sábado, 29 de outubro de 2016

CAVALOS DE FERRO

Dois Rumos

Mentir, eis o problema: 
minto de vez em quando 
ou sempre, por sistema? 

Se mentir todo dia, 
erguerei um castelo 
em alta serrania 

contra toda escalada, 
e mais ninguém no mundo 
me atira seta ervada? 

Livre estarei, e dentro 
de mim outra verdade 
rebrilhará no centro? 

Ou mentirei apenas 
no varejo da vida, 
sem alívio de penas, 

sem suporte e armadura 
ante o império dos grandes, 
frágil, frágil criatura? 

Pensarei ainda nisto. 
Por enquanto não sei 
se me exponho ou resisto, 

se componho um casulo 
e nele me agasalho, 
tornando o resto nulo, 

ou adiro à suposta 
verdade contingente 
que, de verdade, mente. 

Carlos Drummond de Andrade, in "Boitempo"


A velocidade de um cavalo parado, diria Rafael Alberti. O suporte, a fragilidade, o casulo, a armadura foram-me evocados pelo poema. Um trabalho interessantíssimo do escultor Renato Costa e Silva (n. 1956). Que dá expressão a uma peça do século XVIII. A prova provadíssima que presente e passado são conjugáveis.

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