ARQUEOLOGIA URBANA E REABILITAÇÃO – CASTELO DE MOURA
O castelo de Moura foi, até aos anos 30 do século XX, parte viva e integrante da cidade (fig. 1). A partir dessa altura, deu-se início a um processo sistemático de destruição das habitações no espaço intramuros. A razia foi quase total e abrangeu ainda parte substancial do Convento de Nossa Senhora da Assunção. Um bairro (fig. 2) passou a terreiro. A vontade de ajardinar o espaço e o abrir ao público tardou 70 anos a ser realizada. Um primeiro momento foi concretizado em abril de 2004. Um segundo na primavera de 2013. Entre um e outro houve necessidade de tornar visitável a torre de menagem. E de construir um posto de receção aos turistas. A musealização da torre ficou concluída em 2012, passados que tinham sido 23 anos sobre o início do processo (figs. 3 e 4). O posto de turismo abriria portas no ano seguinte.
A arqueologia acabou, inesperadamente, por ter um papel de destaque no processo de renovação do castelo. O posto de turismo seria uma construção em L, replicando o alinhamento dos muros existentes no local até ao início do século XX. Uma fachada cega retomaria o sítio de um antigo muro de quinta (fig. 5). Uma fachada envidraçada abriria a área de receção aos turistas para o jardim em que, de facto, o castelo se tornou. Na ausência de um programa de reabitação, criavam-se equipamentos, consentâneos com as novas necessidades do castelo. Um auditório coberto rematava a extremidade norte do novo edifício. Quando o dossiê me foi entregue os projetos de execução estavam terminados. Voltar atrás teria custos pesados e penalizaria processos de financiamento comunitário em curso. Concretizar o auditório parecia-me um perfeito disparate. Numa localidade com 8500 habitantes, havia já um teatro e dois auditórios. Outro equipamento destes teria custos pesados de construção e de manutenção. Antevia-se uma utilização esporádica do espaço.
A escavação arqueológica acabaria por dar outro curso ao projeto. Pouco depois do início dos trabalhos surgiram, no local do futuro auditório, duas peças funerárias romanas de grandes dimensões: uma placa e uma ara, ambas reutilizadas na construção de muros. Uma rápida sucessão de achados arqueológicos obrigou à alteração do projeto. O auditório foi suprimido. O edifício foi rematado no topo setentrional por uma nova fachada envidraçada, virada para a área arqueológica (fig. 6). Que nos revela esta escavação, que se tornou decisiva no processo de reabilitação do castelo?
De forma sumária, as intervenções realizadas permitiram definir um conjunto de cinco grandes ocupações, balizadas entre finais do século XI/meados do século XII e os séculos XVII/XVIII:
O castelo de Moura foi, até aos anos 30 do século XX, parte viva e integrante da cidade (fig. 1). A partir dessa altura, deu-se início a um processo sistemático de destruição das habitações no espaço intramuros. A razia foi quase total e abrangeu ainda parte substancial do Convento de Nossa Senhora da Assunção. Um bairro (fig. 2) passou a terreiro. A vontade de ajardinar o espaço e o abrir ao público tardou 70 anos a ser realizada. Um primeiro momento foi concretizado em abril de 2004. Um segundo na primavera de 2013. Entre um e outro houve necessidade de tornar visitável a torre de menagem. E de construir um posto de receção aos turistas. A musealização da torre ficou concluída em 2012, passados que tinham sido 23 anos sobre o início do processo (figs. 3 e 4). O posto de turismo abriria portas no ano seguinte.
A arqueologia acabou, inesperadamente, por ter um papel de destaque no processo de renovação do castelo. O posto de turismo seria uma construção em L, replicando o alinhamento dos muros existentes no local até ao início do século XX. Uma fachada cega retomaria o sítio de um antigo muro de quinta (fig. 5). Uma fachada envidraçada abriria a área de receção aos turistas para o jardim em que, de facto, o castelo se tornou. Na ausência de um programa de reabitação, criavam-se equipamentos, consentâneos com as novas necessidades do castelo. Um auditório coberto rematava a extremidade norte do novo edifício. Quando o dossiê me foi entregue os projetos de execução estavam terminados. Voltar atrás teria custos pesados e penalizaria processos de financiamento comunitário em curso. Concretizar o auditório parecia-me um perfeito disparate. Numa localidade com 8500 habitantes, havia já um teatro e dois auditórios. Outro equipamento destes teria custos pesados de construção e de manutenção. Antevia-se uma utilização esporádica do espaço.
A escavação arqueológica acabaria por dar outro curso ao projeto. Pouco depois do início dos trabalhos surgiram, no local do futuro auditório, duas peças funerárias romanas de grandes dimensões: uma placa e uma ara, ambas reutilizadas na construção de muros. Uma rápida sucessão de achados arqueológicos obrigou à alteração do projeto. O auditório foi suprimido. O edifício foi rematado no topo setentrional por uma nova fachada envidraçada, virada para a área arqueológica (fig. 6). Que nos revela esta escavação, que se tornou decisiva no processo de reabilitação do castelo?
