quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A PISCINA DO SENHOR CARRILHO - REDUX



Morávamos na Rua Nova da Estação. No número 4 ou no 6, já não tenho a certeza. Os verões eram longos e as horas corriam devagar. Agora passam depressa e não percebo o que, entre esses tempos e os dias de hoje, fez com que tudo se tornasse mais rápido. Mas nesses dias, em 1968 ou 1969, não tinha ainda tais preocupações.

Como os dias eram lentos, o domingo nunca mais chegava. O domingo era quando se ía à piscina do senhor Carrilho. Havia, então, uma pequena peregrinação estrada do Sobral fora. A piscina era da classe popular e dos remediados da vila. Hoje já não há remediados. Hoje há as classes A, B, C1, C2, D e E. As classes A e B frequentavam a piscina menos que os outros, os do povo e os remediados.

Não tínhamos carro e o João punha-nos a andar estrada fora. A meio do percurso, que seria de uns 2,5 kms., aparecia sempre alguma alma caridosa, que nos deixava à porta da piscina. Noutros dias, combinava-se a ida com algum afortunado que tinha carro e que o atulhava de miudagem. As viaturas tinham de ter cinto de segurança mas o seu uso não era obrigatório (juro!) e a lotação era indicativa. Como em Bamaco, onde as carrinhas de 9 lugares têm placas de lotação que indicam, por misteriosa e nunca decifrada razão, 20, 21, 22, 23 lugares…

Era assim, empilhados, ruidosos, e ainda felizes, que desembarcávamos na piscina do senhor Carrilho. Que eram duas. A dos mais pequenos, à entrada, do lado direito. E, num plano inferior, a dos grandes, circular. A água, que vinha de uma nascente, era fria. A piscina maior tinha um repuxo no centro que caía sobre um prato de metal. O prato era vermelho, se bem me recordo. Algo me evoca ainda pinturas em azul e em amarelo, nas escadas de metal de acesso à água. Mas disso já não tenho a certeza. Pode ser a memória a pregar-me partidas.

Fui lá, pela vez derradeira, em 1975. O senhor Raul tirou-nos uma fotografia, lembro-me bem disso. Em 1976, a piscina do senhor Carrilho fechou, quando abriu a nova, em plena vila.

Passo muitas vezes à curva de onde se vê o que resta da piscina. Vislumbra-se uma ruína, e ervas onde outrora brincávamos. A curiosidade ainda não me venceu e não procurei voltar ao local de outros tempos, quando eu era outro.


Tenho uma certeza. O sítio, que era imenso, vai parecer-me acanhado. O tempo acelera-se, o espaço comprime-se. Coisas que o tempo traz. E que não sabíamos há quase 50 anos, quando o tempo não tinha medida e desejávamos que fosse domingo. Que era o dia de ir à piscina do senhor Carrilho.

Crónica publicada ontem, em "A Planície"
Imagem do Google, com a piscina circular bem visível.

1 comentário:

Rosys disse...

Grata Santiago, por este texto, que me fez percorrer a estrada, sentir o sol .
O caminho parecia tão longo, mas saber que a água era fresquinha e a brincadeira era boa, valia o esforço !!!!
A água junto ao repucho não era fresca, era gelada ....ui ui...