terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

MEMÓRIAS AUTÁRQUICAS

A tradição autobiográfica tem poucas tradições entre nós. Muitas vezes, quem o faz não resiste à tentação de, como dizia O’Neill, “contar a vidinha”. Um exercício quase sempre de interesse discutível.

Anunciei, há uns anos, a intenção de escrever um livro sobre a minha experiência autárquica. O livro não saiu em 2018 nem em 2019 (embrulhado que andei em mudanças várias), em 2020 já era tarde, porque poderia soar ao anúncio de querer regressar. Para não alimentar equívocos, deixei correr o tempo. “Olha que depois já não tem interesse”, dizia-me uma voz avisada. E eu fazendo ouvidos de mercador, arrumei os dossiês na gaveta e deixei correr mais algum tempo. Em 2018 houve o livro “Caligrafias”, em 2019 o “929”, em 2020 os “Guerreiros e Mártires” e o “Diálogo na Sé”, em 2020, o concurso para o Panteão, mais a Mouraria, em 2021 o interminável “Duarte Darmas”. E assim chegámos a 2022, com outro trabalho quase a sair e mais o regresso a um trabalho de investigação iniciado em 1997 e que nunca terminei. Tenho, muitas vezes, a estranha sensação de querer regressar a um qualquer ponto de partida.

Pensei, há dias, “é agora”. Voltei a olhar para os 17 cadernos de apontamentos, para os dois caixotes de papéis (atas e relatórios e sei lá que mais) e pensei mesmo “é agora”. E vai ser. Vou reordenar as 650 páginas já escritas (o livro é sob a forma de crónicas, e são mais de 240 e o número vai subir) e vou terminar. Os temas procuram ser claros e objetivos: porque se atrasam os planos de ordenamento? Porque falham, por vezes, os planos de pormenor? Como se financiaram os projetos comunitários? Qual a importância da reabilitação urbana? Qual foi a evolução da dívida da Câmara? Qual foi a evolução dos prazos de pagamento? Como é que as despesas correntes condicionam a nossa atuação? Porque é que os outros concelhos são sempre “melhores” que o nosso (Reguengos!, esse fantástico e falido farol…)? Porque atuei daquela forma enquanto presidente? Dois ou três amigos serviram-me de cobaias (coitados…) e disseram que era muito autocrítico, por vezes impiedoso comigo mesmo. Ainda eles não viram o que digo de alguns protagonistas atuais da vida autárquica mourense…

Um livro assim tem de ser, ou tentar ser, um exercício de verdade. Não é um panegírico nem uma autoflagelação. Só se quer a verdade, nua e crua. Por muito difícil que possa ser. Se eu consigo explicar o que fiz e porque fiz? Claro que sim. Já quem veio a seguir, tenho dúvidas que perceba sequer o que está a fazer.

Tentações de regresso? Nem por sombras. Como o futuro é em frente, quem assinará o prefácio será André Linhas Roxas. Isso explica tudo e clarifica todas as dúvidas. Se estarei em/por Moura? Sempre, mas isso não tem a ver com cargos executivos.

Crónica em "A Planície"




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