Deixou-nos o António Borges Coelho.
Visitei-o, pela vez derradeira, no passado dia 25 de setembro. Fisicamente não estava bem, mas a cabeça tinha o brilhantismo de sempre. Foi uma conversa divertida, de mais de uma hora. Surpreendentemente, narrou-me dois episódios pessoais, que eu desconhecia. E riu muito, como sempre. Despediu-se de mim de punho cerrado, gesto que amiúde repetia.
A palavra saudade é hoje mais forte do que antes.
Não é exagero dizer que a leitura de "Portugal na Espanha Árabe" moldou o meu percurso. Provavelmente, não me teria tornado historiador sem o impacto causado pelas páginas luminosas que António Borges Coelho escreveu para a 1º. e o 3º. volumes da primeira edição dessa obra. Só conheci o Borges Coelho anos mais tarde, já eu era aluno da faculdade. Infelizmente, nunca fui diretamente seu aluno. Estava de sabática, na fase final do doutoramento e tive de me contentar com uma alternativa. Em todo o caso, ele foi um dos meus professores de eleição, com o muito que me ensinou fora da sala de aulas.
O interesse de António Borges Coelho pelo Islão nunca esmoreceu, sendo depois caldeado pelas investigações sobre os Descobrimentos e, sobretudo, sobre a Inquisição, tema da sua tese de doutoramento. Isso mesmo fica claro com as sucessivas reedições de “Portugal na Espanha Árabe” e com a participação ativa nos projetos “Portugal Islâmico” (1998), “Marrocos-Portugal” (1999) e Museu Islâmico, em Mértola (2001). Uma participação solidária, empenhada e militante.
Em 1998, António Borges Coelho prefaciou “O legado islâmico em Portugal”, livro de que, em conjunto com Cláudio Tores, fui autor. Isso deu-me “pretexto” para, anos mais tarde, lhe fazer uma longa entrevista biográfica, publicada, com outros ensaios, no livro “Historiador em discurso directo” (2003), editado pela Câmara Municipal de Mértola.
Poderia repetir aqui tudo o que escrevi no parecer que a Universidade do Algarve me pediu, em 2009, no âmbito da atribuição do grau de “doutor honoris causa” a António Borges Coelho. Em especial no reconhecimento que todos lhe devemos, nos campos cívico, académico e humano.
(texto escrito no dia 7.10.2024)