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sábado, 12 de julho de 2025

MIGUEL BENTO (1963-2025)

Pois é... Agora foi o Miguel...

E estas palavras, que há uns tempos sabia que tinha de escrever, são das mais amargas em 17 anos de blogue.

Conhecemo-nos em 1983 e ficámos amigos desde então. O Miguel estava nos tempos "tempos livres" e vinha todos os dias de Alcaria Ruiva, numa Casal. Encostava a motoreta à vedação do campo arqueológico e começava o dia. O Cláudio destinou-nos a mesma quadrícula. Falávamos sei lá do quê todo o santo dia. Mas recordo claramente da aprendizagem que aqueles dias foram para mim, com um moço da mesma idade e cujo curso de vida pouco tinha a ver com o meu. O sempre arguto e inteligente Cláudio ensinava-nos coisas da vida, sem a formalidade das aulas. 

Fomos depois colegas na Câmara de Mértola. Viria ele mais tarde, no virar do século a ser vereador da autarquia. Inteligente e persistente, Miguel Bento doutorou-se em 2016 e continuou a sua carreira docente no Politécnico de Beja.

Se há vida de combate e de luta, em todos os sentidos, foi a do Miguel. Pontuou sempre esse combate com uma característica bonomia e com uma calma que nunca lhe vi perder. 

Fomos, ao longo da vida, mantendo contacto permanente e assíduo. Fiz questão de ir visitá-lo no último festival islâmico, para lhe oferecer o meu último livrinho. Saí da lá com um mau pressentimento. Ainda falámos ao telefone um par de vezes: como sempre Mértola, a política, os amigos e outros temas pessoais que não vêm ao caso. Ontem recebi o telefonema que esperava. Hoje vou acompanhá-lo pela vez derradeira. Deixo de ter o convívio de um dos meus melhores. Há quatro ou cinco dos que já partiram que a memória me evoca com regularidade. Junta-se-lhes agora o Miguel Bento.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

REPORTAGEM MERTOLENSE

Dias intensos na minha Mértola.

Música (José Miguel e mais o Miguel Rego e amigos).

Pintura (Manuel Passinhas).

Caligrafia (Bilal Sarr).

Exposição de cordofones.

E mais e excelente música no cais.

Foi o 13º. Festival Islâmico.




domingo, 16 de março de 2025

NA FESTA DO PASSINHAS

Um post para os amigos do encontro de ontem.

O Manuel foi apanhado completamente de surpresa. Uma bem urdida combinação levou a que o esperássemos nos "bombeiros velhos" para celebrar a aposentação. Em dois meses é o segundo encontro destes... Isto deve querer dizer alguma coisa.

Aliás, ao almoço parte das conversas andou à volta de temas como "quanto tempo te falta?", "Também tiveste descontos na segurança social ou foi só CGA?", "tens quantos anos, tu?". Etc.

No final, o Cunha fez-lhe uma fotografia a sério, junto a uma das suas obras.



terça-feira, 26 de novembro de 2024

MÉRTOLA, AINDA E SEMPRE

Por razões de ordem particular não pude participar na jornada de reflexão em torno do Campo Arqueológico de Mértola (e do seu futuro), que ontem teve lugar. Numa altura em que a instituição passa por grave e profunda crise, todos os contributos são úteis para se caminhar no futuro.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

O VESÚVIO, SINICAMENTE

Foi há uns meses, em Estremoz. Aproximei-me do painel de azulejos com a certeza de ser uma paisagem oriental. Isto deve ser no Japão, ou em Macau, talvez... Não era, era em Itália. A legenda diz apenas "Painel de azulejos. Paisagem com Vesúvio. Séc. XX". Um Vesúvio de contornos sínicos.

Lembrei-me daquela vez em que fui com o Cláudio ao Além-Rio, ao cerrinho da antena, mais precisamente. Era um fim de tarde brumoso e o sol estava a pôr-se. "Já viste esta sucessão de sombras nos cerros?, assim a perder de vista", disse-me ele. "Parece uma estampa japonesa". Parecia mesmo! Memórias de outros tempos, em Mértola, que às vezes me parecem quase irreais.


sábado, 24 de agosto de 2024

DIKR BILAD AL-ANDALUS, perto da última curva

Hoje não será, mas amanhã deve ficar muito, muito perto do fim um pequeno ensaio que se tornou bem mais complexo do que pensei no início. É sempre assim...

