segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

NÃO É SÓ CÁ...

Temos aquele portuguesíssimo e masoquista hábito de dizer "só em Portugal". À conta disso tratamos de zurzir tudo e todos, porque nesse misterioso e longínquo país chamado LÁ FORA, as coisas não se passam assim.
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Claro que passam. Querem ver? A história foi-me contada pela Fátima, testemunha presencial dos acontecimentos e que se diverte, de tempos a tempos, a relatar-me as suas aventuras na Cidade-Luz. Esta parte gaga teve lugar no passado dia 17 de Fevereiro. A Ópera de Paris levava à cena Giulio Cesare, de Handel. A soprano Nathalie Dessay fora substituída, por ter ficado com a voz afetada por uma tremenda constipação. Para a qual terá contribuído, digo eu, aquela
mise-en-scène com as mamas ao léu durante as várias horas que dura a representação. No seu lugar surgiria Jane Archibald, que contracenaria com Lawrence Zazzo. Surgiria e contracenaria, digo bem. Porque ambos se constiparam e ficaram afónicos. Ela talvez por andar de mamas ao léu, ele não sei bem porquê. A Ópera de Paris anulou a representação? Não anulou nada. Contratou mais duas cantoras, Sandrine Piau e Sonia Prina, que cantaram em pleno palco, enquanto as vedetas principais abriam e fechavam a boca, num insólito playback. Uns davam o corpo, outros a voz. E Sonia Prina, uma mulher, cantava o papel de Giulio Cesare. Pas mal...
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No final, a Fátima, que pagara 180 euros pelo bilhetinho, pateou e vaiou furiosamente a coisa. Se bem a conheço, a gritaria devia ouvir-se ao Boulevard des Capucines... Concluía ela depois: "como vês não é só aí, aqui também dão estas barracas". Não me serviu de muito a conclusão, mas sempre fiquei um pouco mais confortado.
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Nathalie Dessay (em cima e em baixo)
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GEOGRAFIA FÍSICA: OS OLHOS

Tus ojos son la patria del relámpago y de la lágrima,
silencio que habla,
tempestades sin viento, mar sin olas,
pájaros presos, doradas fieras adormecidas,
topacios impíos como la verdad,
o toño en un claro del bosque en donde la luz canta en el hombro de un árbol y son pájaros todas las hojas,
playa que la mañana encuentra constelada de ojos,
cesta de frutos de fuego,
mentira que alimenta,
espejos de este mundo, puertas del más allá,
pulsación tranquila del mar a mediodía,
absoluto que parpadea,
páramo.
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Prossegue esta aventura da Geografia Física do corpo feminino - em princípio será apenas do corpo feminino -, ancorada em poemas e em fotografias. Desçamos do cabelo aos olhos. Com as palavras de Octavio Paz e com uma imagem de Man Ray. O olho esquerdo de Lee Miller tem uma fixidez que perturba. Ou talvez esteja eu a ler essa perturbação a partir da infância violenta da fotógrafa e pupila de Man Ray.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

DE HESÍODO A ALBERTO GORDILLO

Hesíodo (séc. VIII a.C.) falava, na Teogonia, das Hespérides que, para lá do Oceano, guardavam maçãs e outros frutos dourados. Diodorus Siculus (séc. I a.C.) escreveu uma História Universal, onde mencionava os regatos de prata da Ibéria.
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O extremo ocidente do mundo então conhecido era célebre pela riqueza das suas minas e pela prosperidade que elas garantiam. O trabalho dos metais está presente, desde épocas recuadas, nos nossos territórios. O tesouro do Álamo foi descoberto na freguesia do Sobral da Adiça e é hoje um dos mais conhecidos tesouros nacionais.
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Talvez essas marcas e essas memórias estejam presentes na origem dos trabalhos de Alberto Gordillo. E na luminosidade dos seus trabalhos. Um homem que, estando há muito longe de Moura, nunca de lá saiu.
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A inauguração do Museu Gordillo, que ontem teve lugar, faz com que o concelho de Moura passe a dispor de mais um equipamento de excecional qualidade. O Presidente da Câmara sublinhou bem, no seu discurso, a ligação entre Cultura, Turismo e Desenvolvimento Económico. Um ponto em que temos batido ao longo dos últimos anos. Contra ventos e marés e contra os pessimistas profissionais, sempre tão lestos a levantarem objeções. Espero bem que as suas palavras tenham sido atentamente ouvidas.
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O Alberto Gordillo fez questão, na sua intervenção, em destacar o meu contributo aquele projeto e para o impulso dado ao museu. Não era mesmo nada necessário, como lhe disse depois. Contribuí e contribuo, como tantas outras pessoas, para que as coisas avancem. Continuarei, com a mesma convicção, a rematar processos que foram abertos e que cremos serem cruciais para o bem-estar das populações e para o desenvolvimento do concelho.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

