Guardava de Benalúa, uma aldeia seis quilómetros a norte de Guadix, uma memória difusa. Passei lá dois longos dias, na primavera de 1996, recolhendo informações para um texto que a revista “Grande Reportagem” publicaria, meses mais tarde, com o sugestivo título “No coração da terra”.
Que me levava a tal sítio? O interesse pelas casas escavadas na rocha e o ar insólito que esses espaços deixavam supor, com fachadas iguais a todas as outras, detrás das quais se escondiam grutas que eram, afinal, lugares habitados. Ouvira falar dessa arquitetura, então em decadência, e achei que o tema podia dar um texto interessante. Chegar a Benalúa foi um golpe de sorte. O contacto foi-me proporcionado pela Teresa de Castro, uma colega da Universidade de Granada cujos tios viviam na aldeia. Pude assim visitar a casa-gruta onde moravam, bem como outras que Pepe, um pedreiro especializado, se encarregava de recuperar. As casas eram/são excecionais dos pontos de vista térmico e acústico. A argila garantia uma total impermeabilização, pelo que o alto dos cerros servia de telhado às casas. Ainda assim, o folclorismo associado às grutas e a classificação deste tipo de habitat como “troglodítico” causava uma certa rejeição, em especial por parte de quem já tinha iniciado um percurso de ascensão social. Ouvi a opinião de várias pessoas, moradores e técnicos camarários, pedreiros, investigadores e empresários turísticos. Foram especialmente úteis as indicações da Maryelle Bertrand, que fizera uma tese de doutoramento sobre este tipo de casas e que vivia numa “cueva”. Um bloco de apontamentos cheio de notas e de desenhos esquemáticos, que mais tarde me ajudaram a completar a reportagem, foi o resultado desses dois dias de entrevistas. No fim do trabalho encontrei-me com os amigos de Granada numa taberna mítica da cidade: La Sabanilla. A noite acabou com brindes aos “periodistas” (o António Cunha e eu) e em ambiente farrista.
Apesar das ameaças, as “cuevas” de Benalúa não morreram. As casas escavadas na rocha passaram por um processo de modernização muito semelhante à da arquitetura vernacular das nossas aldeias. Fachadas modernaças cobrem agora a entrada nas grutas. Um estilo um pouco mais tradicional persiste ainda nos bairros altos de Benalúa e de Guadix, onde vivem quase só ciganos. Talvez as “cuevas” atuais não sejam tão bonitas como as antigas. Mas o espírito do lugar não se perdeu. Está afinal aí, nessas ideias de permanência e de transmissão, o essencial das coisas.
O tempo passou e o tema desse trabalho ficou no baú das recordações. Regressei a Benalúa há duas semanas. Foi-me fácil constatar agora, quinze anos depois, como quase tudo mudou. A aldeia transformou-se, apesar de haver mais gente a morar em “cuevas”. O resto pertence ao passado. A revista “Grande Reportagem” já não existe. A Teresa partiu para a Austrália há dez anos e vive para os lados de Adelaide. A Maryelle faleceu há tempos. Do Pepe não voltei a ter notícias. O La Sabanilla fechou e não voltará a abrir.
Que me levava a tal sítio? O interesse pelas casas escavadas na rocha e o ar insólito que esses espaços deixavam supor, com fachadas iguais a todas as outras, detrás das quais se escondiam grutas que eram, afinal, lugares habitados. Ouvira falar dessa arquitetura, então em decadência, e achei que o tema podia dar um texto interessante. Chegar a Benalúa foi um golpe de sorte. O contacto foi-me proporcionado pela Teresa de Castro, uma colega da Universidade de Granada cujos tios viviam na aldeia. Pude assim visitar a casa-gruta onde moravam, bem como outras que Pepe, um pedreiro especializado, se encarregava de recuperar. As casas eram/são excecionais dos pontos de vista térmico e acústico. A argila garantia uma total impermeabilização, pelo que o alto dos cerros servia de telhado às casas. Ainda assim, o folclorismo associado às grutas e a classificação deste tipo de habitat como “troglodítico” causava uma certa rejeição, em especial por parte de quem já tinha iniciado um percurso de ascensão social. Ouvi a opinião de várias pessoas, moradores e técnicos camarários, pedreiros, investigadores e empresários turísticos. Foram especialmente úteis as indicações da Maryelle Bertrand, que fizera uma tese de doutoramento sobre este tipo de casas e que vivia numa “cueva”. Um bloco de apontamentos cheio de notas e de desenhos esquemáticos, que mais tarde me ajudaram a completar a reportagem, foi o resultado desses dois dias de entrevistas. No fim do trabalho encontrei-me com os amigos de Granada numa taberna mítica da cidade: La Sabanilla. A noite acabou com brindes aos “periodistas” (o António Cunha e eu) e em ambiente farrista.
Apesar das ameaças, as “cuevas” de Benalúa não morreram. As casas escavadas na rocha passaram por um processo de modernização muito semelhante à da arquitetura vernacular das nossas aldeias. Fachadas modernaças cobrem agora a entrada nas grutas. Um estilo um pouco mais tradicional persiste ainda nos bairros altos de Benalúa e de Guadix, onde vivem quase só ciganos. Talvez as “cuevas” atuais não sejam tão bonitas como as antigas. Mas o espírito do lugar não se perdeu. Está afinal aí, nessas ideias de permanência e de transmissão, o essencial das coisas.
O tempo passou e o tema desse trabalho ficou no baú das recordações. Regressei a Benalúa há duas semanas. Foi-me fácil constatar agora, quinze anos depois, como quase tudo mudou. A aldeia transformou-se, apesar de haver mais gente a morar em “cuevas”. O resto pertence ao passado. A revista “Grande Reportagem” já não existe. A Teresa partiu para a Austrália há dez anos e vive para os lados de Adelaide. A Maryelle faleceu há tempos. Do Pepe não voltei a ter notícias. O La Sabanilla fechou e não voltará a abrir.
Crónica publicada em "A planície" de 15.9.2011
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