O fantástico Dikr bilad al-Andalus, na tradução de Luis Molina, veio dar uma decisiva ajuda. E vai-me também "refazer" uma proposta, ainda recente, que publiquei na revista "Hespéris-Tamuda".

Haverá livro no próximo Festival Islâmico de Mértola 😉.


segunda-feira, 19 de agosto de 2024

MÉRTOLA NA ARAMCO WORLD

O artigo chegou-me ontem, através do grupo de whatsapp do Campo Arqueológico de Mértola. É sobre a redescoberta das raízes islâmicas de Mértola. Está na Aramco World, uma revista paga com os dinheiros do petróleo saudita.

O artigo não é extraordinário e passa ao lado do tópico decisivo: a "orientalização" da sociedade como fator fundamental do processo de islamização. E, já agora, porquê Mértola e não qualquer outro sítio? E o que é que o Guadiana tem a ver com tudo isto?

Vale pela divulgação.

Ver:

https://www.aramcoworld.com/Articles/July-2024/Pieces-of-the-Past


quinta-feira, 8 de agosto de 2024

DOCE BAIRRO

Não sei porquê, mas apareceu-me, há dias, numa rede social, esta imagem festiva de um aniversário do Campo Arqueologico de Mértola.

Tenho a certeza de ter participado nessa festa, mas não me recordava da decoração do bolo. Bem, faz agora extamente 20 (vinte!) anos, andava eu de escadote, com uma Leica M6 e com uma Leica R7, mais uma bateria de rolos Ilford FP4, um fotómetro Minolta IV F, mais um bloco de apontamentos e fitas métricas, fotografando e tomando notas sobre notas. Tive ajudas ocasionais nessa tarefa insana: o Manuel Macias, o Manuel Passinhas, o José Bento...

A equipa de desenho era luxuosa: o Carlos Rico, o Carlos Alves, a Vanessa Gaspar, a Luísa Almeida, a Marta Coelho, o José Manuel Pedreirinho, o Pedro Travanca.

O livro foi apresentado no dia 14 de fevereiro de 2006.

sábado, 3 de agosto de 2024

MÉRTOLA NO MÉDIO ORIENTE?

Há coisas inesperadas. Como receber um telefonema de Mértola para saber se eu tinha os originais da exposição "Mértola, o último porto do Mediterrâneo". A representação diplomática portuguesa na Palestina quer apresentar uma exposição sobre o património islâmico de Mértola. Sugeriu-se esta. Daí o contacto que me fizeram.

Os meus discos externos são uma torre de babel, pelo que optei por ligar para a TVM, empresa que tratou do desenho da exposição. Os PDF ainda existem, valha-nos isso... Foram remetidos hoje mesmo para o Campo Arqueológico de Mértola e daí para a representação portuguesa na Palestina. O que se segue, não sei...

A exposição teve estreia no Castelo de S. Jorge, em 14.2.2006. Por iniciativa do Pedro Moreira, que estava na altura (e regressaria, mais tarde e noutras funções) na EGEAC, que fez tudo para que Mértola estivesse no centro de Lisboa. A produção e a coordenação geral coube à TERRACULTA (Conceição Amaral e Francisco Motta Veiga). Foi o início de uma longa digressão. É agora a vez da Palestina?

Do baú de recordações: o telão que estava no exterior da sala ogival do Castelo.


quinta-feira, 30 de maio de 2024

A SAUDADE MATA A GENTE, MORENA...

O que me veio há memória, há dias, em Mértola, foi uma velha canção de João de Barro e Antônio Almeida, de 1948: A saudade mata a gente.

Foi um regresso sentimental aos terrenos de há muitos anos. Os espaço do museu, o Islâmico, mais a mesquita, mais a basílica, que abriu ao público em novembro de 1993... Há momentos que quase parecem irreais.





quinta-feira, 16 de maio de 2024

MAQABIR

Está a acontecer, por estes dias, em Mértola. Volto, uma vez mais, ao ponto de partida. Com o objetivo, bem preciso, de retomar um tema de investigação. De uma vez por todas.


quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

MÉRTOLA, AINDA

O projeto do Campo Arqueológico de Mértola começou em 1978. Vai fazer 46 (!) anos. Não tarda muito estaremos a assinalar os 50 anos. Como será?

