Quarenta anos passaram e chegou o tempo da celebração. A festa que aconteceu no passado fim de semana sublinha tudo isso. O passar do tempo e o êxito da tarefa. O sítio arqueológico era, no final dos anos 70, pouco mais que um sumptuoso cenário. Tomou a seu cargo a direção do projeto de escavações do sítio um ainda jovem professor da Universidade de Coimbra. Aos 45 anos, Jorge Alarcão reuniu uma equipa disposta a fazer a fazer da arqueologia muito mais que um simples trabalho de campo. As escavações prologaram-se por vários anos. Em 1990, eram dados à estampa dois monumentais volumes resumindo os trabalhos arqueológicos, sob a direção de Jorge Alarcão, de Robert Étienne e de François Mayet. “Les villas romaines de São Cucufate” é um trabalho exemplar e de fôlego. Ao longo dos anos em que os trabalhos foram concretizados o Município da Vidigueira era dirigido por um alentejano maior, o comunista Carlos Góis. Um homem vertical e digno, que apostou no Património muito antes disso ser moda ou um gesto de bem parecer.
São Cucufate é hoje um sítio visitável e com um percurso didático. O sítio é uma vitória sobre a inércia. Das várias fases da estação arqueológica é a “villa” do século IV a que chegou até nós de forma mais visível. Podemos imaginar o esplendor do palacete nos seus dias de maior riqueza. Com o tanque em frente ao edifício, com os banhos e as amenidades que os senhores do sítio criavam para um quotidiano que era a antecâmara do paraíso. O templo que ali vemos foi depois cristianizado, tal como o de Milreu ou o da Quinta do Marim. O sítio foi ganhando um pendor religioso cada vez mais vincado. Até cair no esquecimento e ser resgatado pela arqueologia.
A celebração do passado fim de semana é um sinal dos tempos. Um sinal necessário, mas melancólico. Os grandes projetos de arqueologia do sul estão num ponto de viragem. A escavação de Mértola arrancou em 1978, a de Silves sensivelmente na mesma altura, Mesas do Castelinho começou alguns anos mais tarde. O compromisso autárquico de outrora é hoje, e com a exceção de Mértola, menor e marcado por outras prioridades. Vive-se um fim de ciclo.
Jorge Alarcão deixa uma marca indelével na Arqueologia Portuguesa. Sabiamente, optou por publicar as suas obras de maior fôlego (de que foi autor ou coordenador) em línguas usadas de forma corrente pela comunidade científica. São disso exemplo as “Fouilles de Conimbriga” (em sete volumes, entre 1974 e 1977) e “Roman Portugal” (em dois volumes, que são quatro..., publicados em 1988). O conhecimento cruzou fronteiras.
Nos dias que passam as prioridades são outras. Claro que há novos projetos e uma nova geração a fazer coisas e a iniciar o seu percurso. Com a certeza, porém, que não poderão contar com homens como Carlos Góis ou como Serrão Martins. Impera o curto prazo. A visão de longo prazo desse outro alentejano maior que se chama Jorge Alarcão é coisa cada vez mais rara.
O ciclo de São Cucufate está, por agora, encerrado., A reabilitação foi feita, escutou-se aquilo que o chão nos diz e os livros foram publicados. Aguardemos o que a próxima geração (não a minha, que já não é a próxima) tem para dizer.
O sítio de São Cucufate está classificado como monumento nacional desde 1947.
As ruínas de São Cucufate, em tempos que já lá vão.
Crónica publicada hoje, no "Diário do Alentejo".
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