O
contacto chegou pelo facebook. Pediam-me uma entrevista. Era um jovenzinho,
segundo depreendi. Marquei para um fim de tarde. Em vez de um apareceram-me
quatro. Estilo Bronx: andar gingão, camisolas muito coloridas, bonés com a pala
para trás e um jeito urbano, longe dos padrões rurais dos seus antepassados.
Tinham um projeto para uma pista de skate. Nunca fiz skate, mas percebi que os
moços tinham uma larga prática na matéria. Convidei-os para uma reunião no meu
gabinete. Percebi neles uma cerimónia quase reverencial. A conversa foi
correndo. Fiel ao método de investigação, fui inquirindo. Bairros, ruas,
famílias. Eram da Salúquia. Resolvi marcar nova reunião com um arquiteto da
Câmara, de forma a que pudessem explicar o que lhes ía na alma. De modo a que
pudessem dizer o que é o “street” ou o “half-pipe” e como é que se fazem os
truques mais difíceis. A segunda reunião foi ainda mais extraordinária. Sabiam
o que queriam e falavam com natural entusiasmo. Deu-me especial prazer reparar no espanto com que o técnico da autarquia
encarava a situação.
Soube
depois por uma familiar de um dos miúdos que eles não estavam à espera de ter
uma reunião com o presidente da câmara. Ri e comentei que o presidente da Câmara
de Moura não é propriamente o imperador Justiniano. Não há espaços inacessíveis
e a “proskynesis” era coisa só usada na Pérsia. Havia outra razão, que não
expliquei na altura e que remete para um episódio ocorrido na primavera de
1984. Estava a fazer, para a cadeira de Arqueologia Medieval, um trabalho sobre
o castelo de Moura. Dirigi-me à Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais, no Terreiro do Paço, e pedi para consultar o arquivo fotográfico.
Atendeu-me um arquiteto na casa dos 50 que, com toda a delicadeza, me foi
explicando como funcionavam as coisas, onde estavam os fundos documentais etc.
Conversou comigo com tempo e deu-me sugestões. Sem paternalismos nem
superioridade. Perguntei como poderia obter cópias das imagens e quanto é que
custaria o trabalho. Pediu-me para lhe entregar uma folha com as cotas e para
voltar dentro de duas semanas. Passado esse tempo, tinha à minha espera as
fotografias. “O trabalho não é nada; desejo-lhe boa sorte”. Aquelas duas breves
conversas com o arq. Barbosa Colen (era esse o nome do senhor) representaram,
para um estudante de 20 anos, uma lição fundamental, que não esqueci e que
tenho tentado manter ao longo dos anos: 1) do ponto de vista profissional,
temos de ter disponibilidade para falar com quem procura a nossa ajuda; 2)
tratar os interlocutores, independentemente da sua idade ou do seu estatuto,
como iguais e parceiros é uma boa forma de começar um trabalho; 3) a junção dos
dois fatores anteriores deve ser encarada como um fim em si mesmo e não como
estratégia para obtenção de vantagens. Foi por isso que decidi dar toda a
atenção aos moços. Na esperança de conseguir concretizar a almejada pista de
skate. E de que um dia mais tarde recebam, também, miúdos da idade que eles
agora têm.
Acabei
a cadeira de Arqueologia Medieval com a melhor nota daquele ano. Em 1989
iniciei as escavações arqueológicas no castelo de Moura. Faz agora 25 anos. As
coisas não acontecem por acaso...
Crónica publicada em 1.4.2014, em "A Planície". A fotografia data de 1965.
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