¿POR QUÉ NO TE CALLAS? OU O "MOMENTO JUAN CARLOS DE BORBÓN" DA MINHA CARREIRA POLÍTICA

A sessão da Assembleia Municipal de Moura ainda nem ía longa, quando um dos eleitos pelo Partido Socialista, useiro e vezeiro em interrupções à mesa, interpelou o Presidente, sem pedir a palavra, porque discordava do método seguido na condução dos trabalhos. Disse-o uma vez e repetiu-o mais três ou quatro vezes, sem pedir para usar da palavra e sempre em claro desrespeito para com o presidente do orgão.
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Às tantas, e já sem falta de paciência para mais disparates, levantei-me e interpelei o tal eleito, em voz bem alta: "Esteja calado! Cale-se de uma vez!".
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Deve um vereador intervir desta forma numa Assembleia Municipal? Claro que não.
E pode um membro da Assembleia desrepeitar o Presidente da Assembleia, ainda por cima de forma repetida? Obviamente que não.
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Depois do desassossego - que não me causa arrependimento - percebi melhor a saturação de Sua Majestade. E assim ganho mais um motivo (para além do gosto pela descontração, pelos copos com os amigos e pela admiração para com o belo sexo) para ter simpatia e para compreender o rei de Espanha.
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Em jeito de esclarecimento para alguém mais distraído: o senhor da fotografia é o rei de Espanha, não sou eu...
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NB: Não serão publicados comentários.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

PRIMEIRO O LOCAL - DIAS 4 E 5

Prossegue o périplo.
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Ontem:
Visita à APPACDM, onde nos foi apresentado o projeto de ampliação de instalações e de serviços que a instituição tem em marcha. O volume de investimento é grande, o mérito do labor desenvolvido pela Associação não lhe fica atrás.
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Hoje:
Visita aos locais onde se estão a concentrar parte das intervenções das Parcerias para a Regeneração Urbana, da Rede Património e do projeto Moura - 3000 anos de História.
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Galeria de Arte Municipal (Igreja do Espírito Santo)
Montante da empreitada: 189.855,69 € + IVA
Prazo de execução: 180 dias (obra a iniciar após a realização de sondagens arqueológicas)
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Posto de receção ao turista - Castelo de Moura
Montante da empreitada: 398.235, 52 € + IVA
Obra em curso
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Museu Alberto Gordillo
Montante da intervenção: c. 500.000 €
Inaugura amanhã
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Jardim das Oliveiras
Montante da empreitada: 175.372,60 € + IVA
Obra em curso

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Igreja de São Francisco
Montante da empreitada: 423.269 € + IVA
Obra em curso

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E assim acontece, como diria o saudoso Carlos Pinto Coelho. E mais está para acontecer.

CITIZEN AMARAL

Numa célebre cena do não menos célebre Citizen Kane, Charles F. Kane inveja o jornal concorrente, cujo corpo redatorial levou a anos a construir. Na cena seguinte vemos a forma como o magnata da imprensa arrumou a questão: contratou toda a equipa do adversário.
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Pais do Amaral regressa à TVI. Para a TVI vão os responsáveis pela informação da RTP. Um golpe de grande dimensão e a prova acabada de como a informação e os media fazem muito mais que informar. Até onde vai e que quer Pais do Amaral é a questão que se segue. A suivre.
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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A CIRENAICA DE TOYNBEE

Bengazi-Berenice-Euhesperides era a cidade grega mais ocidental da pentápole cirenaica. Tal como Tokra-Taucheira, a cidade mais próxima para leste, Bengazi situa-se na costa marítima, numa região plana, mais do que semidesértica. A localização de Euhesperides e de Taucheira pode ter sido escolhida no sentido de propiciar a compra e o transporte por mar de gado, couros e lã produzidos pelas populações pastoris da Líbia na estepe. Mas, nestas duas cidades gregas, os Gregos não estavam no seu ambiente natural; e isso acontecia mesmo em Ptolemais, porto de mar de barca, e em Apolónia, porto de mar de Cirene, embora tanto Apolónia como Ptolemais tivessem por detrás delas, não o deserto ao nível do mar, mas a escarpa voltada ao norte da Montanha Verde.
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Este excerto de Between Niger and Nile, de Arnold Toynbee, tem 45 anos. Na altura, o poder na Líbia estava nas mãos do rei Idris. A tradição e o poder gregos da Cirenaica são uma realidade antiga. Os mosaicos de Qasr Lebia, tão próximos dos de Mértola, são disso evidência. Os factos recentes são disso testemunho.
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A leitura de Toynbee é estimulante. Mesmo quando o grande historiador falhou nas suas leituras do futuro.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

23-F

Tejero Molina (n. 1932) entrou nas Cortes e criou uma das mais conhecidas imagens da Espanha pós-franquista. Personagem quixotesca, foi a face visível de uma conspiração mais séria, que visava o regresso ao poder de uma direita ultramontana. Os grandes protagonistas eram Alfonso Armada (n. 1920),vice-chefe do Estado Maior do Exército, e Jaime Milans del Bosch (1915-1997).
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O papel do rei Juan Carlos e uma Espanha desejosa de fechar uma página da sua História ditaram o fim do golpe. Mas, durante horas, houve demónios à solta. E houve três homens que não se vergaram às ordens de "todo el mundo al suelo!" dadas por Tejero. Foram Adolfo Suárez (n. 1932), Gutiérrez Mellado (1912-1995) e Santiago Carrillo (n. 1915). O quase septuagenário ministro da defesa foi mesmo maltratado por Tejero, conforme se pode ver no registo de imagens da época (v. aqui).
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No ano seguinte Felipe González ganharia as eleições e levaria o PSOE ao poder. Com um discurso de esquerda, mas com uma prática que nem por isso.
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PRIMEIRO O LOCAL - DIAS 2 E 3

