quarta-feira, 23 de maio de 2012

CLARISSA

Amenizemos, então, o ambiente do blogue com este excerto de um livro amado:

"No pátio, Clarissa senta-se nas bordas do tanque e começa a riscar com o dedo a superfície da água azulada. Escreve nomes. Clarissa, titia, Tonico, Dudu. Mas o brinquedo logo a enfastia. Com um tapa corta a água, que se encrespa em ondas minúsculas. Clarissa põe-se a rir: tem a impressão de que o céu dança, as nuvens dançam, a luz dança na água agitada...
De súbito começa a gritar e a correr, pondo em pânico as galinhas. Cacarejando, a bicharia foge, num bater de asas.
Cansada, Clarissa pára ofegante, deita-se no chão, de costas, à sombra de um pessegueiro. Como está morna a terra, e como é áspera e dura... Espreguiça-se. Tem as faces avermelhadas. Sorri ainda. Os seus seios se agitam. Fica olhando, muito atenta para as formigas que vão e vêm em duas filas, longas, cada qual a carregar o seu fardo.
Será que as formigas têm língua como a gente? Oh! Claro que têm. Clarissa observa... De quando em quando duas formiguinhas - uma que vem, outra que vai - param, aproximam-se e ficam quietas por um instante uma na frente da outra. Que será que estão fazendo? Naturalmente conversando. E que dirão?
"Boa tarde, comadre."
"Boa tarde. Tem trabalhado muito?"
"Tenho. Veja só o que vou carregando nas costas."
"Oh! A senhora é muito forte..."
"Como vai a família?"
Quanta coisa se podem dizer as formigas...
 

Um dos meus livros de Português do Ciclo Preparatório (ou seria o da 4º classe?) tinha excertos de Clarissa, escrito em 1933 por Érico Veríssimo (1905-1975). Quando o ano letivo terminou, fui direito à biblioteca para ler o livro todo. Apaixonei-me por Clarissa. Até hoje, não encontrei ninguém que não me tenha dito ter sido um dos livros mais importantes da sua juventude.

O escritor daria o nome de Clarissa à sua filha, nascida em 1935. E esta coisa do talento é hereditária: Luís Fernando está aí para o provar.

O bucolismo de Clarissa tem ligação direta com o da pintura de Harold Harvey (1874-1941), que integrou o grupo de Newlyn. O quadro intitula-se Children swinging on a gate.

1 comentário:

Lucrecia disse...

Ainda hoje, em momentos de calma, recordo Olívia, Clarissa, Ana Terra e o Capitão Rodrigo..e até o avião vermelho que se transforma em submarino...Muito bom lembrar do tempo do começo, lá na quinta serie.