A procura de coisas inexistentes começava por exasperar os pobres empregados, que acabavam por levar a brincadeira numa desportiva. Tenho uma amiga, um pouco mais velha, que era exímia nesse gag.
O compal de nêspera está na hora de ser criado, se é que não existe já. É pelo menos a sugestão que me fica, depois de ter lido, muito recentemente, um suplemento sobre vinhos. Não há limite à poesia, nem à criatividade, nem ao delírio. Já uma vez dediquei um texto ao tema (ver aqui), mas agora isto piorou. Os vinhos sabem a vinho? Nem por isso. O que há, então, dentro de um vinho? Perfumes estranhos: “notas de vegetal seco”, “fruta bem madura”, mas também “fruta discreta” (esta possibilidade de escolha parece-me bem). Há ainda outros com “notas de madeira” ou com “tons florais e notas de pimento vermelho” (vermelho, não verde nem amarelo, atenção). Mais difícil ainda, há um “especiado, fruta preta em compota ligeira, chocolate, azeitona, um toque lácteo”. Há “tons de flores e especiarias frescas”, “notas de bergamota”, há um “fumado, salino, com as frutas pretas e do bosque por trás, há notas doces e tostadas da madeira, compotas” ou ainda “frutos do bosque, violetas, notas discretas de madeira de estágio”. Peitoral e bom para a tosse deve ser aquele vinho “muito balsãmico, com notas de eucalipto e mentol”, mais medicinal que o outro, “repleto de fumados, abaunilhados e amanteigado, pejado de aromas lácteos, com um toque floral de belo efeito”. Termine-se esta viagem pelos perfumes numa quase deambulação por um lugar de frutas, naquele vinho que tem “sucessivas vagas de cera, mel, pêssego, toffee, manteiga e ervas aromáticas”.
Nem só de aromas vive o vinho. Há-os “pouco comunicativos” (?),com um perfil “moderno e atlético” (!), há brancos de “estilo espadaúdo”, outros com um tom “austero e viril”, com um ar “muito civilizado” ou com “fruta fresca confitada, sedutora tosta da barrica nova, notas minerais”. Mais estranha é a existência de um vinho “nervoso”. Baco sem Vénus arrefece? Sem dúvida. Melhor, muito melhor, é ler que “na boca sentem-se os taninos sólidos mas perfeitamente amaciados pelo corpo poderoso” ou que se “mostra o lado mais sensual da Baga, sem contudo lhe retirar o músculo, o nervo e o carácter”. Mais enigmático, e a dar livre curso à imaginação mais frenática, é aquele da “boca seca e mineral, tensa e dura, quase mastigável no final amplo e carnudo”. Isto deve ter a ver com o que tem “uma acidez veemente que espevita o final de boca” e com o que é “enorme na boca, quase severo, retesado” e que é também “impressionantemente longo e intenso”. Todo um mundo de emoções... Parto do princípio que se deva beber antes do que é “fino mas cheio, encorpado mas elegante, denso mas tenso, cremoso mas mineral”. Ou ainda, e enfim, daquele cuja boca se apresenta “quase épica, larga de horizontes, desafogada e quase mastigável, gigante na dimensão… mas simultaneamente equilibrada e serena, sem fogos-de-artifício inconsequentes, sem acessórios desnecessários” (também acho!).
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3 comentários:
Ah ! Fiquei aliviada com o ultimo paragrafo do post...é que pensei que agora eras coleccionador de rotulos de vinho.
E p'ra quando o Compal de Romã ?
Não sou colecionador de rótulos. Mas leio-os todos.
Já deve haver
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