Hoje:
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Entre outras iniciativas, foi dia de fazer uma visita à Escola Secundária de Moura, onde está a ter início o complexo processo de renovação do edifício. Uma obra da Parque Escolar, orçada em mais de 13 milhões de euros, que dará uma nova e melhorada configuração aquele espaço. Trata-se, aliás, de uma zona, onde há uma convergência de iniciativas e de obras. Em 2013 toda esta área da cidade terá sofrido uma verdadeira e positiva revolução.
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Ontem:
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Início do seminário de encerramento do projeto SUNFLOWER, coordenado pela Câmara Municipal de Moura e no qual participaram sete países da União Europeia. Mais um passo na visibilidade externa do nosso concelho e mais um passo importante no establecimento de contactos com outras regiões e outras experiências. Palavra-passe? Energias renováveis.
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ALBERTO GORDILLO - MUSEU DE JOALHARIA CONTEMPORÂNEA

É já no sábado, pelas 16 horas. Abre ao público, em Moura, o Museu de Joalharia Contemporânea dedicado à vida e obra de Alberto Gordillo (n. 1943). Uma justa homenagem ao grande joalheiro natural do nosso concelho e, também, a criação de um equipamento cultural capaz de potenciar novas iniciativas e de lançar a nossa terra em diferentes roteiros.
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Tenho, enquanto vereador da Câmara de Moura, acompanhado todo o processo. Tive, em especial, o prazer de acompanhar de perto o desenvolvimento do projeto de arquitetura do Museu de Joalharia Contemporânea.
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No ato de inauguração será apresentado ao público o catálogo do novo espaço, cujos textos são assinados por Rui Afonso Santos, do Museu do Chiado.
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Será justo referir o trabalho qualificado de uma jovem arquiteta da autarquia, Patrícia Novo, que junta esta intervenção à que antes realizara no Pátio dos Rolins.
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A intervenção orçou em cerca de 500.000 euros. É mais uma peça no roteiro de reabilitação do património concelhio que temos vindo a promover. Outras se seguirão.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

LE RADEAU DE LA MÉDUSE

Aludi, há dias, a este célebre quadro de Théodore Géricault (v. aqui).
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A história conta-se em poucas palavras: a fragata Méduse, com centenas de de pessoas a bordo, encalha num banco de areia, ao largo da costa de África, em Julho de 1816. Mais de 200 passageiros são embarcados em chalupas, vindo a atingir a costa africana em razoável segurança; 152 marinheiros e soldados são postos numa jangada, que em breve fica à deriva. A jangada será encontrada 13 dias mais tarde, apenas com 15 sobreviventes a bordo.
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Numa analogia fácil, diria que a situação que vivemos é a da fragata. Uns disporão de barcaças, outros serão deixados à sua sorte, numa qualquer jangada.
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Le radeau de la Méduse faz parte das coleções do Museu do Louvre: http://www.louvre.fr/llv/oeuvres/detail_notice.jsp?CONTENT%3C%3Ecnt_id=10134198673236500&CURRENT_LLV_NOTICE%3C%3Ecnt_id=10134198673236500&FOLDER%3C%3Efolder_id=9852723696500815&baseIndex=69&bmLocale=fr_FR

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

POR CAUSA DA LÍBIA

A Líbia agita-se, o país está mergulhado na desordem e a situação é preocupante. Khaddafi, o desmiolado que fez render o seu estilo junto da esquerda europeia por via de uma permanente provocação aos Estados Unidos, não se aguentará muito mais.
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Vamos em crescendo. A Tunísia está ao nosso nível, o da razoável irrelevância. Com o Egito já não é bem assim. É um dos grande da mundo árabe, protagonizou a aventura da RAU, e não deixa de sonhar com um plano de liderança na cena internacional. A Líbia é uma caso sério. Tem petróleo e, com o seu jogo mais que dúbio, serviu de tampão à emigração subsaariana. São dois países num só, daí que a revolta tenha estalado em Benghazi, do outro lado do Golfo de Sirta. E tem uma juventude sedenta de viver.
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Dentro de dias deixarei aqui um relato de uma breve passagem pela Líbia, em 2008.
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Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,

ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.

Compreende-se.

E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro, e conquistavam o Épiro e perdiam o Lácio,

e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.

Compreende-se.

Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.

Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.

E o nosso sofrimento para que serviu afinal?
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A pergunta de António Gedeão faria sentido para ele. Mas não para os egípcios ou para os líbios, que precisam de viver agora. Não imagino o que se perguntaria e que desespero sentiria a mulher afegã que James Nachtwey (n. 1948) fotografou.
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James Nachtwey é um nome maior da reportagem. Veja-se o seu site, http://www.jamesnachtwey.com/, que abre com esta declaração de guerra "I have been a witness, and these pictures are my testimony. The events I have recorded should not be forgotten and must not be repeated."

PRIMEIRO O LOCAL - DIA 1

Teve hoje início em Moura mais uma iniciativa da Câmara Municipal de Moura, intitulada Primeiro o Local e destinada a contactos com entidades da mais diversa índole, a visitas a obras e ao acompanhamento de projetos e programas em curso.
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O dia de hoje teve como ponto alto o início da 2ª fase das obras de saneamento na cidade de Moura.
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A iniciativa Primeiro o Local foi lançada em 2006. O sucesso de que se revestiu levou a que fosse estendida para o atual mandato camarário. Serão abrangidas, até final do ano, todas as freguesias do concelho.
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Arranque das obras na esquina da Rua dos Espingardeiros
Montante da empreitada: 1.877.482,30 € + IVA
Prazo de execução: 250 dias

domingo, 20 de fevereiro de 2011

UNCLE TRICHET

Do site do "Diário de Notícias" on-line:

O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, disse hoje ter uma "mensagem muito forte para Portugal", recomendando o país a "aplicar o plano [de austeridade] tão rigorosamente e tão convincentemente" quanto possível.

