sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE A PERIFERIA DO CASTELO DE MOURA NA ÉPOCA ISLÂMICA (sécs. XII-XIII)

Decorreram, recentemente, escavações arqueológicas nos terrenos do antigo Convento do Carmo, em Moura. Os resultados preliminares acabam de ser publicados por Vanessa Gaspar e por Rute Silva na obra “Arqueologia em Portugal / 2023 – Estado da questão”. Trata-se de um bom ensaio, que dá a conhecer os materiais e que baliza cronologicamente os achados referentes ao período islâmico.

Os trabalhos em torno da realidade medieval de Moura permitem-me algumas reflexões à margem da escavação e que espero que possam ser uma achega para um estudo mais aprofundado. Em primeiro lugar, deve sublinhar-se a importância religiosa do sítio. Há a memória de uma ermida (eventualmente alto-medieval), que se situava a sul da atual igreja do Carmo. Há, em segundo lugar, que destacar a proximidade do cemitério islâmico, ao qual se sucedeu o bairro da Mouraria. Em 1970, foram

acidentalmente escavadas várias sepulturas dessa necrópole, na Rua da Estalagem, a cerca de 100 metros do adro do Carmo. Finalmente, e este é o aspeto que me parece mais importante, deve ser sublinhada a ocupação agrária do espaço perirubano.

 

O local onde o convento foi construído é uma vasta plataforma com um ligeiro declive em direção a norte. Toda essa zona beneficiou das águas que saíam do castelo e que irrigaram as hortas em seu redor. Trata-se de uma matéria a aprofundar e que tem reflexo nos documentos de repartição de águas, que foram produzidos ao longo vários séculos. No período islâmico haveria aí várias munyas – pequenas propriedades rurais situadas na periferia das fortificações –, como o parecem atestar estes achados e os materiais cerâmicos descobertos em tempos na Rua do Sete e Meio, local onde foi ainda encontrada uma moeda de Hisham II (segunda metade do século X / início do século XI). Não sendo um arrabalde de Moura, poderia ser local de fixação de algumas famílias, que viveriam em pequenos casais.

 

Embora o texto não o diga, os silos escavados tinham como função a conservação de cereais, pelo que não nos parece que a presença deste tipo de estruturas se possa desligar da existência de uma zona de “habitat”. A datação definida para os materiais –

séculos XII-XIII – é também relevante, por configurar um abandono das estruturas numa data próxima à Reconquista de Moura. A riqueza dos terrenos, e a mais que provável presença de sistemas de irrigação, levou à ocupação desta área pelos carmelitas.

 

O trabalho de Vanessa Gaspar e de Rute Silva vem sublinhar a importância da conjugação da leitura dos materiais arqueológicos, da consulta das fontes escritas e da simples, mas sempre necessária, observação do território. Um caminho interessante e, naturalmente, a continuar.

 

Nota: o presidente da Câmara de Moura usou o direito de resposta para um longo arrazoado sobre o que aconteceu e deixou de acontecer no Convento do Carmo, dirigindo-me, no final do texto, um banal insulto. Repito que o que se passou no Convento do Carmo – atrasos e mais atrasos com a “desculpa” da arqueologia – era

desnecessário e resulta de incompetentes decisões políticas. Todo aquele processo é dado nas minhas aulas de Gestão do Património na Universidade Nova de Lisboa como exemplo do que não deve ser feito.


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