sexta-feira, 8 de maio de 2020

FORCADOS E CIDADANIA

No meio da enorme confusão das últimas semanas, entre tanta incerteza e dados contraditórios, houve muitos dados positivos e gestos de grande solidariedade. Uns de maior visibilidade, outros mais discretos e contidos. Fui, ao longo das semanas, tomando nota de coisas que iam acontecendo, e registando atitudes generosas, que passaram ao lado da maior parte da imprensa. E que não me recordo de ter visto na “grande comunicação social”. Há problemas e constrangimentos? Há gente e instituições em dificuldade? Há questões a resolver? Houve quem se chegasse à frente. Como os Forcados Amadores do Ramo Grande, na Terceira; como os Forcados Amadores de Alcochete; como os Forcados Amadores de Coimbra; como os Forcados Amadores de Monsaraz, como os de Coruche, como os do Montijo, como os Amadores do Aposento do Barrete Verde de Alcochete, como os de Lisboa. Mais os de São Manços e os de Beja.

Como os de Moura. Era aqui que queria chegar e é aqui que bate o ponto. Se alarde, nem espavento, os Forcados de Moura estiveram presentes nesta campanha de solidariedade. Fraternidade e solidariedade são palavras que rimam com os moços do Real de Moura. A fraternidade presente num grupo com quase 50 anos, e que representa o concelho e deixa Moura bem vista, por onde quer que passa. A solidariedade que se manifesta na praça, nos bons e nos maus momentos. E, também, fora dela. Que tenham dito “presente!” para tomarem cargo a Festa de Nossa Senhora do Carmo diz bem o que lhes vai na alma. Que tenham assegurado, em simultâneo, a preparação da temporada e a festa da padroeira é verdadeiramente invulgar. Esta parte não me contaram, eu vi.

Não haverá, quase de certeza, temporada. Não é por isso que a atitude é menor. Não é por isso que o esforço e o empenho diminuem. Nunca fui forcado. Mas percebi, em especial no decurso dos últimos anos, e no afortunado contacto que com eles tenho tido, que a pega é em si, mais que um ato de bravura (que o é) é uma atitude e um princípio. Na arena e na vida.

Fiquei orgulhoso com esta atitude, e sabia que os moços do Real de Moura iriam estar na linha da frente. Foi assim que aconteceu, embora sem grande reconhecimento público. Os forcados não têm “imprensa”. Por isso, os gestos generosos como estes passam sem visibilidade e é hoje mais fácil atacá-los que tomar a sua defesa. É pena e não é justo.

Daqui a umas semanas, ou uns meses, a vida vai recomeçar o seu curso. Aos poucos e devagar. Voltaremos a conviver. O Real de Moura cá estará. E nós em eles. Porque a cidadania, a solidariedade e a generosidade não se apregoam. Praticam-se. Em 2021, eles terão a festa da padroeira de que gostariam. E terão, seguramente, a temporada alta do costume. Aquela que merecem ter.

Crónica no jornal "A Planície" de hoje

1 comentário:

Luís Alberto Fernandes de Almeida Lança disse...

Muito bom.