"Apelamos a todos os Governos europeus, sem excepção", afirmou o banqueiro central no final da reunião do G20, que decorreu nos últimos dois dias em Paris, para "aplicarem o plano [de austeridade] que têm tão rigorosamente e tão convincentemente" quanto possível. "Temos uma mensagem muito forte para Portugal, assim como para os outros", disse Trichet, acrescentando que "cabe aos países serem convincentes" face à desconfiança dos mercados internacionais relativamente à capacidade de alguns países da zona euro cumprirem os seus compromissos financeiros.

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Em tradução livre: a coisa está por um fio. E insisto que o choque será bem pior para quem não viveu as crises de há 30 anos. Mas isto vai tocar a todos. Exceto os mercados, bem entendido...
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sábado, 19 de fevereiro de 2011

SETE

E amanhã é dia sete. Um bom pretexto para recordar estes setes, o de Akira Kurosawa e o de Carlos Drummond de Andrade.
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POEMA DE SETE FACES

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.


As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.


O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.


O homem atrás do bigode
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.


Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.


Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.


Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

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Akira Kurosawa (1910-1998) filmou Sete Samurais, obra maior da História do Cinema, em 1954. O seu reconhecimento generalizado no mundo ocidental só chegou anos mais tarde, embora a obra de Kurosawa fosse admirada entre os cinéfilos. Mas a história dos sete samurais é, seguramente, mais conhecida através de um refilmagem intitulada Os sete magníficos. Carlos Drummond de Andrade já aqui passou várias vezes, sempre com a sensualidade na ponta da língua. Ou da caneta, se preferirem.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

DE MYRTILIS A HISPALIS

Passando por Aeminium e por Olisipo.
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Não é este blogue um diário do que o seu autor faz ou deixa de fazer, mas a verdade é que o silêncio foi motivado por dias de perfeita agitação. Que, na verdade, só terminam amanhã à noite. Detalhes à parte o essencial foi a etapa intermédia, em Sevilha.
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Participei, ao final da manhã, nas provas de doutoramento de Tomás Cordero Ruiz, com obteve a classificação de sobresaliente cum laude por unanimidade. A tese é um brilhante estudo de análise territorial e intitula-se El ager de Augusta Emerita durante la Antigüedad Tardia (siglos IV-VIII).
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À atenção dos colegas da arqueologia medieval: fixem o nome do Tomás Cordero. Vamos ouvir falar dele.
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Continuo a pedalar. Do dia de amanhã, com componentes políticas e lúdicas, darei notícias, ou não, no início da próxima semana.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A GUERRA ONANISTA

Afinal, não havia mesmo armas de destruição maciça. Não havia mesmo nenhuma.
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Sigamos o Público, que teve no seu ex-director, o ex-maiosta José Manuel Fernandes, um dos mais ferozes defensores da intervenção ocidental: Numa entrevista exclusiva ao diário britânico "Guardian", o iraquiano Rafid Ahmed Alwan al-Janabi, ou "Curveball", admitiu ter transmitido histórias totalmente falsas sobre fábricas de armas químicas e biológicas clandestinas aos seus contactos ocidentais, no caso aos agentes do serviço secreto alemão BND — que posteriormente partilharam essas informações com os seus congéneres americanos.
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E diz mais o tal espião: “Eu tinha um problema com o regime de Saddam [Hussein], queria-me ver livre dele e ali estava uma oportunidade”, justificou.
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Eis um facto inédito na História da Humanidade. Uma guerra é desencadeada e morrem milhares de pessoas. O banho de sangue prossegue diariamente. E como uma das justificações para a raíz do conflito está o problema de um só indivíduo. Nunca o prazer de um só custou tanto a tantos outros.
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Paulo Portas surge aqui por causa do onanismo belicista e pelo facto de ter pedagogicamente explicado, ao lado de Donald Rumsfeld, que uma arma de destruição maciça se podia esconder dentro de um objecto mais pequeno do que o púlpito detrás do qual ele se encontrava (o exemplo foi esse, recordo-me com toda a exactidão).
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O seu papel de serventuário do imperialismo seria reconhecido através de uma medalha entregue pelo próprio Rumsfeld. À conta de Portas e de outros como ele se faz a história recente. Assim. Com mentiras, demagogia e com a mais completa insensibilidade.
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Segundo o Globo online morreram, entre 2003 e 2008, em consequência do conflito iraquiano, mais de 92.000 civis. Desgraçadamente, é uma contabilidade muito longe de estar terminada.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

JAFAR PANAHI

Chama-se Jafar Panahi, é iraniano e tem 50 anos. É cineasta, mas só poderá voltar a filmar dentro de 20. Assim diz o tribunal. Os próximos seis anos passa-os na prisão. Assim diz o tribunal. As acusações são difusas. Uma delas é de fazia filmes contra o regime.
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Não é a primeira vez que o espírito independente de Panahi lhe traz problemas. Em 2003, durante uma escala de ligação, num aeroporto de Nova Iorque, foi algemado por se recusar a ser fotografado e a fornecer as impressões digitais à polícia de imigração. Acabou recambiado para Hong-Kong. That's freedom, pal.
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Odeio teocracias. Não suporto regimes de partido único. Não tolero polícias da criação artística, científica ou literária. Nunca vi nenhum filme de Panahi, mas só a ideia de alguém estar preso por crimes de pensamento me deixa em estado de profunda revolta.
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O Governo da Pátria não tem nada a dizer? A Assembleia da República também não? Os partidos também não?
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AVANTE!

