quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O ÚLTIMO POÇO DA MORTE



Ao ler, ontem, o A CINCO TONS (v. texto de Carlos Júlio aqui), dando conta do anunciado desmantelamento do último poço da morte ainda existente em Portugal, senti enorme pena pelo fim de uma atração de feira que não voltará. Ainda que, por norma, não republique textos aqui fica o testemunho da minha memória de um espetáculo único. Foi na feira de setembro de 1971 ou 1972.



O GRANDE NELSON

“Há belhetes na belheteira” anunciava a lata pintada em frente ao poço da morte. O poço da morte foi a minha ruína e quando chegou o último dia de feira não sobrou um tostão dentro da carteira de plástico preto com o emblema do Benfica. Era linda a minha carteira de plástico preto com o emblema do Benfica e nunca percebi porque é que lá em casa só eu gostei dela. 12$50 (uns seis cêntimos) foi o investimento, logo no primeiro dia, embora me tivessem dito para não comprar nada no primeiro dia de feira, porque era o dia dos aldeanos.

Com o que sobrou comprei o primeiro de vários belhetes. Subia-se por uma escada exterior, do lado direito do poço da morte. Cada degrau era um passo mais no caminho da angústia. Mais um passo, mais ansiedade, e a expectativa de esperar que não fosse naquele dia o fim do Grande Nelson. Ingmar Bergman gostaria de conhecer o poço da morte e a angústia de Nelson, mas na Suécia de certeza que não há poço da morte.

O poço era uma parede vertical em madeira, com uma pequena inclinação junto à base. Do varandim, nós, os outros, podíamos ver o Grande Nelson desafiar a morte. Primeiro entravam os filhos de Nelson em bicicletas a pedais, pedalando furiosamente, primeiro inclinados, depois completamente na horizontal, desafiando a lei do outro nelson. À distância de mais de 30 anos impressiona a temeridade dos rapazes, que a certa altura se cruzavam num bailado arriscado. Talvez fossem temerários, mas nada superava o Grande Nelson. A moto fazia um barulho terrível, como se fosse explodir a cada aceleração. Era um bocadinho de espectáculo para dar mais uma justificação ao belhete, mas nós ficávamos ainda com mais respeito. Depois sim. O Grande Nelson arrancou. Parede acima, parede abaixo. Uma pirueta, depois outra. Nós angustiados, no varandim em volta do poço, o Grande Nelson de sorriso rasgado, a morte derrotada com tanta audácia, as leis da física esmagadas com tanta coragem. Mas o grande momento estava para vir. Quase no final da actuação o Grande Nelson puxou de uma bandeira nacional, tapou a face e abriu os braços. Ele e a moto continuaram, poço acima, poço abaixo. Depois parou a moto, tirou o capacete e os óculos à major Alvega. Olhou para nós, à matador. Aí o poço quase veio abaixo. A malta deu-lhe a ovação que ele, nesse altura já quase imortal, queria e merecia. Eu fiquei à beira das lágrimas, com tanta angústia, tanta emoção e tanto patriotismo. Desci as escadas do lado esquerdo do poço da morte jurando que todos os dias da feira iria prestar homenagem ao Grande Nelson. E fui.

No dia 10 a feira acabou. Nunca mais vi o Grande Nelson. Nem o poço da morte, nem a inesquecível lata que anunciava os belhetes e a belheteira.



Não consegui qualquer referência sobre o grande Nelson. A crónica foi publicada no jornal A Planície de 1 de Junho de 2006. A fotografia foi obtida aqui:

http://www.clubextportugal.com/t2124-poco-da-morte

9 comentários:

Álvaro Barriga disse...

Eu conheci pessoalmente o Grande Nelson, convivi com ele, tinha pouco mais de dez anos, e vi muitos espetáculos na antiga Feira de Santa Maria e São Loutrenço em Beja, no local onde hoje está construido o Pavilhão Municipal e o Hotel Francis.

... diziam os mais próximos, em tom de gozo ... "Cuidado Nelson, foi nesse número que morreu o teu velho".
o meu querido pai amigo pessoal do artista também já faleceu, mas recordo com saúdade as tardes e noites de verão que passamos com o Grande Nelson...!

Anónimo disse...

Este Poço da Morte esteve em Moura pela ultima vez em 2003 ou 2004 numas das primeiras (ou talvez na primeira) Concentrações Motards do Moto Clube de Moura.

Unknown disse...

Nelson era o meu tio casado com a minha querida tia Rute acabando por partir hoje juntando-se aos filhos Ulisses e Manel meus primos...Nelson amava os bons prazeres do mundo desde festas com champagne aos passeios por Espanha e Paris...acabando de ceder a humildade por fim ajudando seu filho nas feiras...Deus os guarde em memoria com muitas bencaos

by mghorta disse...

Vi este Herói mais que uma vez em feiras em Abrantes,
era fabulástico.

Unknown disse...

Eu também tive o prazer de conhecer o Ti Nelson, a Rute ,os filhos Ulisses e Manel ,pois eles moravam na Baixa da Banheira, no largo da GNR, o Ulisses faleceu ai há mais ou menos 10 anos ,a filha com quem brincava quando era puto nunca mais a vi

Anónimo disse...

Sou o neto do Nelson e filho do Ulisses. Maravilha ver esta pérola.

Santiago Macias disse...

Nunca mais vi o poço da morte, mas a exibição do seu avô era extraordinária.

Anónimo disse...

Ao abrir aqui uns comentarios achei a minha familia que nao sei ha muintos anos pois eu so a filha mais velha do amilcar pereira dos santos e sobrinha da rute e nelson

Anónimo disse...

Eu conheci o seu avô o grande Nekson. Quando ia a Beja ele visitava familiares ou amigos em Beja??? Eu conheci e gostava muito dele. Abraço