Fragmento
Adélia Prado

Bem-aventurado o que pressentiu
quando a manhã começou:
não vai ser diferente da noite.
Prolongados permanecerão o corpo sem pouso,
o pensamento dividido entre deitar-se primeiro
à esquerda ou à direita
e mesmo assim anunciou o paciente ao meio-dia:
algumas horas e já anoitece, o mormaço abranda,
um vento bom entra nessa janela.


terça-feira, 14 de novembro de 2023

UM TEXTO EM MÉRTOLA

Texto lido na homenagem a Cláudio Torres, no sábado:

Quando as escavações arqueológicas arrancaram, em 1978, quem viesse de Lisboa para Mértola contava com longas horas de viagem. A autoestrada acabava em Casal do Marco. Não havia computadores pessoais. Bem entendido, os telemóveis eram objetos de ficção científica. Mértola era um sítio longínquo, perdido nos confins do Alentejo. Vinha-se, portanto, para Mértola. Com esforço e por estradas que são hoje secundárias. Em 1978, arrancavam escavações arqueológicas à procura desses árabes nossos supostos antepassados. Quem financiava este projeto era a Câmara de Mértola. Pontualmente, a Secretaria de Estado da Cultura, concedia apoios às escavações. Mas este era um projeto do Poder Local. Em grande medida, ainda o é.

Recordo, e vale a pena recordar isto, que não havia ainda Lei das Finanças Locais e que grande parte do que nas autarquias se fazia não tinha enquadramento legal bem definido. Em concreto, as iniciativas culturais promovidas pelos municípios eram, para alguns, de legalidade duvidosa. Muitas vozes se levantavam contra estas iniciativas. A Cultura nas autarquias era uma novidade, que nascia do 25 de abril. Ou seja, o projeto das escavações arqueológicas aqui em Mértola arrancava por entre dificuldades e aos solavancos. Empurrado pelo entusiasmo e pelo poder de decisão de um jovem autarca, António Serrão Martins, e de um também jovem professor universitário, chamado Cláudio Torres. Por detrás, estava a figura tutelar de António Borges Coelho.

A partir daí começa a sonhar-se o futuro. O primeiro texto que o Cláudio escreve, e onde desenha o que virá a ser esse futuro, intitula-se “Mértola, o castelo, arqueologia e sonhos”. Isso foi em 1979. Anos mais tarde, em 1991, e quando ganha o Prémio Pessoa, o “Expresso” chama para título da entrevista uma frase sua “prefiro os mitos à realidade”. De facto, foi o sonho que guiou este percurso. O futuro nunca se desenharia se se tivesse recorrido a folhas excel, a gráficos, a indicadores de impacto ou de realização, às ponderações, às metas e aos valores críticos. O que aconteceu durante os primeiros anos, grosso modo entre 1978 e 1993, decorreu sob o signo da improbabilidade. Hoje, passados tantos anos, tudo parece lógico que tivesse acontecido. Esteve muito longe de assim ser. A quase unanimidade em torno do projeto, mesmo em Mértola, não foi sempre assim. Houve momentos de grande dificuldade. Há pouco mais de 20 anos andaram os membros da equipa distribuindo papéis, de café em café, para explicar que a Câmara apenas iria pagar cerca de 7,5% do custo do Museu Islâmico. Sem ressentimento o digo. Todo esse processo foi uma grande aprendizagem, para todos nós. Hoje, Cláudio, o teu trabalho merece aplauso, urbi et orbi. Ainda bem que assim é. Embora tivesse dado jeito que esse reconhecimento tivesse chegado um pouco mais cedo.

Não quero fazer desta intervenção só um elogio, de ti, do teu trabalho, da tua tenacidade, do teu entusiasmo, do teu jeito de ver as coisas pelo ângulo inverso. Mas é claro que tudo o que disser parte desse reconhecimento. Que é o meu e que é o de todos nós. Uma placa num muro tem sempre um significado. Predisse-te um dia, há muitos anos, que um dia haveria em Mértola uma Rua Cláudio Torres. Enganei-me, felizmente. O nome no museu é muito mais justo, e sem ti ele não existiria.

