No verão de 2020 trabalhei no levantamento fotográfico de agências da
Caixa Geral de Depósitos situadas em 156 concelhos (todos os
distritos do Continente, mais as ilhas da Madeira, Faial, Terceira e São
Miguel). Um trabalho intenso, planeado com rigor quase militar. As fachadas dos
edifícios tinham de ter luz plena, o que me obrigava a um esquema rígido. Um
dia comecei às 8h 30 em Viana do Castelo para depois fotografar, sucessivamente,
na Póvoa do Varzim, em Vila do Conde (um “filme” inesquecível, num caótico dia
de feira), em Valongo, em Fafe, em Felgueiras, para ir terminar a jornada em
Anadia. Antes de retornar a Mértola. Fotografar no Funchal foi um blitz:
apanhar o avião às 7h., tomar um táxi para o Lido, fotografar, regressar à
baixa, voltar a fotografar e regressar ao aeroporto para estar em Lisboa antes
da hora de jantar.
Foi um trabalho que me deixou inapagáveis marcas emocionais, e que já
motivaram um texto, neste mesmo jornal. À medida que aquelas jornadas
decorriam, aumentava a minha perplexidade sobre a palavra “interior”. É difícil
dizer que Portugal tem “interior” quando os concelhos mais afastados do
litoral, como Idanha-a-Nova, por exemplo, estão a pouco mais de 200 quilómetros
de Lisboa ou do Porto. Mas é fácil pensar em “interior” quando vamos a
Castanheira de Pera, a 30 quilómetros de Coimbra, ou a Ferreira do Zêzere, a
pouco mais de 100 quilómetros da capital, e é como se tivéssemos mergulhado
noutra dimensão.
Agora
que o País esteve em chamas, lá veio a ladainha do “interior” e do apoio ao
“interior”. Esquecemo-nos que o País está em chamas porque já não há gente
jovem e cada vez menos se cuida dos campos, nesses territórios remotos. O concelho mais “interior”
que ganhou população, nos últimos censos, é Vila Nova da Barquinha (Santarém),
que está a 60 quilómetros da costa. Para dentro, é a desolação. Não há gente,
porque o Poder Central abandonou vastas faixas do território à sua sorte.
Quando vêm inaugurar feiras, lá vem a revoada de banalidades elogiosas aos
autarcas, ao esforço das populações, à autenticidade do país real. “It kills
me”, como dizia o personagem de “Catcher in the rye”, quando elogiam a
autenticidade. Parece que estão em visita a uma reserva de criaturas exóticas.
O esforço dos Municípios não chega. É claro que estes têm de ter vistas
largas. Não podem comprometer o futuro com festas e festarolas, foguetes e
concertos. Em tempos (2013-2017) integrei o Conselho Nacional do Ambiente. Um
dia, irritado com tanta basófia, disse ao ministro de turno que dava um certo
jeito os governantes lerem dois livros que nos ajudam a enquadrar a realidade
atual: “A estrutura da antiga sociedade portuguesa”, de Vitorino Magalhães
Godinho, e “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”, de Orlando Ribeiro.
Respondeu, petulante, “é claro que já li os dois”. Não me pareceu que lhe tenha
servido de muito a eventual leitura…
Vamos estando assim, em periferias envelhecidas – não tarda muito também contribuirei para isso –, das quais se lembram de tempos a tempos e da quais se esquecem, na primeira curva da estrada, na hora do regresso.
Crónica em "A Planície"
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