domingo, 16 de outubro de 2022

CRÓNICA ONUBENSE

Foi no dia 25 de março de 1979. O Recreativo de Huelva, o clube de futebol mais antigo de Espanha, estava pela primeira vez no escalão de topo e iria receber o Real Madrid.

Um animado grupo de mourenses (conhecidos como Os caveiras, coisa que um dia contarei) resolveu por-se a caminho de Huelva para ver o jogo. A passagem da fronteira fazia-se com passaporte, não havia telemóveis, muito menos vendas online. Chegados a Huelva, a inevitável notícia: a lotação estava mais que esgotada, como se vê pela crónica do ABC. Lá andaram, de bilheteira em bilheteira fazendo o choradinho somos portugueses, viemos de longe etc. Às tantas, um dos funcionários apontou para uma porta, nitidamente para despachar, e disse "batam ali, que logo se vê". Assim fizeram. A comitiva daqueles homens de ar pesado (perto da casa dos 50, todos de sobretudo escuro, um estilo solene - quem não os conhecesse...) bateu à porta. Abriu-a um guarda civil, com o clássico tricórnio e uniforme verde-azeitoina. O mais velho puxou da carteira e abriu-a para mostrar um documento e repetir a cantilena. Não chegou a abrir a boca. Ao olhar para a carteira aberta, o militar fez uma rígida continência e ordenou, marcialmente, "pasen!". Os caveiras entreolharam-se rapidamente e entraram sem dizer palavra para um camarote, magnificamente situado, de onde viram o jogo.

O episódio foi-me contado, anos mais tarde, por um divertido Rafael Pereira, que me disse, intrigado: "sabes, Santiago, ainda hoje para saber quem é que raio ele pensou que nós éramos!".

Crónica inócua? Decerto. Mas recordar estas coisas faz(-me) bem. Dos caveiras já só restam dois. Chamam-se João Macias e Joaquim Santos e têm 85 e 86 anos.

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