terça-feira, 1 de junho de 2010

AS ROSAS DE GAZA

ADORMECIDO NO VALE
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É um vão de verdura onde um riacho canta
A espalhar pelas ervas farrapos de prata
Como se delirasse, e o sol da montanha
Num espumar de raios seu clarão desata.
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Jovem soldado, boca aberta, a testa nua,
Banhando a nuca em frescas águas azuis,
Dorme estendido e ali sobre a relva flutua,
Frágil, no leito verde onde chove luz.
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Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
Como sorri no sono um menino doente.
Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio.
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E já não sente o odor das flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito,
Tem dois furos vermelhos do lado direito.
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Tradução: Ferreira Gullar

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Quando ontem ouvi as notícias só me lembrei, disparatadamente, dos roseirais de Gaza. Eram célebres em todo o Médio Oriente. Foram praticamente extintos durante as sucessivas guerras. Os que resistem cairam, indirectamente, nas mãos de comerciantes israelitas. Ou estes entravam no negócio ou as rosas não saiam de Gaza. De Gaza não se sai. Em Gaza não se pode entrar. Foi em roseirais que nunca vi e na poesia maldita de Arthur Rimbaud (1854-1891) e na imagem do sindicalista morto, de Alvárez Bravo (1902-2002), que pensei nas muitas vezes que, ao longo do dia, pensei em Gaza. Como raio será viver em Gaza?

5 comentários:

Miguel Serra disse...

Em Gaza certamente não se vive, nem sequer se sobrevive, apenas se espera pelo dia em que uma bala israelita termine com tudo...impunemente, apesar de todo o mundo assistir ao que acontece...

Anónimo disse...

Concordo totalmente com o comentário anterior.

O problema da Faixa de Gaza e dos territórios palestinianos ocupados seria de fácil resolução se os Estados Unidos não apoiassem incondicionalmente Israel na sua cruzada, que já dura desde que umas mentes brilhantes decidiram "tirar" território áquele povo para que os Judeus pudessem ter o seu próprio país. O resultado está à vista! Não se contentaram apenas com o que lhe deram e quiseram mais, querem sempre mais.

Pergunto a mim mesmo com frequência porque tiveram direito os Judeus a um país de mão beijada e porque não se faz o mesmo com o povo Curdo, com o povo do Sahara Ocidental, e com outros povos que também sofrem ou sofreram na mesma medida. Qual é a diferença?

Que lições tirou o povo Judeu do Holocausto, para o Governo de Israel agir desta forma? Que moral lhes assiste?

Agora até o combate ao terrorismo é utilizado como argumento para bombardeios, ataques militares, assassinatos nos países vizinhos e sabe-se lá que mais.

O que espera o mundo civilizado que aconteça ainda, para tomar uma posição de força?

As notícias de hoje dão conta de um navio irlandês a caminho de Gaza com ajuda humanitária e, nas próximas 48 horas, são esperados mais dois navios. O que mais poderá acontecer nos próximos dias sem que ninguém tome medidas?

Acho que tudo isto já foi longe demais: permitir a um país que nem devia estar no mapa, cometer os crimes que vem cometendo, praticamente desde que, generosamente demais, lhe foi concedido aquele território, retirado a outro povo.

Para mim, a questão é mesmo linear.


Luís Amor

Anónimo disse...

Lembrei-me de FPessoa e do Menino de sua mãe.

Todos os meninos de todas as mães de Gaza vão partindo. Sem rosas, que já as não têm, apenas perplexidade, espanto, mágoa e raiva de todos nós que assistimos a isto, neste nosso tempo com que não sonhámos e que não queríamos assim.
MEG

Miguel Serra disse...

Em concordância com o que disse o Luis Amor, não posso deixar de acrescentar que a comparação com os curdos e os sahauris é extremamente feliz, o ingrato é que esses povos reclamam um território que já foi seu e que sofreram ocupações militares com a conivência da comunidade internacional e dos seus organismos, como os fantoches da ONU.
Estive recentemente nos campos de refugiados sahauris na Argélia e desloquei-me a um muro que poucos conhecem e que nunca surge nas notícias, é que antes de Israel construir o seu muro para se "proteger!!!" dos palestinianos, já antes se havia feito o pérfido ensaio deste sistema com a construção de um muro de 2400km no deserto, que impede o povo sahauri de regressar a casa.
E entretanto o que fazemos "nós"...assinamos novos acordos comerciais com a potência ocupante marroquina...afinal há lá petróleo, fosfatos e um enorme banco de pesca (quando chegar o Santo António, membrem-se que a maior parte da sardinha é pescada nas águas do Sahara Ocidental)

Anónimo disse...

Sim, é verdade que os curdos e o povo sarauí lutam para reconquistar oos seus territórios, mas os palestinianos também.
Ao povo judeu foi dado um deserto e, como qualquer dádiva, agradece-se e desenvolve-se a terra o melhor que se sabe e pode, não se desrespeita quem teve aquele gesto magnânimo e começa-se a ocupar o que está em volta.

Sofreram? Ninguém duvida. Mereciam aquela terra? Tenho muitas dúvidas e pelas razões que expus no comentário anterior: outros povos sofreram e sofrem em igual medida.

Quanto à questão dos acordos com Marrocos, destaco um deles: a renovação do parque escolar marroquino. Isto numa altura em que se sabe que vão encerrar mais 500 escolas em Portugal!
Ajuda-se a construir escolas lá fora e cá encerram-se! Nem sei o que chamar a isto, a sério que não!

E donde vão sair os milhões para cumprir os acordos?

Entristece-me cada vez mais o rumo que este país está a tomar.

Luís Amor