A incapacidade de conceber o tempo - ou, se se quiser, o anestesiante entrechoque dos tempos - permite aos dois mundos de Portugal, o da aparência e o da essência, ignorarem tão completamente a sua incompatibilidade. Onde nenhuma ligação existe, também nenhuma fricção se há-de verificar. Onde tudo se volta para o passado, a diferença entre o agora e o futuro é coisa fútil.
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.O livro chega a ser irritante, por vezes quase ofensivo. Mas a leitura do tempo que Gerrit Komrij (n. 1944) nos dá em Um almoço de negócios em Sintra (1999) é certeira. A nossa forma de sentir o tempo é mais africana do que admitimos ou interiorizamos. Em todo o caso, a sensibilidade meridional, ainda que exageradamente caricaturada - veja-se a narrativa da visita a um doente no hospital - está à flor da pele.
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Reli o livro hoje, por entre a visão das fotografias de Toni Catany (n. 1942). As imagens do artista malhorquino são meridionais e roçam o caos, seja na sala, estranhamente familiar, do jogo de matraquilhos no sul marroquino ou nas ruínas do mundo clássico. Quando, ao final da tarde, um amigo me lançou uma pergunta embaraçosa "de que andas tu a fugir?" deu-me vontade de lhe citar o livro e de dizer a diferença entre o agora e o futuro é coisa fútil.
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O livro foi traduzido do neerlandês pelo mertolense Fernando Venâncio.
2 comentários:
neerlandes? porque não holandes?
Limitei-me a seguir a indicação da ficha técnica do livro.
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