uma obra-prima da Arte mundial. Conserva-se hoje na Casa Forte da Torre do Tombo.

 

Como noutros sítios, Duarte Darmas deixou-nos uma colorida imagem da nossa terra. Tal como noutros sítios, o desenhador “inventou” perspetivas, mostrando-nos Moura numa verdadeira imagem aérea, que só com moderna tecnologia seria possível de conceber. A vista tirada de oeste, que aqui se reproduz parcialmente, mostra-nos, numa mesma imagem, a primitiva igreja do Carmo e a antiga bica da Santa Comba. Tentem lá ver isso em simultâneo, ao nível do solo…

 

Foi esse o ponto de partida para um projeto iniciado em 2004, interrompido em 2005 e retomado em inícios de 2018. Que fazer e como fazer? Registar todas as localidades com um drone, comparar como eram os sítios e como estão agora, fotografar depois ao nível do solo todos os pontos principais definidos por Duarte Darmas, ilustrar as imagens com excertos das “Memórias Paroquiais” de 1758 e, de seguida, divulgar o trabalho. Um percurso longo e mais duro do que imaginaria. E que só ficou terminado em outubro de 2022, quando a exposição foi inaugurada em Évora.

 

A itinerância do projeto não parou desde então: Évora, Castelo de Vide, Lisboa, Moura, Serpa, agora Mértola, depois Elvas, Alandroal, Barrancos, Mourão, Campo Maior e Monforte, até final de agosto. Depois Oeiras e Palmela. Do ponto de vista profissional, poucas coisas me dão mais prazer que sentir que o estamos a fazer é útil para outras pessoas. Sobretudo, pela crucial importância que a divulgação do Património tem. O livro, o filme e a exposição podem ser consultados, sem quaisquer custos, no site do projeto – www.duartedarmas.com.


Crónica em "A Planície"


sábado, 11 de março de 2023

O VIGÉSIMO PREMIADO E OS TANGUISTAS QUE VENDIAM A TORRE DE BELÉM

Eram histórias clássicas dos meus tempos de infância: ou se queria vender um bilhete da taluda que estava premiado e que o vendeor não tinha tempo para levantar mas que cedia por uma valor muito mais baixo (imensa gente caía na esparrela) ou aparecia, com regularidade, um incauto que "comprava" a Torre de Belém ou o Castelo de S. Jorge.

Agora é a sério. Que uma muralha possa estar incorporada numa propriedade particular é possível, bem entendido. Que se escarrapache uma pancarta na própria muralha é o cúmulo da desfaçatez.


sexta-feira, 10 de março de 2023

NOITE NA TERRA: O EPISÓDIO ITALIANO

No filme Vedo nudo/Vejo tudo nu(1969), de Dino Risi (1916-2008), um homem vai a tribunal, acusado de ter violado uma galinha. São atores principais desse extraordinário sketchUdienza a porte chiuse, Nino Manfredi (1921-2004) e Nerina Montagnani (1897-1993). Não contarei a trama, que serviu de inspiração a Jim Jarmusch (https://www.youtube.com/watch?v=e0-bCUkiZ2E). Vejam até ao fim.

O filme "Noite na Terra" (1991), de Jim Jarmusch, inclui um padre e algo semelhante a uma confissão. Isso não faz dele, contudo, um filme religioso.
.
A figura do taxista é interpretada, de forma genial, por Roberto Benigni. O excerto que aqui apresento é a parte mais hard do sketch. Benigni, no meio das suas voltas nocturnas por Roma, durante as quais tem tiradas filosóficas que valem todo o filme, apanha um padre. Ao qual resolve confessar as suas iniciações sexuais. O monólogo mete abóboras e uma cabrinha.

Este texto foi publicado no dia 23.12.09. Retomo-o agora.

DA FESTA EM OLIVENÇA AOS HOOLIGANS NO METRO

No domingo não houve corrida de touros em Olivença. A chuva caiu, sem dó nem piedade. O público, que entrara ordeiramente, saiu ordeiramente. Chateado e resignado. A festa ficou por começar. Ou, como disse ao meu amigo Manuel Luís, "isto também faz parte".

Agora, que terminou mais uma jornada "de desporto", não resisto a contar a cena da passada terça-feira. No Terreiro do Paço, entrou uma horda de adeptos de um clube belga (as nossas "claques" não serão melhores, imagino). Murros nos vidros, urros, pontapés nos bancos, mais urros, socos no teto (as grelhas do ar condicionado ficaram desencaixadas) e umas cantorias alcoolizadas e indecifráveis etc. A senhora que estava à minha frente saiu, aterrorizada, na estação seguinte. Fui até ao ponto do meu destino, entre algum receio (cada vez menos receio, que eles não se metem muito com velhotes de cabelo branco) e a sensação de estar a viver numa jaula de feras. Feras brancas, europeias e civilizadas, bem entendido...