O Avante! faz hoje 80 anos. Jornal da clandestinidade e da resistência, quantas vezes editado em situações hoje inimagináveis, continua a ser uma voz necessária na defesa dos interesses dos mais desfavorecidos. Este discurso (o do jornal, o meu) está fora de moda e fora de tom? Na perspectiva de que está por cima decerto. Na perspectiva do capitalismo neo-liberal de certeza que sim. E então? Desde quando é que somos obrigados a estar de acordo com a voz dos mais fortes?
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Site do jornal: http://www.avante.pt/
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

THIS SPORTING LIFE - II

Reafirmei, há dias, a minha absoluta falta de talento para os desportos (o que inclui todas as modalidades).
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Na verdade, os últimos dois dias foram passados em desajeitados treinos de basquetebol. As últimas páginas e as últimas revisões de um texto de síntese sobre a arqueologia islâmica em Portugal foram penosas. Não que o tema ponha problemas de abordagem, mas sim de espaço. São apenas dez-páginas-dez para uma visão do tema, com destino a um livro intitulado
"A Historiografia sobre a Idade Média em Portugal" e que será editado pelo Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa. O texto ficou concluído pelas 15.45, entre as dúvidas e as hesitações do último minuto.
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A que propósito vem o basquetebol? Escrevo directamente no computador, mas alterno com a escrita manual. Um método pouco ortodoxo e com uma leitura: quanto mais mais cuidado no texto, mais entram as tentativas à mão. Que se convertem em rascunhos gatafunhados e amassados. Que vão parar (ou não vão) a um cesto de papéis, que insisto em colocar o mais longe possível da secretária. Já tenho ouvido das boas à conta disso...
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Fiquei contente por me terem convidado a participar nesta iniciativa. Tanto mais que fiz o Mestrado em História Medieval lá na casa. Já lá vão 15 anos. Sobre as iniciativas do IEM para este ano ver: http://iem.fcsh.unl.pt/apresentar/grupos-investigacao/historiografia/a_desenvolver

domingo, 13 de fevereiro de 2011

TUNÍSIA II: DE MAHDIA A LAMPEDUSA

Chanson d'automne

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon cœur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Propostas de tradução (comentadas) em http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet024.htm

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Hoje chegaram mais mil pessoas a Lampedusa. A pequena ilha italiana está apenas a uma centena de quilómetros do continente africano. É uma tentação mais que evidente para todos os que procuram, a todo o custo, uma vida melhor. Quem os poderá censurar?
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Pelos mil que chegaram muitos mais morrerão em travessias difíceis e à mercê de todo o tipo de traficantes. A história do Mediterrâneo não é uma história de virtudes e de convivências pacíficas e amistosas. É uma história de tensões e de equilíbrios precários.
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Uma ideia leva a outra e a travessia perigosa trouxe-me à memória este Shipwreck of the Minotaur, um quadro de Turner que está exposto no Museu Gulbenkian (confesso que, num primeiro momento, tive a tentação de recorrer ao mais óbvio La Radeau de la Méduse, de T. Géricault, mas o dramatismo do pintor britânico não é menos impressivo). E, mesmo que Verlaine não estivesse a pensar em naufrágios quando escreveu este poema, hoje celebérrimo, as suas palavras são de uma infinita tristeza. E a imagem e o som que o (...) vent mauvais / Qui m'emporte / Deçà, delà, / Pareil à la / Feuille morte evocam não devem ser estranhos ao que vai no espírito dos africanos que, todos os dias, desafiam a morte para chegar a El Dorado.
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O Minotaur afundou-se em 1810; o quadro de Turner terá sido concebido pouco depois. Le Radeau de la Méduse data de 1819 e encontra-se no Louvre. Chanson d'automne é também, e para não fugir à regra, uma obra do século XIX: foi publicado em 1866.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

GÉRARD CASTELLO-LOPES (1925-2011)


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Acabo de saber, pelo blogue A Cinco Tons, que faleceu Gérard Castello-Lopes (v. aqui). Nasceu em França, no seio de uma família abastada. Fez estudos superiores em economia, trabalhou na área da diplomacia e foi um dos proprietários da empresa de distribuição que tinha o seu nome.
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O seu nome ficará, contudo, ligado à história da fotografia em Portugal. Embora tenha começado a fotografar em 1956 foi só nos anos 80, quando tinha perto de 60 anos, que realizou as primeiras exposições de fotografia. Foi nessa altura que chegou, de imediato, a consagração.
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A fotografia de cima é, talvez, a sua mais célebre e enigmática produção. Fruto do acaso? Um pouco, mas os acasos procuram-se, não acontecem simplesmente. E a Gérard Castello-Lopes, que tanto usou o trompe-l'oeil, não terá escapado aquele estranho efeito da "pedra suspensa". A imagem de baixo foi feita, se não estou em erro, na zona da Expo, em Lisboa. Mais outra fotografia de aparente simplicidade, em que quase sentimos o balanço da onda provocada pelo barco.
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Contaram-me uma vez esta história de Gérard Castello-Lopes. Quando lhe perguntaram o que o separava do coronel Luís Silva, então à frente da Lusomundo, respondeu, simplesmente: eu gosto de cinema.