De forma sumária, as intervenções realizadas permitiram definir um conjunto de cinco grandes ocupações, balizadas entre finais do século XI/meados do século XII e os séculos XVII/XVIII:
1. Admitimos
que possam ter pertencido ao minarete da antiga mesquita o muro, as escadas e o
muro de acesso à zona da casa do poço (fig. 10). Não nos é possível determinar
com exatidão a data deste muro, que é, em todo o caso e pelas datações de
carvões encontrados junto à sua base, anterior a meados do século XII. Temos
ainda troços de uma rua do final do período islâmico (figs. 7, 8 e 10).
2. Com o
abandono das estruturas habitacionais islâmicas tem lugar, num momento de
transição (segunda metade do século XIII?), a preparação do terreno que irá ser
usado como cemitério. Num segundo momento, instala-se o cemitério e começa a
funcionar, sobre as estruturas islâmicas confinantes com a rua, uma pequena
igreja. Datam desse período os enterramentos mais antigos (fig. 10).
3. Em meados
do século XIV, tem lugar a construção de uma igreja de raíz (figs. 7 a 10). As
sepulturas escavadas junto ao muro noroeste da igreja estão associadas a
numismas de meados do século XV, que funcionam como baliza cronológica para
esta ocupação.
4. No
decurso do século XV, provavelmente a meio da centúria, procede-se a uma
remodelação, que abrange parte substancial da área escavada. A igreja é
ampliada. Os muros são acrescentados na vertical. Procede-se então a um novo
enchimento, que define uma nova pavimentação, que passa a ser o novo piso do
cemitério (fig. 10).
As
sepulturas de maior aparato, pertencem a esta fase, época em que o campo
mortuário parece assumir maiores proporções. Trata-se de uma mera suposição,
uma vez que as sepulturas detetadas nesta área não foram levantadas, o que não
permite aquilatar da presença de um cemitério mais antigo, subjacente a este.
5. Em meados do século XVI, e em fase coincidente com a instalação do convento, a igreja é abandonada. Dos séculos seguintes, XVII e XVIII, são visíveis vestígios de construções que parecem estar relacionados com uso castrense do espaço, nomeadamente uma calçada, que nos testemunha essa fase de ocupação mais recente (fig. 7).
A reabilitação não se cingiu, neste caso, à refuncionalização de um espaço ou de um edifício. Se a adaptação da torre de menagem não colocou problemas de maior, a criação de um novo equipamento (fig. 11) obrigou, e tendo em conta a relevância dos vestígios arqueológicos identificados, à adaptação do edifício que estava projetado. E levou à posterior inclusão das novas ruínas no circuito de visita do castelo.
Santiago Macias (historiador – Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Moura entre 2005 e 2013; Presidente da Câmara Municipal de Moura entre 2013 e 2017)
Texto que resume uma conferência feita em Angra do Heroísmo. Em curso de publicação.
5. Em meados do século XVI, e em fase coincidente com a instalação do convento, a igreja é abandonada. Dos séculos seguintes, XVII e XVIII, são visíveis vestígios de construções que parecem estar relacionados com uso castrense do espaço, nomeadamente uma calçada, que nos testemunha essa fase de ocupação mais recente (fig. 7).
A reabilitação não se cingiu, neste caso, à refuncionalização de um espaço ou de um edifício. Se a adaptação da torre de menagem não colocou problemas de maior, a criação de um novo equipamento (fig. 11) obrigou, e tendo em conta a relevância dos vestígios arqueológicos identificados, à adaptação do edifício que estava projetado. E levou à posterior inclusão das novas ruínas no circuito de visita do castelo.
Santiago Macias (historiador – Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Moura entre 2005 e 2013; Presidente da Câmara Municipal de Moura entre 2013 e 2017)
Texto que resume uma conferência feita em Angra do Heroísmo. Em curso de publicação.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Fig. 1 – Castelo de Moura (vista
aérea – c. 1940)
Fig. 2 – Largo da Portaria (1938)
Fig. 3 – Torre de menagem (após a
musealização)
Fig. 4 – Torre de menagem (após a
musealização)
Fig. 5 – Zona do Largo da Portaria
e local do futuro posto de receção aos turistas (c. 2000)
Fig. 6 – Posto de receção aos
turistas e área arqueológica
Fig. 7 – Vestígios arqueológicos
medievais
Fig. 8 – Vestígios arqueológicos
medievais
Fig. 9 – Altar da antiga igreja de
Santiago
Fig. 10 – Planta de área
arqueológica
Fig. 11 – Posto de receção aos turistas
Fig. 11 – Posto de receção aos turistas
Sem comentários:
Enviar um comentário