Não vou aqui evocar recordações pessoais de um percurso que tivemos e onde se incluem episódios pícaros (que não reproduzirei), livros como “O legado islâmico em Portugal”, exposições em Portugal (Portugal Islâmico, em 1998), em Marrocos (Marrocos-Portugal: portas do Mediterrâneo, em 1998) e no Brasil (Lusa – a matriz portuguesa, em 2007), o arranque da revista “Arqueologia Medieval”, núcleos museológicos ou o projeto Discover Islamic Art. O único e decisivo testemunho pessoal que te posso deixar é que o modo como desempenhei o cargo de presidente da câmara, o modo como dirijo o Panteão Nacional ou como dou aulas na NOVA são devedores do que contigo aprendi ao longo de mais de duas décadas. Na verdade desde o já distante ano letivo de 1982/83. Espero ter estado/estar à altura dos ensinamentos.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?, perguntava há dias, citando Brecht, a nossa amiga Paula Amendoeira. Para depois aludir, claro, a ti e ao projeto de Mértola. O que se passou na vila depois de 1978 não seria possível sem o 25 de abril nem sem aquele período que passa agora para a História como o PREC (Processo Revolucionário em Curso). Foi nessa matriz um pouco desordenada que os tais sonhos eram possíveis, que tudo era possível e que as coisas tomaram forma. Este projeto é o de um Portugal Livre, não de outra coisa qualquer.

Apresenta-se, hoje menos do que há uns anos, Mértola como um modelo. Não é tal, nunca foi tal. O trabalho aqui desenvolvido resulta de um conjunto de circunstâncias, políticas, culturais e sociais daquele tempo. O projeto não seria possível deste modo em qualquer outro sítio. Nem seria possível iniciá-lo daquele modo, naturalmente, na Mértola de hoje.

O projeto é uma vitória? É uma vitória por vezes avassaladora. Um terramoto do qual és o epicentro. Com réplicas em muitos sítios. Mas não mudou, por muito que isso nos custe, questões de fundo. O despovoamento continua, o envelhecimento acentua-se. Não há, tecnicamente, falando, um interior. Mas há esquecimento. E em relação a isso, um projeto de desenvolvimento cultural pode ser, e é, um símbolo, mas não resolve, não resolveu, o resto.

O que é o resto? É passar de 700.000 habitantes no Alentejo em 1950 para 400.000 em 2021. Na prática, cabemos hoje dentro do concelho de Sintra. A isto chegámos. Em Mértola, criaste, sem dúvida, uma grande diferença. Mas ainda (sublinho ainda) não ganhámos o tal futuro que sonhaste, que sonhámos, que todos queríamos e queremos.

O que não queremos? Algumas imagens que, por vezes nos querem colar. O Alentejo não é o exotismo ao virar da esquina, com indígenas que cantam bem, que fazem bom artesanato, bom pão, bom vinho, bom azeite e que, felizmente e em nome dos bons costumes, abandonaram as práticas canibais há cerca de 2000 anos. Nós não queremos ser esse exótico baratinho. O que nós queremos, e temos direito, é a uma vida decente e a um Alentejo melhor. E desse caminho de conquista faz parte integrante o projeto de Mértola. Pelo que foi e que ainda se espera que possa vir a ser.

O que nos interessa é o futuro. Não há soluções infalíveis nem caminhos milagrosos. Mas há coisas que sempre estiveram na matriz deste projeto. O quê? A componente de investigação, bem entendido. As publicações. Os seminários e os colóquios, claro. Mas também as iniciativas improváveis e fora da caixa. A recusa da banalização e do costumeiro. “Temos de inventar qualquer coisa, que isto está a ficar muito sossegado”, dizia o Cláudio com frequência. Depois, seguiam-se semanas de frenética agitação, enquanto qualquer coisa tomava forma.

Foi um percurso pouco ortodoxo. Só em 1991 se publicou o primeiro catálogo de um núcleo museológico, só em 2004 e em 2005 surgiram as primeiras teses de doutoramento. Que a primeira publicação saída deste projeto tenha sido o resultado de uma recolha sobre mantas tradicionais, e não sobre arqueologia, diz muito do que é o génio do lugar. Nesses anos de arranque, duros e complexos, as opções foram outras: recuperar imagens religiosas, participar na reabilitação de edifícios, como aconteceu no museu romano, ou fazer de uma basílica cristã um ponto obrigatório de visita. Tudo isso foram gestos de cidadania e de compromisso que nos fizeram pensar a História, o Património do ponto de vista próximo das pessoas. Destas e não das da Academia ou dos tapetes fofos dos ministérios. Fazendo da Arqueologia um elemento da vida de todos nós. E não me digam que mitizo o passado ou que exagero. Eu estava cá. Foram 14 anos da minha vida vividos assim, dia a dia. Ainda aqui estou, aliás.

         A nossa grande aprendizagem passou pelo contacto com uma realidade social que desconhecíamos, e pelo contraste entre as expetativas do jovens universitários versus as expetativas dos jovens que vinham dos montes. Essa pedagogia política, essa aprendizagem da vida era aquilo que o Cláudio tinha como crucial neste projeto. E é claro que tinha razão.

