sábado, 6 de agosto de 2011

A TRIP DE ZITA SEABRA

Os melhores textos humorísticos são, com frequência, fruto de atos involuntários. A "reportagem" que o Expresso publicou hoje, assinada por Zita Seabra, ilustra bem essa ideia. "Como é que se pode mudar tanto?", perguntava-me, ingenuamente, uma amiga. A verdade é que Zita não mudou. O fanatismo e o dogmatismo de outrora são os mesmos.

De que se trata, então? De revisitar a Rússia pós-soviética. Não se pedia que Zita tivesse o talento de Bruce Chatwin ou de Ryszard Kapuściński. Mas a passeata de Zita rio acima é, em termos informativos, incompreensível. O Dr. Balsemão, que tem fama de forreta, lá saberá como investe os seus capitais. Mas esta reportagem liceal não terá retorno, seja ele qual for.

O primeiro problema são os adjetivos. As paisagens são "fantásticas", o percurso "inesquecível", os palácios "fascinantes", as igrejas "espantosas" e "monumentais", as cúpulas "coloridas", as basílicas "belas" e as catedrais "belíssimas". Uf, suspira-se no fim, ficando nós a pensar que a falta de qualidade da escrita é "catastrófica".

O segundo, e mais grave, problema é a incultura de Zita Seabra. Facto que me surpreendeu. Escrever que "esta mania de construir grandes obras públicas com mão de obra forçada tem uma forte tradição na Rússia" (a escriba referia-se tanto a Pedro, o Grande, aos últimos czares e a Stalin) revela um total desconhecimento do que é a estrutura do poder nas sociedades do oriente europeu. E a forma como elas foram contaminadas pelo mundo bizantino. Não se trata de uma "tradição". Estamos a falar de um dos pilares do poder naquele país. Cultivado até hoje.

Zita não resiste à inovação, quando, a propósito da construção de S. Petersburgo, afirma que a cidade ficou "cheia de prédios e palácios europeus, neoeuropeus, digo eu (neoclássicos, neorromânticos, neogóticos)". É uma descoberta fascinante. Nos inícios do século XVIII Pedro I terá, segundo Zita, antecipado tanto os revivalismos como o romantismo. Uma tese importante e a merecer desenvolvimento.

Zita também suspira de alívio ao constatar que viu "muitas dezenas de belas basílicas e alguns mosteiros e só encontrei uma foice e martelo". Confessa, no mesmo parágrafo, ter ficado sem palavras com a Catedral da Transfiguração, "toda feita de madeira, sem um prego". Não é clara a ligação com a falta de martelos, mas parti do princípio que se tenha tratado de uma coincidência.

Em terceiro lugar, Zita rima com candura. É isso que lhe permite, sempre à mistura com o ódio pelo comunismo (uma questão pessoal, que não me merece comentários), escrever com convicção os mais rematados disparates. O melhor de todos é o que revela que o arcaísmo da liturgia ortodoxa, ainda hoje praticada, está relacionado com a interrupção, em 1917, do sínodo que a ía renovar. O patriarcal Kirill deve estar a arrepelar as suas longas e brancas barbas...

Voltei lá, diz Zita. Ainda bem. O sábado adivinhava-se soturno. Com este texto o dia melhorou bastante.


Zita Seabra ("Visão", de agosto de 2007), num baile de apresentação à sociedade,
muito antes de debutar como repórter

2 comentários:

Carlos Costa disse...

Caro Santiago,
Foi rápido e certeiro na análise da triste redacção de Zita Seabra, publicada no "Expresso" deste fim-de-semana. Depois de ler os dislates da "jornalista" (a estória dos revivalismos é uma pérola digna de uma antologia do melhor humor académico), dei comigo a pensar no verdadeiro paradoxo que o percurso pessoal da criatura encerra: afinal, como foi possível alguém com a ignorância enciclopédica de que ZS dá provas consistentemente ter conseguido alcançar a proeminência de que todos nos recordamos no seio do PCP... E agora, muitos anos volvidos, é editora, pasme-se. Balsemão gastou mal o seu dinheiro, de facto!
Um abraço,

CC

Anónimo disse...

É caso para citar esta frase bastante conhecida, já que a língua Portuguesa se presta a estas coisas(ler devagar):
"Se o Mário Mata, a Florbela Espanca, o Jaime Gama e o Jorge Palma, o que é que a Rosa Lobato Faria? E, já agora: alguém acredita que a Zita Se abra para o António Peres Metello?"