CENAS DA LUTA DE CLASSES

Ontem, no regresso de uma reunião em Coimbra, e no meio de uma programação radiofónica onde parecia não haver nada de interessante, fui parar a um programa da Antena 3. Intitula-se Conversas de Raparigas e é feito por Rita Ferro, Ana Coelho e Rita Matos. Rita Ferro sei quem é, os outros nomes não me dizem nada. Ontem falava-se do grau de satisfação sexual das portuguesas. Que é, aparentemente, elevado. A informação baseia-se num estudo.
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A dado momento, discutia-se a validade do grau de satisfação e como se pode avaliar tal coisa. Nesse momento, uma voz upper class (Rita Ferro?) profere esta frase fatal: Como é que se pode medir a satisfação? Provavelmente, a D. Alzira de Vila Nova de Poiares tem relações uma vez por semana ou por mês e considera isso satisfatório.
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Achei graça à alusão. Não se reportou a nenhuma condessa ou baronesa, nem a nenhuma socialite do Estoril, com coloridas e efervescentes vidas íntimas mas sim à D. Alzira, presumivelmente da classe D ou E. Cujas práticas sexuais se regerão pelo cinzentismo e pela mais elementar frugalidade.
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Será mesmo assim? Terão disso a certeza? Terão mesmo? Eu não tenho. Mesmo nada. E, veja-se mais abaixo, os clássicos concordam connosco.
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E de repente sentiu ao lado, sob as ramagens, vindo do cháo, d'entre a herva, um resfolgar ardente d'homem, a que se misturavam beijos. Parou, varado: e o seu impeto logo foi esmagar a cacete aquelles dois animaes, enroscados na relva, sujando brutamente o poetico retiro dos seus amores. Uma alvura de saia moveu-se no escuro: uma voz soluçava, desfalecida — oh yes, oh yes... Era a ingleza!

Oh santo Deus, era a ingleza, era miss Sarah! Apagando os passos, atordoado, Carlos escoou-se pelo portão, cerrou-o mansamente, foi esperar adiante, n'um recanto do muro, sob as ramarias d'uma faia, sumido na sombra. E tremia de indignação. Era preciso contar immediatamente a Maria aquelle grande horror! Não queria que ella consentisse um momento mais essa impura fêmea, junto de Rosa, roçando a candidez do seu anjo... Oh, era pavorosa uma tal hypocrisia, assim astuta e methodica, sem se desconcertar jámais! Havia dias apenas, vira a creatura desviar os olhos d'uma gravura d'Illustração, onde dois castos pastores se beijavam n'um arvoredo bucolico! E agora rugia, estirada na herva!

Na estrada escura, do lado do portão, brilhou um lume de cigarro. Um homem passou, forte e pesado, com uma manta aos hombros. Parecia um jornaleiro. A boa miss Sarah não escolhera! Bem lavada, toda correcta, com os seus bandós puritanos, aceitava um qualquer, rude e sujo, desde que era um macho! E assim os embaíra, mezes, com aquellas suas duas existencias, tão separadas, tão completas! De dia virginal, severa, córando sempre, com a Biblia no cesto da costura: á noite a pequena adormecia, todos os seus deveres sérios acabavam, a santa transformava-se em cabra, chale aos hombros, e lá ia para a relva, com qualquer!...
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Transcrevo este excerto - que tanto me divertiu na juventude - de um grande clássico da literatura. Não me parece necessário indentificar o livro ou o seu autor. A tentação está aqui bem representada na fotografia de Robert Mapplethorpe.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

UM POUCO ANTES DO CARNAVAL

O sempre amusant Santana Lopes veio agora declarar, do alto da sua imensa credibilidade, que quem comanda a hora da oposição é o líder da oposição. Assim mesmo. Mai' nada. E diz mais. Que o PSD tem que ter uma grande categoria. Claro, quem somos nós para contrariar tão denso pensador?
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Santana Lopes com o seu instrumento musical favorito, o violino, ensaiando peças de Chopin. Parece Einstein, mas é apenas uma das suas impersonations preferidas. Vai ser o disfarce de Carnaval de PSL para a festa do luxfragil deste ano.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