O essencial agora é o futuro. Não há receitas, porque nunca as houve e hoje não é, seguramente, a ocasião para essas reflexões. Sobretudo, porque o futuro não passa pela burocratização, pelo óbvio ou pela repetição de receitas. Pelo fazer uma vez e outra e outra as mesmas coisas. Repetindo iniciativas, uma vez e outra. De um colega nosso, tecnicamente bem preparado, mas que nunca produziu nada que se visse, comentava-me uma vez o Cláudio: “não tem imaginação; e sem imaginação não se escreve História nem se faz Arqueologia”. Recordo aqui uma passagem do filme “Amici miei” de Mario Monicelli. Um personagem interroga-se “o que é o génio? Para depois responder: é fantasia, é intuição, é decisão e velocidade de execução”. Podia ter sido o Cláudio a dizer isso. Porque o padrão dele sempre foi esse. Oxalá tenhamos, no Campo Arqueológico, tomado como boa a lição.

Deixo aqui uma pequena reflexão. Creio que o projeto começa a envelhecer, geracionalmente, logo em meados da década de 80. A saída do Cláudio da Faculdade impediu que, ano após ano, fosse chegando gente nova que o tinha como professor. E ser aluno dele, acreditem-me, fazia toda a diferença. Um dia, há já muitos anos, disse-me ele “vocês achavam que escolhiam vir para Mértola, quando eu é que vos selecionava e puxava para cá”. Quebrado esse laço com a Universidade, só muitos anos volvidos a ligação se reataria. Num certo sentido, era já um pouco tarde.

Com frequência, é nos pequenos gestos reconhecemos a excecionalidade dos homens. Recordo aqui dois momentos que me marcaram. Há muitos anos, o Cláudio foi convidado a proferir seis conferências, sobre património islâmico, na Fundação Calouste Gulbenkian. O anfiteatro esteve sempre a abarrotar. Na última conferência, o tema era a cultura no al-Andalus. O Cláudio não disse uma só palavra nesse dia. O Cláudio convidou para irem a Lisboa três camponeses, Manuel Bento, Perpétua Maria e Francisco António, três artesãos dessa estranha e magnífica arte do cante e da viola campaniça. Foram eles as estrelas da tarde, num recital memorável, na Fundação Gulbenkian. O resultado foi uma interminável ovação. Porque o que ficara dessa memória mediterrânica estava aqui, nos campos do Alentejo, mais do que em qualquer vitrina.

O outro episódio ocorreu no início de 2002. Tinha havido mudança de partido à frente dos destinos da Câmara de Mértola. O Cláudio foi visitar, poucos dias volvidos, um velho militante socialista, Olímpio Bento, que estava já muito doente, levando-lhe, em homenagem, um cravo vermelho. Se alguém merecia celebrar essa vitória era o tio Olímpio.

         É esta a minha memória mais intensa do projeto de Mértola. A do sítio das coisas ilógicas, difíceis e contra a corrente, feitas de sonhos, de mitos e de irrealidades. De revistas sem peer-reviews, de museus sem um tostão no dia do arranque, de recuperações de ermidas, de vontade, de tenacidade e de heterodoxias várias. Mas acima de tudo, e essa foi a grande lição para todos nós, de proximidade às pessoas e de um compromisso cultural que foi, desde o primeiro dia, uma forma de participação cívica e de combate político.

    Termino como terminei a minha tomada de posse em Moura, há 10 anos.

 

 

Para além da curva da estrada, de Alberto Caeiro:

 

Para além da curva da estrada

Talvez haja um poço, e talvez um castelo,

E talvez apenas a continuação da estrada.

Não sei nem pergunto.

Enquanto vou na estrada antes da curva

Só olho para a estrada antes da curva,

Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.

De nada me serviria estar olhando para outro lado

E para aquilo que não vejo.

Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.

Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.

Se há alguém para além da curva da estrada,

Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.

Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.

Por ora só sabemos que lá não estamos.

Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva

Há a estrada sem curva nenhuma.


domingo, 17 de setembro de 2023

MÉRTOLA, SETEMBRO DE 1983

Um telefonema desta tarde veio-me recordar um facto, já quase escondido, na minha memória. Fui escavar pela primeira vez (na quadrícula F5, mas isso agora é o menos) em Mértola em setembro de 1983.

