Foi terrível
ter lido, há cerca de uma semana, uma sondagem na qual cerca de 62% dos
inquiridos considera que o País é hoje mais pobre do que há 40 anos. Ou ainda
que 49% sustente que as condições de trabalho são hoje piores do que no
fascismo. Nem o País é mais pobre nem as condições de trabalho são piores. À
boa maneira das sociedades tradicionais, as coordenadas espacio-temporais
tornam-se difusas e, em especial, a capacidade de leitura do tempo dilui-se. O
que aconteceu há dez anos e há cinquenta torna-se, muitas vezes, insolitamente
próximo. É o nosso popular “se fica longe? não, é logo ali”, em dimensão
política.
Nem o País é
mais pobre nem as condições de trabalho são piores, repito. A verdade é essa,
mas a perceção é outra. Porquê? Porque falhou a transmissão dos conhecimentos,
porque faltou a capacidade de explicar a diferença entre “antes” e “depois”.
Tenho-me dado conta, nos últimos tempos, que a capacidade de ter uma leitura
retrospetiva dos acontecimentos não é, para muitas pessoas, tão linear e tão
evidente como seria de esperar. Ou, talvez o seja, depois de várias gerações de
estudantes terem sido expostas a bizarras experimentações no domínio do Ensino…
Nem Portugal é
mais pobre do que há 40 anos, nem o nosso concelho o é. Com todo o rol de
imperfeições da Democracia, com todos os falhanços e as incongruências, mesmo
considerando as aventuras europeias que levaram boa parte da nossa capacidade
produtiva, vivemos num País e num concelho melhor do que o dos tempos do
fascismo. As infra-estruturas de saneamento deram um decisivo salto em frente
(em 1974 menos de metade das casas tinha água canalizada, em Portugal), as
escolas colmataram as diferenças entre as nossas crianças e as dos grandes
centros, os equipamentos desportivos não têm qualquer comparação possível com o
que antes tinhamos, criou-se o Sistema Nacional de Saúde, o acesso à cultura e
à informação generalizaram-se e são agora menos elitistas. O País hoje é mais
pobre? Que raio de riqueza teria Portugal em 1970 com uma taxa de analfabetismo
de 25,7% (hoje é de cerca de 5%)? Objetivamente falando, Portugal era um País
mais pobre e mais atrasado do que o dos nossos dias. O mesmo se passa com
Moura. Os exemplos que contradizem o óbvio erro da sondagem poderiam
multiplicar-se.
Nestes dias
que correm, urge usar a memória e aperfeiçoá-la. Argumentos falsos como os que
estão por detrás do resultado da sondagem são perigosos, porque se difundem com
facilidade. Novos fascismos se desenham à sombra da desinformação. À semelhança
do que acontece com as serpentes, vê-se o réptil em formação por debaixo da
fina casca do ovo. Os recentes resultados do “Front National” em França são um
aviso. Um aviso ainda longínquo, mas que rapidamente se aproximará.
Crónica publicada hoje, no jornal "A Planície"
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Cliché de Alberto Malva (Original de 1906)
Edição em Postal de André dos Santos Conceição (Final dos anos 20)
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