A luz da nave, ao início da noite, era quase festiva. Pelo menos quando comparada com o sol difuso que, ao longo de todo o dia, por ali andou. A luz dos cenotáfios estava acesa. O solo, preparado para receber os visitantes de terça, tinha sido encerado com afinco. O monumento é bonito aquela hora.
O poema é de Manuel António Pina.
Talvez que noutro mundo, noutro livro,
tu não tenhas morrido
e talvez nesse livro não escrito
nem tu nem eu tenhamos existido
e tenham sido outros dois aqueles
que a morte separou e um deles
escreva agora isto como se
acordasse de um sonho que
um outro sonhasse (talvez eu),
e talvez então tu, eu, esta impressão
de estranhidão, de que tudo perdeu
de súbito existência e dimensão,
e peso, e se ausentou,
seja um sonho suspenso que sonhou
alguém que despertou e paira agora
como uma luz algures do lado de fora.
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