quinta-feira, 20 de junho de 2013

AMARELO

1.
A terra lauta da Mata produz e exibem
um amarelo rico (se não o dos metais):
o amarelo do maracujá e os da manga,
o do oiti-da-praia, do caju e do cajá;
amarelo vegetal, alegre de sol livre,
beirando o estridente, de tão alegre,
e que o sol eleva de vegetal a mineral,
polindo-o, até um aceso metal de pele.
Só que fere a vista um amarelo outro,
e a fere embora baço (sol não o acende):
amarelo aquém do vegetal, e se animal,
de um animal cobre: pobre, podremente.

2.
Só que fere a vista um amarelo outro:
se animal, de homem: de corpo humano;
de corpo e vida; de tudo o que segrega
(sarro ou suor, bile íntima ou ranho),
ou sofre (o amarelo de sentir triste,
de ser analfabeto, de existir aguado):
amarelo que no homem dali se adiciona
o que há em ser pântano, ser-se fardo.
Embora comum ali, esse amarelo humano
ainda dá na vista (mais pelo prodígio):
pelo que tardam a secar, e ao sol dali,
tais poças de amarelo, de escarro vivo.


João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e Milton Avery (1885-1965). Predomina o amarelo. Mas em diferentes modos. O amarelo de Avery, Interlude, sugere uma tranquilidade burguesa, algo entre o silêncio e a preguiça. O texto do poeta brasileiro poderá ser tudo. Plácido é que não, na violência das suas imagens e da sua franqueza.

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