segunda-feira, 22 de setembro de 2014

AGORA, QUE JÁ NÃO HÁ VERÃO...

Parece que não começou, mas acabou. Um verão estranho e fresco. Como em 1989, ano que foi de fracas recordações.

O frio é um pouco como o das fotografias de Neal Slavin, o americano que, em 1968, andou por Portugal. Daí resultou um livro, editado em 1971, com um posfácio interessantíssimo de Mary McCarthy. A realidade fotografada por Slavin é bisonha, a relatada por McCarthy é ainda mais cinzenta. Há tradução portuguesa, editada pela Fundação de Serralves, em 1990.

Post outonal, num ano sem verões.




Chove. Há SilêncioChove. Há silêncio, porque a mesma chuva 
Não faz ruído senão com sossego. 
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva 
Do que não sabe, o sentimento é cego. 
Chove. Meu ser (quem sou) renego... 

Tão calma é a chuva que se solta no ar 
(Nem parece de nuvens) que parece 
Que não é chuva, mas um sussurrar 
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece. 
Chove. Nada apetece... 

Não paira vento, não há céu que eu sinta. 
Chove longínqua e indistintamente, 
Como uma coisa certa que nos minta, 
Como um grande desejo que nos mente. 
Chove. Nada em mim sente... 

Fernando Pessoa (Cancioneiro)

Sem comentários: