sexta-feira, 14 de abril de 2017

ISIDORO AUGUSTO

Dia de pausa com uns minutos para olhar livros lá por casa. Um deles, Fazedor de imagens, foi-me oferecido pelo autor, Isidoro Augusto, em 20.12.2015. Coisa estranha, não tenho ideia nenhuma disso... Ainda para mais, o livro é excelente e o fotógrafo um artista de qualidade. Há paisagens, sempre melancólicas e introspetivas, e imensos trabalhos gráficos. Ganhei o dia, graças a Isidoro Augusto. Deixo aqui um texto de António Ramos Rosa.


ISIDORO AUGUSTO
ou a metamorfose do vazio


por

ANTÓNIO RAMOS ROSA


Nestes desenhos foto-gráficos de Isidoro Augusto não há nada de simbólico, alegórico ou metafórico. É que eles nada representam ou figuram, pois são um puro acto cujo objecto é a sua própria génese. Pode dizer-se que este acto é uma afirmação do vazio enquanto lugar da aparição da forma. Assim, a forma surge do vazio no limite em que a sua emergência é a própria formação do vazio. O artista deixa de representar seja o que for para se encontrar face ao visível na sua pureza integral, sem a alienação de qualquer ponto de vista. Este espaço visível mostra-nos então a invisibilidade do ser.


Num certo sentido, tudo o que eu apreendo ou contenho, só o compreendo se souber que é algo inapreensível e que eu posso deixar ser. Só assim a infinidade se revela na sua invisibilidade, na plenitude do vazio. Esta experiência é fundamental porque se trata de uma forma de conhecimento do absoluto. Será este o sentido destes desenhos, dos quais não se pode dizer que tenham um tema ou reproduzam um objecto (real ou imaginário)? O essencial neles seria o vazio, o espaço de que nasce o sentido ou o não-sentido - ou o que transcende o sentido. Na verdade, a imagem nestes desenhos não reenvia a uma realidade exterior ou interior, não é uma representação de um fragmento do visível recortado na experiência quotidiana; é antes um modelo de organização do espaço, conjunto de puros signos sem referência ou qualquer sugestão figurativa. Assim, neles nada se significa, nada se revela a não ser o tema estrutural que constitui a figura ou a imagem do desenho, a qual está para além de qualquer interpretação. Há, talvez, em cada delicada marca, traço ou mancha, ou em cada sombra destas manchas, ou ainda nas linhas que se rompem em minúsculos intervalos, há nestas marcas e nestas falhas, talvez, uma subtil encarnação do desejo ou o frémito de um corpo desejante. Todavia, este frémito não se torna tema ou figura, uma vez que se inscreve na metamorfose do invisível ou na formulação pictórica de um espaço puro.


De certo modo, o que Isidoro Augusto faz é dissociar as significações estabelecidas em partículas in-significantes, mostrando-as e relacionando-as em novas estruturas, que não requerem o sentido institucionalizado, porque são abertas e totalmente vazias. Por outros termos, estes desenhos fotográficos de Isidoro Augusto são menos significativos do que dessignificantes e é essa abertura estrutural, a sua delicadíssima complexidade ou a sua subtil simplicidade, a sua transparência, que os tornam extremamente sugestivos e reveladores de um puro espaço em que a visão se alia à metamorfose do vazio.

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