RETRATO DE FAMÍLIA EM FIM DE TARDE

Quando a porta se abriu e Albertina surgiu no patamar quase não a reconheci. Doze anos tinham passado e ela avisara-me que o seu estado de saúde não era o mesmo. E o aspecto também não. “Estás quase na mesma”, menti piedosamente, enquanto entrava. Na casa de Albertina, como na casa de todos os velhos, acumulavam-se móveis fora de moda, paredes por pintar e um ar sombrio e triste, que o fim de tarde só aumentava. Não havia gatos, contudo.
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No corredor de entrada, sobre o móvel, estava uma fotografia. Um senhor de ar tranquilo, cabeça de casal, uma senhora bonita, mãe de profissão e com aquele ar de segurança que todas as mães profissionais têm, dois rapazitos de lacinho, um rindo descaradamente para o fotógrafo, e uma menina de totós, bonita e um pouco coquette. “És tu?”, perguntei. “Sou”, respondeu Albertina, agora subitamente mais idosa, arrastando-se pelo corredor fora, “tinha uns 7 anos”. 1950, pensei, numa matemática fácil.
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Falara com Albertina uma semana antes, depois de um silêncio de doze anos. Será possível que não falemos com uma amiga durante doze anos? Passei a visitá-la, mas estaquei naquela fotografia de família. Todos nós temos fotografias dessas em casa, do tempo em que se faziam fotografias no estúdio, todos quietos e aprumados, penteados e vestidos para uma grande ocasião. Agora já ninguém vai ao fotógrafo, porque esse ritual desapareceu e porque a chungaria das impressoras de jacto de tinta e o digital tornaram os fotógrafos de estúdio tão obsoletos como um daguerreótipo.
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Os pais de Albertina partiram há muito e não imaginavam, naquele dia de há 60 anos, que um dia, 60 anos depois, Albertina passaria com dificuldade, e com os ossos em mau estado, em frente daquela alegria de tempos idos. O retrato da família de Albertina, assim congelado no tempo, é o retrato de todos nós. Daquilo que fomos e daquilo que mais tarde seremos. O retrato da menina de totós, de sorriso coquette e rodeada de irmãos mais novos, um rindo descaradamente para o fotógrafo, passará um dia para sobrinhos e para sobrinhos-netos até que estes, esquecidos de quem é aquele quinteto de ar feliz, o metam na caixa do esquecimento.
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Saí para a tarde fria de Marvila. Não pude deixar de reparar, ao entrar horas mais tarde em casa, na fotografia de um terceto onde estou, mais novo e mais velho, e que um dia, talvez daqui a 30 ou 40 anos, irá, sem pena e levando consigo a felicidade de tempos idos, cair numa caixa do esquecimento.
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Crónica publicada em A Planície de dia 1.2.2011. A fotografia, de Gerard Castello-Lopes (n. 1925), foi feita na Lisboa dos anos 50.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

PARTIDA

O horizonte tinha um banco de nuvens negras atravessado, e o calmo caminho das águas, que leva aos confins da terra, corria escuro sob um céu sombrio - dir-se-ia que a levar-nos ao coração de infinitas trevas.
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É o final de O coração das trevas, de Joseph Conrad. Hiroshi Yamazaki (n. 1946) fotografou este sol à procura do mar em 1978.
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Um e outro nos deixam interrogações sobre o que está para lá das trevas. Sobre a luz que há, ou não, para lá das trevas. É uma resposta que teremos, ou não, um dia.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O MOMENTO SHAOLIN DO MERCADO LABORAL

Ainda no Público:
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"É impossível instalar uma fábrica no interior de Portugal com câmaras municipais que são as maiores empregadoras, que programas operacionais disto e daquilo, com subsídios de desemprego... Não há maneira de concorrer com isto".
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O autor da frase chama-se Mário Centeno. É doutorado. E em Harvard e tudo. E director adjunto do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. E professor do ISEG e tudo.
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Não sou economista. Nem o mundo laboral é o meu meio. Mas que uma pessoa com tantas qualificações e tantas responsabilidades tenha do interior do país esta visão de mesa de café e não consiga mais que alinhavar duas ou três jonglerias, que revelam um atroz desconhecimento sobre o que é o interior do seu País (não me refiro a Moura ou a Mértola, mas a qualquer outro território raiano), deixa-me preocupado. Sincera e profundamente preocupado.
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THIS SPORTING LIFE

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Mais um post mourense, antes de começar o dia...
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É um momento histórico. Foi a única vez em que fiquei em primeiro lugar numa prova desportiva. Aconteceu em Setembro de 1977, na disputa de uma estafeta inexistente na calendário desportivo (4 x 50 bruços). O autor do blogue é o do cabelo comprido, e vagamente com mau aspecto, do lado esquerdo. Os companheiros do épico feito são o João Luís Costa, o Carlos Marques e o António Raposo.
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Já uma vez, em Dezembro de 2008 (v. aqui) expliquei os meus sucessivos e continuados fracassos desportivos. O que me levou, de há muito, a adoptar a filosofia de Churchill: no sports.
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De uma coisa tenho hoje a certeza: a incapacidade para o desporto não tem nada a ver com a genética. De certeza.
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This sporting life é um célebre filme de Lindsay Anderson, que data do ano em que nasci.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

DEZ MINUTOS

Este post não tem a ver com o anterior, portanto nada de tentar rebuscadas explicações em torno de eros e thanatos.
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Mas há muito tempo que andava com a ideia de aqui deixar esta curta metragem do bósnio Ahmed Imamovic e que, de forma simples e directa, explica o que é a guerra. A partir de um dos mais dramáticos acontecimentos da história recente da Europa: o cerco de Sarajevo. Vale a pena ver como a vida se transforma em dez minutos. O filme é de 2001.
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UMA MULHER QUASE NOVA



Uma mulher quase nova
com um vestido quase branco
numa tarde quase clara
com os olhos quase secos

vem e quase estende os dedos
ao sonho quase possível
quase fresca se liberta
do desespero quase morto

quase harmónica corrida
enche o espaço quase alegre
de cabelos quase soltos
transparente quase solta

o riso quase bastante
quase músculo florido
deste instante quase novo
quase vivo quase agora

