segunda-feira, 21 de maio de 2012

UM PAÍS DE POETAS

Numa cena do filme Malteses, Burgueses e às Vezes..., de Artur Semedo, um personagem sai de um autocarro, em Lisboa. Em frente à paragem está uma papeleira, com um poema impresso. O homem lê o poema e exclama "isto é mesmo um país de poetas...". Lembrei-me disto ao entrar no outro dia em casa e ao deparar com um grupo de miúdos a jogar às cartas. Cada carta do baralho tinha um aforismo diferente. Somos um país de poetas? Somos pois. Quer dizer, seremos todos menos eu.

Aqui vai mais uma carta para o baralho. Com um poema de José Tolentino, muito bom, que mão anónima me fez chegar hoje de manhã. 
 

O fio de um cabelo
Abandono a casa o horto o lugar à mesa
o casaco de que gostava, sobre o leito dobrado
esta verdade quase banal
que toda a vida fui

Não abro a porta quando batem
(às vezes batiam só por engano)
não avalio o balanço das certezas
o que separa uma forma da outra
sempre me escapou

Ontem começava a clarear
o ar frio que vinha dos campos
julguei-o de passagem e afinal
era um segredo que meu corpo
de uma vez por todas contava
ao meu corpo

Mas quando tombei sobre a terra
perdido como o fio de um cabelo
(aqueles que primeiro caem
da cabeça de um rapaz
e por não serem notados
são mais perdidos ainda)
estavas junto de mim

Lançaste ao fogo cidades
afogaste os exércitos
no vermelho mar da sua ira
hipotecaste terras tão preciosas
para estares junto de mim


José Tolentino Mendonça
De igual para igual






































2 comentários:

Anónimo disse...

ISSO MESMO.

Lucrecia disse...

O dia chegou rápido! Lindo poema de fato. E esse jogo com esse baralho deve ser bastante divertido.