Dia de pausa com uns minutos para olhar livros lá por casa. Um deles, Fazedor de imagens, foi-me oferecido pelo autor, Isidoro Augusto, em 20.12.2015. Coisa estranha, não tenho ideia nenhuma disso... Ainda para mais, o livro é excelente e o fotógrafo um artista de qualidade. Há paisagens, sempre melancólicas e introspetivas, e imensos trabalhos gráficos. Ganhei o dia, graças a Isidoro Augusto. Deixo aqui um texto de António Ramos Rosa.
ISIDORO AUGUSTO
ou a metamorfose do vazio
por
ANTÓNIO RAMOS ROSA
Nestes desenhos foto-gráficos de Isidoro Augusto não há nada de simbólico,
alegórico ou metafórico. É que eles nada representam ou figuram, pois são um
puro acto cujo objecto é a sua própria génese. Pode dizer-se que este acto é uma
afirmação do vazio enquanto lugar da aparição da forma. Assim, a forma surge do
vazio no limite em que a sua emergência é a própria formação do vazio. O
artista deixa de representar seja o que for para se encontrar face ao visível
na sua pureza integral, sem a alienação de qualquer ponto de vista. Este espaço
visível mostra-nos então a invisibilidade do ser.
Num certo sentido, tudo o que eu apreendo ou contenho,
só o compreendo se souber que é algo inapreensível e que eu posso deixar ser.
Só assim a infinidade se revela na sua invisibilidade, na plenitude do vazio.
Esta experiência é fundamental porque se trata de uma forma de conhecimento do
absoluto. Será este o sentido destes desenhos, dos quais não se pode dizer que
tenham um tema ou reproduzam um objecto (real ou imaginário)? O essencial neles
seria o vazio, o espaço de que nasce o sentido ou o não-sentido - ou o que
transcende o sentido. Na verdade, a imagem nestes desenhos não reenvia a uma
realidade exterior ou interior, não é uma representação de um fragmento do
visível recortado na experiência quotidiana; é antes um modelo de organização do
espaço, conjunto de puros signos sem referência ou qualquer sugestão figurativa.
Assim, neles nada se significa, nada se revela a não ser o tema estrutural que
constitui a figura ou a imagem do desenho, a qual está para além de qualquer interpretação.
Há, talvez, em cada delicada marca, traço ou mancha, ou em cada sombra destas
manchas, ou ainda nas linhas que se rompem em minúsculos intervalos, há nestas
marcas e nestas falhas, talvez, uma subtil encarnação do desejo ou o frémito de
um corpo desejante. Todavia, este frémito não se torna tema ou figura, uma vez
que se inscreve na metamorfose do invisível ou na formulação pictórica de um
espaço puro.
De certo modo, o que Isidoro Augusto faz é dissociar
as significações estabelecidas em partículas in-significantes, mostrando-as e
relacionando-as em novas estruturas, que não requerem o sentido institucionalizado,
porque são abertas e totalmente vazias. Por outros termos, estes desenhos
fotográficos de Isidoro Augusto são menos significativos do que dessignificantes
e é essa abertura estrutural, a sua delicadíssima complexidade ou a sua subtil
simplicidade, a sua transparência, que os tornam extremamente sugestivos e
reveladores de um puro espaço em que a visão se alia à metamorfose do vazio.
Sem comentários:
Enviar um comentário