A diferença entre a atitude dos aficionados e destes adeptos "desportistas" é o espaço que vai da cultura à não-cultura...

quinta-feira, 9 de março de 2023

O PRÓXIMO LIVRO É HOJE: THALASSA! THALASSA!

Vai ser a quarta publicação em menos de dois anos. A apresentação, logo às 18 horas, estará a cargo de José Manuel dos Santos. 27 poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen, traduzidos para grego por Nikos Pratsinis, e 31 obras de arte da coleção da CULTURGEST num pequeno catálogo (design gráfico de Sónia Teixeira Pinto) com que quisemos homenagear a poetisa. O texto de introdução é da autoria de Maria Andresen.

FUJAM, QUE VEM AÍ MAIS UM PACOTE...

 












Leu-se nos jornais:

Identificadas as casas devolutas, os municípios poderão, então, apresentar ao respectivo proprietário uma proposta de arrendamento. Recebida esta proposta, o proprietário terá um prazo de dez dias, a contar da recepção, para responder ao município em causa.

Se a proposta de arrendamento for recusada pelo proprietário, ou na ausência de resposta, os imóveis poderão manter-se devolutos por mais 90 dias. Dentro deste prazo, a utilização do imóvel – por exemplo, sendo colocado no mercado de arrendamento, ou como habitação própria – servirá como "fundamento e causa para a exclusão da sua classificação como devoluto". Só no final deste prazo é que os municípios poderão avançar para o arrendamento forçado do imóvel.

No âmbito deste regime, será dada preferência a "imóveis que reúnem condições de habitabilidade que possibilitem o seu imediato arrendamento". Mas, se o nível de conservação do imóvel não permitir a sua utilização habitacional imediata, e como já está previsto por lei, os municípios poderão avançar com obras coercivas para corrigir as "más condições de segurança ou de salubridade". O valor das obras será descontado das rendas posteriormente cobradas no âmbito do arrendamento forçado.

https://www.publico.pt/2023/03/04/economia/noticia/proprietarios-terao-100-dias-dar-uso-casas-devolutas-arrendamento-forcado-2041131

Só vou ficar à espera de resultados práticos. Entre outras coisas...

domingo, 5 de março de 2023

EMÉRITO VITOR SERRÃO

Universidade de Lisboa decidiu atribuir ao Professor Vitor Serrão o grau de Professor Emérito, em reconhecimento do mérito académico e da relevância da atividade científica, lê-se na página do facebook do ARTIS - Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa.

Conheci o Vítor em 1987 ou 1988. Era um jovem assistente de História da Arte em Coimbra. Passou por Moura com o Joaquim Caetano. Trabalhavam num projeto sobre a pintura em Moura nos séculos XVI, XVII e XVIII, que apoiei com todo o entusiasmo. O livro acabou por ficar "congelado" durante uma década. Viria a ser editado em 1999.

Tenho-me cruzado, ao longo dos anos, muitas vezes com o Vítor Serrão. Intelectual empenhado, profundo conhecedor da História da Arte, professor reconhecido dentro e fora de portas, será um prazer estar na sessão de atribuição deste grau (esperando que a sessão seja pública, bem entendido).

Um abraço, Vítor, e que possa desfrutar longamente da tua Ítaca.

sábado, 4 de março de 2023

ESTA COISA DA UBIQUIDADE...

É claro que me pus a organizar cinco ou seis coisas ao mesmo tempo e é claro que sobrepus as datas de duas delas sem me dar conta.

E assim, enquanto a minha colega Isabel Inácio conduzia as senhoras da Câmara de Moura numa visita ao Panteão Nacional (tendo lido antes uma mensagem que deixei)  andava eu pelo Castelo de Mértola em mais uma apresentação do projeto de Duarte Darmas.

No final, acho que ficámos todos a ganhar.








sexta-feira, 3 de março de 2023

SOPHIA, DOMINGO À TARDE

A programação cultural tem sido uma das formas de passar a mensagem do Panteão Nacional. Esta prática de concretizar ações tem tido resultados frnacamente positivos, ao nível do aumento do número de visitantes e da visibilidade do próprio monumento.

Programação musical, edições, vídeos e PRR ocuparaão os próximos meses. Para já, no dia 5, temos as palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen.


quinta-feira, 2 de março de 2023

MÁSCARA Nº. 10: MÉRTOLA

Fotografia do boletim nº. 71 da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, datado de 1953. Esta cara é o que resta da entrada numa capela lateral, onde se deveriam conservar os últimos restos do alminar de Mértola.

O registo do que ali se fez foi bom, mas não excelente...