sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

QUINTA COLUNA Nº. 8: MÉRTOLA, O CAMPO ARQUEOLÓGICO E O FUTURO

Cláudio Torres recebeu, no dia 11 de janeiro, a Medalha de Mérito Cultural. Em rigor, é a segunda vez que recebe tal distinção. O galardão entregue, em 1998, ao Campo Arqueológico de Mértola era dele, também. Claro que representou um reconhecimento para a equipa, mas, no essencial e de modo natural, quem estava no centro das atenções era o próprio Cláudio.
Duas décadas se passaram e o Ministério da Cultura – essa entidade estranha de que os governos de Direita nunca gostam… – volta a manifestar o seu reconhecimento a Cláudio Torres. Foi uma festa muito bonita e emotiva. Como colaborador da casa, membro fundador do Campo Arqueológico de Mértola, atual investigador da equipa e, sobretudo, como amigo do Cláudio, lá estive. As intervenções – de Ana Paula Amendoeira, de Rosinda Pimenta, de Graça Fonseca, de Cláudio Torres – foram excelentes. Muito apropriadamente festivas, mas também de clara intenção política. Sem picardias, mas colocando os pontos nos iii. Fixemo-nos num ponto da intervenção do próprio Cláudio: “oxalá a gente consiga organizar aqui, em continuidade, um centro de investigação, que possa abrir, para o futuro, novas perspetivas, novas formas de investigar e de trabalhar, que possa desenvolver esta zona de uma forma mais coerente”. Não é só uma questão de dinheiro, sublinharia a ministra Graça Fonseca. Decerto que não. O problema é, antes de mais, demográfico. De capacidade de renovação de gerações. Do sangue novo que falta. O próprio Campo Arqueológico é disso exemplo. Sedimentada a equipa nos anos 90, não tem havido grandes possibilidades de incorporação de novos membros permanentes. As fontes de financiamento e de apoio têm sido a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, os fundos comunitários e a Câmara Municipal de Mértola. Os projetos e as bolsas da Fundação têm tido altos e baixos e trabalhar na corda bamba, a todos os níveis, é tudo menos fácil. Os fundos comunitários têm o problema da chamada contrapartida nacional. Ou seja, aquilo que a entidade tem de garantir, do ponto de vista financeiro. Uma entidade sem recursos financeiros próprios tem de recorrer a outras fontes de financiamento, de modo a cobrir a parte que lhe diz respeito. E aqui entra a Câmara Municipal de Mértola. Que tem apoiado, de forma firme e ao longo de 40 anos, a investigação histórica e arqueológica em Mértola. Recentemente, foram aprovados mais dois projetos: “Mértola Romana”, apresentado pela Fundação Serrão Martins, no montante de 173.732 euros, outro, “Arqueologia in progress”, pelo próprio Campo Arqueológico de Mértola, com um orçamento de 245.877 euros. Ao todo, são 419.609 euros, para investir até final de 2020, no primeiro caso, e até meados de 2021, no segundo. Conheço bem estes mecanismos de financiamento – foi pelouro que tive, durante mais de uma década, em Moura –, e uma coisa posso garantir. Não conheço outro caso de uma pequena Câmara Municipal que apoie, de forma tão consistente e continuada, um projeto de reabilitação patrimonial como o de Mértola.
O Campo Arqueológico de Mértola continua no centro das atenções. E do programa de valorização que em Mértola tem lugar. É o Campo um sítio de estudo do passado, mas, necessariamente, do futuro. Com a Câmara Municipal, sem dúvida, com as universidades, com os poucos fundos privados que apoiam tão “exótica” atividade. Com os membros atuais e com alguns dos antigos, e com os novos que se nos vierem juntar.
Em pano de fundo, está a questão fulcral que Cláudio Torres abordou, e à qual regresso. O da demografia. Os pouco mais de 1000 habitantes da vila e o seu (meu, nosso…) escalão etário, que são uma fragilidade presente futura. Precisamos de gente e, sobretudo, de juventude. Precisamos de investimento público governamental. De medidas fiscais, que vão além da insignificante, em termos de desenvolvimento, taxa variável do IRS. Precisamos do Estado. E não de declarações de amor em tempos eleitorais. O futuro do Campo Arqueológico será o de Mértola. Oxalá se consiga. Mas em jogo solitário não se conseguirá.


Fotografia - Artur Pastor
Crónica publicada hoje, no "Diário do Alentejo"

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