quarta-feira, 3 de novembro de 2021

SUSANA CORREIA (1955-2021)

Conheci a Susana Correia em 1985, num restaurante à entrada do Bairro Alto (o 1º de maio, na Rua da Atalaia). Tinham combinado ir lá com um amigo e acabámos por lá encontrar a Susana, o António Carlos Silva e outros colegas do IPPC. Para mim eram já seniores, embora ainda mal tivessem entrado na casa dos 30. Eram a nova geração da Arqueologia e do Património. De esquerda e pouco formais, um bocadinho anarquistas e muito conhecedores, do ponto de vista técnico.

Simpatizei de imediato com a Susana. Inevitavelmente. Exuberante e bem disposta era, na profissão, aquilo que eu desejava ser. Poucos anos volvidos, a Susana instalava-se em Beja, para trabalhar nos Serviços de Arqueologia do Sul. O seu labor discreto, quase anónimo, está longe de ser reconhecido. Talvez um dia chegue essa ocasião.

Comecei a minha carreira em Moura, em setembro de 1986. O apoio da Susana Correia foi-me decisivo. Ela sabia disso. Várias vezes lho disse. A começar pela exposição "Moura na época romana". Durante a preparação da qual me deu vários puxões de orelhas e me obrigou a ler "A voz dos deuses" ("faz-te melhor à cabeça que essas tretas técnicas que andas para aí a ler"). Tal como depois me deu uma ajuda decisiva para o arranque da escavação do Castelo de Moura, em 1989. Que teve um episódio florentino (e do qual fico como guardião). O meu projeto de escavação foi redigido numa Philips/Magnavox VideoWriter que o Museu Regional de Beja tinha. Era uma máquina de escrever com ecrã e que funcionava com disquetes de 3.5. A Susana ia supervisando e aprovando (ou não...).

Competente e bem preparada, não dava tréguas nem facilitava. Nem dizia que sim só para ser simpática. Era ainda mais exigente com os amigos. Sei o que digo e tenho disso provas. A verticalidade profissional foi imagem de marca até ao fim.

No meio de muitas andanças, ficaram inúmeros encontros profissionais, onde a parte extra-científica era bem mais interessante que as sessões de trabalho (como um colóquio em Faro, em 1990, do qual tenho a certeza que a Filomena Barata, a Teresa Marques e o Miguel Rego se recordarão)

Ao longo da vida, muitas vezes me fui cruzando com a Susana Correia. Algo menos desde 2017, quando decidi mudar de rumo e recomeçar, de outro modo, o caminho profissional. Uma decisão sobre a qual me zurziu "acho que fazes muito mal em deixar Mértola".

Devia-lhe este texto. Devo-lhe, seguramente, muito mais que este texto.

Devo-lhe (devemos-lhe, tantos de nós) este reconhecimento e esta gratidão.

Obrigado.

Obrigado, camarada!

Obrigado, querida Susana.


3 comentários:

ACS disse...

Caro Santiago. Como reconheço a Susana nas tuas sentidas palavras. Também me sinto na obrigação de dar testemunho da grandeza do coração da Susana, a mulher mais generosa e desinteressada da arqueologia portuguesa do nosso tempo (como disse hoje ao Baguinho na mensagem que lhe enviei). Mas por agora ainda não sou capaz... Está demasiado aberta a ferida!

jose chaveiro disse...

Um fiel retrato da nossa Susana! Amiga exigente profissional com o humanismo impar defensora das suas ideias e ideais! Abraço amigo Santiago.

Tânia Matias disse...

Devemos, também eu lhe serei eternamente devedora :(