quinta-feira, 14 de junho de 2018

AMARELEJA, UMA JORNADA SENTIMENTAL


Recordava, no outro dia ao almoço, com Jorge Calado, a produção do livro “Amareleja”. O Jorge, que só ali foi, pela primeira vez, em 2016, apanhou depressa o pulsar da aldeia [chamemos-lhe assim, como gostam muitos amarelejenses]. “É uma terra forte e com grande orgulho e identidade”, dizia, convicto. O Jorge gostou imenso da Amareleja, o que facilmente se percebe pelo texto que escreveu.

Ao longo de quatro anos vivi, com especial intensidade, a relação com a Amareleja. Sem grande suporte político, e contando com um punhado de amigos, fui passando pela aldeia uma vez e outra. Uma atitude muito criticada por vários mourenses das minhas relações “eles não ligam a ninguém, o que é que lá vais fazer tantas vezes?”. Discordei sempre dessa perspetiva. E ia à Amareleja porque gostava de lá ir. Porque nunca gostei de pessoas que dizem que sim só porque sim. E os amarelejenses nunca dizem que sim só porque sim, para fazerem o frete e por bem parecer. Tive, entre 2013 e 2017, momentos duros. Alguns bastante difíceis. Decidi que nunca desistiria. Porque gostava muito da Amareleja. Porque gosto muito do sítio e das pessoas desse sítio. Nunca promoveria e participaria num livro sobre um sítio que me fosse indiferente. Por isso escrevi que “é a paixão dos fortes feita rua e gente”. E também que “a aldeia é um sítio e muito mais do que um sítio. A Amareleja espraia-se em linhas longas e contínuas, Ferrarias abaixo, Alto de Bombel acima. Não há declives fortes ou cortes abruptos. A Amareleja estende-se num suave ondular, numa geografia toda feita de recortes e de imprecisões. Como suave é o andar das mulheres com quem nos cruzamos. O poder ordenador das leis e do urbanismo chegou tarde às terras mais escondidas. As amarelejas do interior habituaram-se a tomar conta de si. O ziguezaguear das ruas e a improvisação dos limites são a marca de sítios assim”.

Quando esse convívio regular terminou, alguma coisa me ficou a faltar. No dia 24 irei recuperar um pouco, nem que seja só um pouco, do tempo perdido nos últimos meses. Irei ao Alto de Bombel? Certamente. E ao bar da música. E ao do GDA, seguramente. E à sociedade do terreiro, sem dúvida. E haverá viagem à Lua. E à do Vela. E ao Barriga Cheia. E ao Moreira. E ao novo Xico Mota. E por aí fora, tarde fora, noite dentro. E acho que o dia se me fará curto para tanto sítio.

No próximo dia 24 irei estar na inauguração do bar do Campo das Cancelinhas, na Amareleja. Retomarei, nem que seja só por umas horas, a minha jornada sentimental. Numa terra que é a paixão dos fortes. E que se não existisse, eu também não existiria.

Crónica publicada hoje, em "A Planície".

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