A viagem para lá foi "épica": de automotora, a das 6 da manhã, de Moura para Beja. Depois a camioneta, de Beja para Mértola. Com derivações por vários montes, como a Corte da Velha. Em Vale de Açor de Cima houve uma paragem técnica. O motorista desceu para apanhar uma encomenda e para beber um copo de vinho branco. Noutro tempo, noutro país...

Estive em Mértola três semanas. Que deram rumo profissional à minha vida, embora estivesse apenas a terminar o 2º ano da licenciatura.

A fotografia é de agosto de 1986, quando estava a escavar o chamado "silo 4"...


sábado, 16 de setembro de 2023

ISMAELITAS EM MÉRTOLA

Foi na passada terça-feira. Dia de estar em Mértola com um grupo do Centro de Estudos Ismailis. Um verdadeiro (e duplo) regresso ao passado. Deambulando por vários projetos a que dei o meu anónimo contributo. Uma década e meia (1991-2005) verdadeiramente marcante, do ponto de vista pessoal.

O que mais espantou os estrangeiros foi "aquilo acontecer" numa pequena vila, longe dos grandes centros. Uma vez, em Marrocos, perguntaram a um colega nosso quantas universidades havia em Mértola.


terça-feira, 13 de junho de 2023

EUROPA NOSTRA

Do Público, há poucos minutos:

Prémios Europa Nostra distinguem Cláudio Torres como paladino do património
Os Prémios do Património Cultural Europeu, anunciados manhã, consagraram o arqueólogo Cláudio Torres como “champion” (defensor ou paladino, em tradução portuguesa) do património, tendo ainda atribuído mais três distinções a Portugal, valorizando o restauro dos tectos em estilo mudéjar da Sé Catedral do Funchal; a salvaguarda da arte xávega, uma técnica de pesca artesanal, na praia da Tocha, em Cantanhede; e ainda o projecto multidisciplinar Almada, que recorre a novas técnicas de imagem e outros recursos científicos recentes para investigar e divulgar a arte mural de José de Almada Negreiros,

https://www.publico.pt/2023/06/13/culturaipsilon/noticia/premios-europa-nostra-distinguem-claudio-torres-paladino-patrimonio-2053107



domingo, 21 de maio de 2023

LIVRO DEZ

Foi o décimo de uma série iniciada em 2005, numa edição da Câmara Municipal de Mértola para o Festival Islâmico.

A apresentação teve lugar hoje, ao final da manhã.

Próximo festival: 2025.





sexta-feira, 19 de maio de 2023

ENTRE...

Há alturas assim. Ter de estar entre dois sítios, pelo menos em espírito.

E logo no domingo... Entre o lançamento de um livrinho sobre Mértola e mais um concerto (o sétimo) do segundo ciclo "Música no Panteão".

Os mini-livros que vão saindo - autoria, co-autoria ou colaboração - já vão em 10Mértola-Chefchaouen (2001), Síria (2005), Mar do Meio (2009), Moura-Bissau (2010), Mosaicos de Mértola (2011), Alcaria dos Javazes (2012), Casas do Sul (2013), Mesquitas (2019) e Bolama (2021). Prevejo mais três até este percurso terminar.

Os concertos no Panteão afirmaram-se e já são, desde 28.11.2021, 16. Sempre, e com exceção do primeiro, com casa cheia. Uma programação de alta qualidade, dirigida pelo Prof. Paulo Amorim.

MÉRTOLA









E LISBOA

sábado, 25 de março de 2023

MÉRTOLA, QUASE...

Dia 22 (quarta). Às 22:51 recebi um correio eletrónico. O Pedro Gonçalves comunicava-me que, depois de um difícil processo de paginação - isto de ter ou não ter o akhbar mt faz toda a diferença... - estava terminado o livrinho Mértola - مارتلة. Um trabalho de produção a três, com a participação decisiva do Manuel Passinhas  Apresentação no Festival Islâmico.

É o segundo da colheita/2023. Espero terminar mais um até junho. Para o segundo semestre não há nada.

sábado, 4 de março de 2023

ESTA COISA DA UBIQUIDADE...

É claro que me pus a organizar cinco ou seis coisas ao mesmo tempo e é claro que sobrepus as datas de duas delas sem me dar conta.

E assim, enquanto a minha colega Isabel Inácio conduzia as senhoras da Câmara de Moura numa visita ao Panteão Nacional (tendo lido antes uma mensagem que deixei)  andava eu pelo Castelo de Mértola em mais uma apresentação do projeto de Duarte Darmas.

No final, acho que ficámos todos a ganhar.