Acaba hoje o Ramadão. Pouca gente se atreve, nos dias que correm, a contestar o jejum praticado neste mês, embora tenha ouvido muitos amigos muçulmanos criticarem a sua razoabilidade. Em agosto de 2013, 500 argelinos tomaram uma refeição pública em Tizi Ouzou, em pleno Ramadão, como forma de protesto face à "islamização" do País.
Retomo aqui um texto escrito para o jornal "A Planície" em novembro de 2005 e publicado no blogue no verão de 2009.
RAMADÃO EM TUNIS
Habib varreu a Praça da Qasbah com um gesto largo: "todo este terreiro estava cheio. Haveria talvez 15 ou 20 mil pessoas. No topo, onde está o edifício da Câmara Municipal, Bourguiba discursava à multidão".
Em pleno mês do Ramadão, Bourguiba permitia-se cuspir fogo sobre o mês sagrado dos muçulmanos. Em 1960 isso era possível. Bourguiba clamava que o Ramadão era um prejuízo para a sociedade. E que o facto das pessoas passarem um longo período sem trabalhar levava à paralisação do país. E que tudo aquilo não passava de um enorme equívoco e de um terrível absurdo. A meio do discurso Bourguiba atreveu-se a beber uma Fanta. A multidão, entusiasmada, aplaudiu.
Habib termina o relato quando a chuva começa a cair com mais força. A tempestade sublinha a escuridão da noite e só a luz dos candeeiros dá vida à Praça da Qasbah. O largo está deserto e é difícil imaginar a multidão e, mais ainda nos nossos dias, o discurso de Bourguiba. Horas antes cruzara a pé uma Tunis sem vivalma. Nem um carro à vista, os eléctricos parados e sem luz, um silêncio absoluto. Uma cena de filme do apocalipse. O fim do dia marca o fim do jejum durante o mês do Ramadão e as famílias reunem-se à volta da mesa, numa festa quotidiana que se prolonga durante 30 fins de tarde. Durante aquela hora a vida pública desaparece e as ruas são percorridas por um torpor que não tardará a desaparecer.
O jejum generaliza-se nos tempos que correm. A pressão social e religiosa chegaram mais longe que o laicismo de Bourguiba. E o episódio da Fanta parece hoje longínquo e à margem da realidade. A Tunísia continua laica, mas talvez menos. Embora Bourguiba tivesse razão. Durante o Ramadão a produtividade baixa a nívies sem paralelo. E depois, assegura-me o palestiniano Sa'd Nimr, que não jejua, "as pessoas andam irritadiças, a concentração é menor, há mais acidentes de automóvel e as coisas correm mal no dia-a-dia".
É este um mês de reflexão, tolerância e oração? Muhammad Najjar, jordano, duvida que assim seja. No fundo, para muitos é uma obrigação, cumprida com sofrimento e sem verdadeira e profunda convicção. O aspecto espiritual é desvalorizado e o compromisso social ganha o primeiro plano. Muhammad é lapidar e pragmático: "não é que as pessoas façam jejum; simplesmente deixam de comer".
O Ramadão é um mês de jejum e oração. Os muçulmanos não devem tomar qualquer refeição entre o nascer e o por-do-sol. O final do Ramadão é marcado por uma grande festa, chamada Aid el Fitr e que este ano [2005] terá lugar a 2 de Novembro. O próximo Ramadão inicia-se a 24 de Setembro e termina a 22 de Outubro de 2006.
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Crónica publicada em A Planície de 1.11.2005
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