Retomo agora, já quase na casa dos 60, autores de “juventude”. Alguns, quase caíram no esquecimento. Ou porque são pouco promovidos, ou porque não estão na moda, ou por qualquer outra razão. Um deles é Somerset Maugham (1874-1965), prolífico autor com uma carreira que se estendeu ao longo de várias décadas. Tem vários livros de viagens. Coloridos e interessantes. Em “Um gentleman na Ásia”, obra construída a partir de experiências tidas na década de 1920 na Birmânia e no Vietname, deparei com esta frase concisa e firme: “no Oriente não há silêncio”. Somerset Maugham constataria, hoje, que o silêncio desapareceu das nossas vidas. Ou seja, não é só no Oriente que não há silêncio… Não há um só sítio, um único para amostra, em que não tenhamos som. Não há um só espaço comercial em que a música não surja ou nos deixe em sossego. Nem que seja só por um segundinho.
A que propósito vem este tema? Por ter passado, há dias, junto ao portão da antiga Sociedade dos Azeites. Onde os meus avós viveram e o meu avô trabalhou como porteiro. Desconhecedor dos dias da semana, sabia que era domingo porque, ao acordar, ouvia o som do galinheiro, que ficava a 100 metros de casa. Em volta da casa, só havia silêncio. Nem o rumor dos homens que iam para o lagar, nem o ruído das camionetas que entravam a toda a hora, nem o som desengonçado dos carros de burro, que faziam parte da paisagem daqueles dias. O silêncio era sinónimo de domingo.
Viajei muito pouco, quase nada, mas é verdade que no Médio Oriente não há silêncio. O ruído do trânsito no Cairo faz qualquer das nossas cidades parecer moribunda, o rumor do “suq” de Alepo (o que terá sido feito dele?...) era feito de um mar de sons, com vagas de todos os tipos, as estradas ao longo do deserto têm enxames de pequenas localidades com cafés onde toda a gente parece estar zangada e falta altíssimo. Prefiro, ainda assim, esse ruído feito de vozes – ou de buzinas de carros -, ao puro barulho de “animação” que se me depara um pouco por toda a parte. Coisas da idade? Nem por isso… Na juventude, preferia os bares de música africana – como o “Bom Tom”, nas traseiras da Sé de Lisboa – porque a música era menos barulhenta e sem a catadupa de decibéis de outros locais.
Com tanto som e tanta animação por toda a parte, o silêncio torna-se-me necessário e vital. Nas bibliotecas – onde detesto ouvir murmúrios e “animação” a toda a hora nas salas de leitura –, nas praias – quando lá vou, o que é raro –, nas salas de cinema e de concertos, quando escrevo ou preparo a semana de trabalho. O silêncio é o contraponto do resto e um espaço de refúgio. Por alguma razão, termino a crónica ao fim do dia. Não está ninguém no Panteão. O silêncio é total. São 17:50 do dia 27 de setembro de 2022.
Crónica, hoje, em "A Planície".
O quadro do viajante solitário perante o mar de nuvens foi pintado em 1818 por Caspar David Friedrich (1774–1840).
Sem comentários:
Enviar um comentário