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A sensualidade de Manuel Álvarez Bravo é visita recorrente no blogue. As palavras de Mário Dionísio (1916-1993) surgem aqui por súbita inspiração. Lembro-me bem do Prof. Mário Dionísio nos corredores da Faculdade de Letras. A doçura das palavras não confere com o estilo do docente da temível e obrigatória cadeira de Técnicas de Expressão do Português.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

MOURA E A ESCRITA DO SUDOESTE

É uma das descobertas mais interessantes sobre a Idade do Ferro no sul de Portugal. A peça é proveniente de uma escavação arqueológica no castelo de Moura e foi encontrada, há uns meses, pelo meu colega José Gonçalo Valente. O facto de estar inédita levou-me a guardar sobre o assunto total silêncio.
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O ineditismo do achado levou a National Geographic a dar atenção ao assunto, o que me permite também divulgar o achado. Reproduzo o texto da revista:
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A escrita do Sudoeste é um dos mais antigos sistemas de signos conhecidos na Península Ibérica. Estão documentados artefactos com signos desta escrita desde o século VII a.C. até ao século V a.C., mas uma escavação no castelo de Moura, coordenada pelo arquélogo José Gonçalo Valente, alterou o que se conhecia. Este fragmento de cerâmica pintada, localizada no sítio onde se instalará o posto de recpção ao turista no castelo, parece provir de um período mais tardio, prolongando para a primeira metade do século IV a.C. o limite tradicionalmente fixado para esta escrita.
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Apesar de se conhecerem praticamente todos os signos desta escrita do Sudoeste, o seu significado continua por descodificar. Nesta peça estão confirmados cinco signos, de acordo com Amílcar Guerra, perito em epigrafia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Embora falte a tradicional redundância (a vogal repetida a seguir ao símbolo silábico), há outros exemplos conhecidos que desrespeitam a regra. Para o arqueólogo, existe a esperança de se descobrirem muitos mais indícios tardios de uso das antigas escritas hispânicas no Ocidente peninsular, preenchendo melhor o arco temporal da sua utilização até à presença romana, altura em que o latim se impôs.
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A descoberta desta peça é mais que fruto do acaso. A aposta no património, a sua reabilitação e rentabilização social e económica fazem sentido e dão, de uma forma ou de outra, resultados. Os diversos vectores em que temos apostado são o caminho certo. Como o tempo tem vindo a demonstrar. Para quem perceba alguma coisa disto, o que exclui os opinion-makers de fim de tarde.
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É evidente que achados como este (é o primeiro exemplar de escrita do sudoeste encontrado no concelho de Moura) dão um interesse acrescido à importância arqueológica e patrimonial de Moura. E abrem caminho a que jovens colegas, como a Vanessa Gaspar e o José Gonçalo Valente, se lancem em projectos autónomos de investigação. Assim eles o queiram fazer.
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Obrigado Luís Rosado, por me teres mandado o pdf. Hoje em dia já não há distâncias.

Ñ

Há coisas que me deixam intrigado. Que tento descodificar e não entendo.
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Compro o Expresso há cerca de 30 anos. Nunca o fiz por outro razão que não fosse a qualidade do jornalismo. E jamais por causa das bugigangas (mapas, CD, descontos etc.) que os jornais de há uns tempos para cá trazem.
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A [bugiganga] de hoje ultrapassa tudo o que poderia esperar. Anunciava-se o "Mapa de Espanha 2011". Qual não foi a minha surpresa quando, ao desdobrar o dito, encontrei um mapa da Península Ibérica (avec un tout petit peu du sud de France...). A separação com nuestros hermanos é quase imperceptível graficamente. Quatro dúvidas me assaltaram: porque é que não anunciaram, simplesmente, um mapa de Portugal e Espanha? porque é que temos de estar de gatas antes os mais poderosos? alguém imagina o El Pais oferecendo um mapa de Portugal que é, afinal, o da Península? que sentido é que estas coisas fazem?
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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

4 DE FEVEREIRO DE 1961

Faz hoje 50 anos que um grupo de nacionalistas angolanos levou a cabo ataques a um conjunto de objectivos na cidade de Luanda: Casa da Reclusão, Quartel da PSP e Emissora Nacional.
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A data marca o início da luta armada anti-colonial em Angola. Seguir-se-iam os conflitos na Guiné (Julho de 1961) e em Moçambique (Setembro de 1964). Uma geração de jovens iria ser consumida no vespeiro da Guerra Colonial.
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E, nunca será demais sublinhá-lo, as lutas de libertação em África acabaram por ser decisivas para a formação da nossa consciência política e para a lenta construção do 25 de Abril.
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Este mapa existia nas nossas escolas primárias. A leitura é, hoje, kitsch e divertida.
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Há um site com informação importante sobre a Guerra Colonial: http://www.guerracolonial.org

MUBARAK

É raro, nas coisas da política, obter um tão largo consenso e um tão largo acordo. Mubarak diz que está farto de ser presidente. Ao que parece, os egípcios também estão de acordo e saturados de serem presididos por Mubarak. Portanto...
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O MUNDO PERFEITO DE ANTÓNIO FINHA

Cartoon premiado na Moura BD de 2005.
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É a visão do meu amigo António Finha. O problema é o imperialismo, não a geografia, nem muitos (a maior parte, decerto) dos americanos. Mas que ele chegou ao ponto certo, lá isso é verdade.
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O António é de Moura. Costumava encontrá-lo em tempos, com regularidade, chez Liberato. Não sei por onde andam agora as coordenadas báquicas dele,